Marizilda Cruppe

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A fotojornalista do jornal O Globo e do EVE Photographers, Marizilda Cruppe, bateu um papo rápido com o Olhavê sobre o World Press Photo. Marizilda foi um das juradas do WPP e fala sobre a dinâmica da comissão e sobre a desclassificação de um ensaio por manipulação digital. Se você não conhece Marizilda, vá correndo no site dela, uma das nossas mais importantes e atuantes fotojornalistas brasileiras. Ser jurada do World Press Photo foi só mais um ponto na sua carreira. Marizila enviou algumas fotos que são de uma prisão e foram feitas na Polinter do Rio, no Grajaú, fizeram parte  do livro “This Day of Change”, publicado no Japão, em que 132 fotógrafos do mundo todo fotografaram o dia da posse do Obama, cada um em seu canto do mundo.

Hoje, Marizilda está viajando para Amsterdã, onde haverá a entrega dos prêmios, no próximo dia 2 de maio. Lembrando que Daniel Kfouri foi um dos vencedores.

Entre 18 de maio e 27 de junho, a Caixa Cultural do Rio de Janeiro estará recebendo a exposição do WPP.

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Foto: Gustavo Pellizzon

OLHAVÊ Qual é a dinâmica/rotina no julgamento das fotos do World Press Photo?

MARIZILDA CRUPPE O julgamento é dividido em dois rounds, com dois grupos diferentes de jurados. Neste ano, pela primeira vez, o primeiro round foi dividido em quatro júris especializados (Notícias e documentários, Esportes, Natureza e Retratos). Eu fiz parte do grupo de Notícias e documentários, junto com outros quatro profissionais (Ayperi Ecer, Yuri Kozirev, Laura Serani e Volker Lensch). Nós nos reuníamos pela manhã e durante todo o dia víamos as fotos projetadas em um telão. Na sala escura (veja aqui) ficavam os cinco jurados, uma secretária (Daphné Anglès) e três membros do staff do WPPh, responsáveis pela projeção. Começamos analisando todas as histórias, das seis categorias de Notícias e documentários e, depois de terminadas as projeções das histórias seguimos para as fotos concorrentes em “Singles” das mesmas categorias (Spot News, General News, People in the News, Contemporary Issues, Daily Life e Arts and Entertainment). Foram 70 mil fotos no total. No primeiro round, a dinâmica é a de dizer “SIM” para as fotos/histórias que queremos que sigam para a etapa seguinte. Às vezes era um SIM solitário, às vezes coletivo, o que mostrava que a(s) foto(s) tinha(m) agradado a todos. Éramos cinco pessoas de origens e formações diferentes, mas que se completavam. As escolhas de cada um eram respeitadas e bastava um único SIM para que a foto/história seguisse para o segundo round. Parece simples dizer apenas um SIM, mas não é. Embutido neste SIM estão a formação humana e profissional de cada um e o entendimento sobre o que é o fotojornalismo. É como usar o conhecimento adquirido em toda uma vida profissional para tomar uma decisão rápida e segura. Sou fotógrafa e sei o quanto custa pensar/realizar/concluir/editar uma história. Na hora de dizermos SIM (ou ficarmos em silêncio) não deixamos de ter respeito pelo profissional que havia confiado seu trabalho (e todo seu sacrifício para executá-lo) à opinião daquele júri. Das 70 mil fotos exibidas no primeiro round cerca de 7 mil foram selecionadas para o segundo. De certa forma, é o júri do primeiro round que indica as tendências do que vai ser premiado. Este ano, o júri de primeiro round foi mais seletivo do que o de anos anteriores, o que possibilitou mais tempo para discussões no segundo. Só para comparar, no ano passado cerca de 30 mil fotos seguiram para o segundo round.

OLHAVÊ Como foi o nível das fotos inscritas?

MARIZILDA CRUPPE Na média, o nível das fotos era alto. Como fotojornalista, senti um certo alento ao constatar que a edição é uma dificuldade universal. É difícil editar bem o próprio trabalho. Os trabalhos que apresentavam edição mais apurada se destacavam. Houve uma grande participação da China e da América Latina e foi muito interessante conhecer melhor essas regiões do mundo pelos olhos de profissionais locais.

OLHAVÊ Estando do outro lado, como jurada, qual a sua impressão sobre o concurso?

MARIZILDA CRUPPE Foi muito bom constatar o nível de profissionalismo, organização e respeito por parte da Fundação WPPh e de todos os membros do júri. Todo o tempo éramos lembrados sobre as regras de confidencialidade e imparcialidade. Não era permitido citar nomes de fotógrafos, caso acontecesse de reconhecermos algum trabalho inscrito. Nos intervalos das projeções era comum conversarmos sobre nossas escolhas e o que tínhamos gostado, mas nunca qualquer nome foi citado. Tudo é muito sério e funciona sem erros. Recebíamos todo tipo de mimos e cuidados para que não nos sentíssemos cansados e para que mantivéssemos sempre alto o nível de concentração.

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Foto: Erik de Kruijf | Todos os jurados do WPP

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Fotos: Marizilda Cruppe

OLHAVÊ Sobre a Foto do Ano (veja aqui), como se dá o processo dessa escolha?

MARIZILDA CRUPPE A foto do ano é escolhida no segundo round, em voto secreto. O júri do segundo round é composto por um representante de cada júri especializado do primeiro round, mais outros jurados convocados para participar diretamente do segundo round. A representante do meu grupo foi a Ayperi Ecer, que também foi a presidente geral (Chair) do júri deste ano. Não tenho como dar mais detalhes sobre o processo de votação porque não participei do segundo round.

OLHAVÊ Depois de passar pela experiência como jurada, qual o conselho ou dicas que daria para os fotógrafos brasileiros?

MARIZILDA CRUPPE Uma dica é pedir a ajuda de um ou mais amigos para editar as fotos. É preciso desapegar-se para editar bem. Muitas vezes gostamos de uma foto porque ela nos remete a uma boa lembrança do momento do clique, mas ela não acrescenta nada à história. Menos é mais. Não esquecer disso nunca. Outra dica é enviar, no mínimo oito fotos para uma história. Duas fotos não contam uma história e doze fotos pode ser um número exagerado, se a história for mal editada. As projeções não são lentas e é preciso dar tempo aos jurados de entenderem a história que o fotógrafo quer contar, de conhecerem um pouco o seu estilo de fotografar etc. Falo mais em histórias do que em singles porque pode ser mais difícil editar uma história do que escolher uma foto única para inscrever no prêmio. E também porque uma boa foto pode ser pinçada de uma história não tão boa. O concurso abre essa possibilidade, como também abre a possibilidade de remanejar uma foto/história de categoria, caso o fotógrafo tenha inscrito em categoria errada. Outra dica que posso dar é para os fotógrafos darem mais atenção à categoria “Daily Life”. Tudo cabe nesta categoria. O que não seria “Daily Life”? Vivemos um tempo em que os leitores se interessam mais pelo que está próximo da realidade deles do que o que está distante. E o conceito de proximidade/distância a que me refiro não é geográfico. Sinto que as pessoas têm se importado mais com o que parece mais próximo de suas vidas. O desafio está em encontrar temas locais que tenham uma mensagem global. Um entendimento universal, portanto. A dica final é sobre o Photoshop. Entre os meus colegas de júri houve uma rejeição coletiva aos exageros do Photoshop. Nada combinado previamente, mas uma coincidência de opiniões. Nada contra as ferramentas de “laboratório” do Photoshop, mas situações irreais de luz e cor que alteram a realidade de uma maneira que nada acrescenta ao trabalho. Manipulação, nem pensar. As regras são rígidas e seguidas à risca. Veja o exemplo da história desqualificada por manipulação no concurso deste ano.

OLHAVÊ Como os jurados foram orientados em relação ao ítem que falava sobre a possibilidade de conferir o Raw?

MARIZILDA CRUPPE Assim que confirmamos a participação no júri recebemos material impresso com as regras do concurso. Nas primeiras reuniões, já na sede da Fundação WPPh, essas regras foram repassadas e a qualquer momento poderíamos esclarecer as dúvidas que surgissem.

OLHAVÊ O jurados tinham autonomia sobre a análise que poderia ser de interpretação de cada membro do júri?

MARIZILDA CRUPPE Quando os organizadores convidam os jurados está implícito que respeitam a opinião daqueles profissionais. E é natural que as opiniões coincidam quando se reúne um grupo que pensa de forma semelhante no que se refere à idoneidade e à ética no ato de fotografar e nas etapas que se seguem depois da foto feita.

OLHAVÊ Qual a sua opinião como fotojornalista sobra a desclassificação e, deslocando do fato, a sua opinião sobre a manipulação da imagem inscrita (veja aqui)?

MARIZILDA CRUPPE Regras são regras e cada concurso cria as suas. Quando um fotógrafo pensa em submeter seu trabalho à determinado concurso precisa conhecer bem as regras para não haver reclamações (ou decepções) posteriores. Neste caso, até onde sei, o fotógrafo nem discutiu as regras do WPPh. E acho que não faz diferença apagar um detalhezinho ou uma área maior da foto. Apagar é apagar seja qual for o tamanho do que está sendo apagado. E independente das regras dos concursos, cada fotógrafo precisa ser rígido e seguir suas próprias regras. Para mim, usar os recursos do Photoshop como “ferramenta de laboratório” é ótimo. Por que não intensificar cor e contraste? No laboratório isso pode ser feito com o uso de diferentes papéis e com diferentes misturas de químicos, como também pode ser feito na hora da foto, regulando a camera de uma forma que cor e contraste sejam potencializados. Por outro lado, sou contra qualquer tipo de manipulação que exceda o que mencionei acima, como apagar elementos indesejados ou cortes radicais. Nós, fotógrafos, precisamos aprender a conviver com as fotos que não consideramos perfeitas, precisamos desapegar das fotos mal feitas. Ficou ruim? Tudo bem, deixa a foto para lá em vez de tentar “salvar” no Photoshop. No caso desta história desqualificada, será mesmo que aquela foto era fundamental? O fotógrafo precisava ter dado aquele corte extremo para incluir um detalhe na edição? Casos como esse levantam debates úteis para a nossa profissão.

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