Isabel Amado

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Isabel Amado é uma carioca-paulista que vive da fotografia há bastante tempo e trabalha duro. Ainda jovem, se viu dentro de um projeto que viria a se tornar uma das grandes marcas da fotografia nacional: o NAFOTO. Pegou a responsabilidade de tocar a Galeria Fotoptica e seguiu firme. Para quem já trocou três palavras com Bel Amado sabe do seu jeito objetivo de se expressar. Tocando duas galerias de fotografia, conduzindo com firmeza e dinamismo o leilão do Paraty em Foco e cuidando de acervos de fotógrafos e empresas, Bel segue trabalhando. Fotografia não é só oba-oba. Tem que pegar no batente.

Bel Amado na Galeria Fotoptica em 1991

OLHAVÊ – Bel, como a Fotografia entrou na sua vida?

ISABEL AMADO – Meu avô Julio, era um engenheiro apaixonado por fotografia, no escritório da sua casa no Rio de Janeiro nos anos 60/70, havia um piano e um grande móvel com uma gaveta lotada de fotografias soltas. Nos almoços de domingo, vasculhar essas gavetas era o meu maior divertimento. Acho que foi nessa época que eu me encantei.

OLHAVÊ – Você assumiu a Galeria Fotoptica em 1988. A galeria é pioneira e até hoje uma referência. Como foi a experiência?

ISABEL AMADO – Eu era recém chegada em São Paulo e conheci a Solange Farkas, que naquele momento estava cuidando da Galeria, após a saída da Rosely Nakagawae uma breve passagem do Hélcio Nagamine por lá. Solange, diretora do festival Videobrasil, exerceu as duas funções e me convidou para auxiliá-la na realização das exposições.

Mais ou menos dois anos depois, o João Farkas tomou a direção da Galeria e naquele momento eu já tinha mais autonomia e produzia e executava todas as etapas de uma exposição, contato com os fotógrafos, confecção do convite, que era desenhado pelo Kiko Farkas, material para assessoria de imprensa, acompanhamento das ampliações nos laboratórios e eu mesma fazia os passepartout. Na entrada da galeria, havia uma pequena livraria onde eram vendidos livros de fotografia que a Fotoptica importava, era o único lugar no Brasil onde tínhamos acesso as publicações internacionais mais recentes.

Foi um período muito fértil, pois tive contato com o que havia de mais atual na produção da fotografia brasileira, e o objetivo principal da galeria era o de fomentar a linguagem fotográfica, uma prática recente na nossa fotografia. O que se buscava na época era encontrar uma identidade autoral nos ensaios fotográficos. A fotografia brasileira já não era mais só representada pelos fotocineclubistas e os fotojornalistas. Neste período, eu conheci, Antonio Carlos D’Ávila, Antonio Augusto Fontes, Ed Viggiani, Claudio Edinger, Juvenal Pereira, Cássio Vasconcellos, Iatã Cannabrava, Rubens Mano, Bettina Musatti, Jaqueline Joner…. Foi uma experiência incrível, era um espaço muito rico de produção e circulação do que se produzia em fotografia e vídeo naquela época.

Permaneci na Galeria por oito anos, até o seu fechamento em 1996. Realizamos 75 exposições de fotografia. Trabalhar com seu Thomaz, João e Solange foi um privilégio.

OLHAVÊ – E o Nafoto? Você fez parte do Núcleo e da organização do 1º Mês Internacional de Fotografia. Fale um pouco sobre esta experiência e porque saiu do grupo.

ISABEL AMADO – Fui convidada em 1991 por Juvenal Pereira, criador do NAFOTO, a fazer parte do grupo que criaria o Mês Internacional da Fotografia. Como eu representava a Galeria Fotoptica, e lá era um dos pontos principais de difusão da fotografia brasileira, me juntei ao grupo. Nos reuníamos uma vez por semana, no início as reuniões eram na Galeria, depois na Casa Fuji e por fim na N Imagens, agência da Nair Benedicto.

Éramos todos muito entusiasmados com a possibilidade de trocar experiências, de ver de perto a produção europeia, afinal de contas foi nessa fonte que a maioria dos fotógrafos brasileiros bebeu. Não me lembro exatamente se houve um episídio específico que motivasse a minha saída do grupo. O que me lembro é que foi logo após a exposição que eu fiz no Centro Cultural São Paulo “Na Fronteira dos Sentidos” uma coletiva com 12 fotógrafas brasileiras, entre elas, Marlene Bergamo, Bettina Musatti e Elza Lima. Nessa época meu filho Manuel tinha dois anos e percebi que deveria me dedicar mais a ele. A minha contribuição ao grupo tinha se esgotado.

Isabel Amado e Graciela Iturbide na exposição “En El Nombre del Padre” na Galeria Fotoptica, 1993

Foto: Iatã Cannabrava – Bel Amado e Juvenal Pereira, 1993

OLHAVÊ – No especial sobre o Nafoto, aqui no Olhavê, você falou o seguinte: Nós todos do Nafoto, trabalhamos sem nenhuma remuneração, foram sete anos de dedicação sem nenhum retorno financeiro direto”. Esta relação, não remunerada, nos dias de hoje seria possível?

ISABEL AMADO – Eu acho que não. A fotografia se profissionalizou em todas as suas vertentes, os sistemas de comunicação e de conhecimento mudaram muito. Acho que uma forma de resolver essa necessidade de conhecimento, desenvolvimento, de uma expressão e de inclusão no mercado, são os coletivos.

OLHAVÊ – Em um texto publicado na revista Irisfoto (maio de 1993), com o título “A maior coletiva brasileira” (sobre a exposição do Mês) você fala que o fotógrafo brasileiro evoluiu na forma de mostrar o seu trabalho (apresentação e escolha das fotografias). Passados 20 anos, qual a sua opinião sobre o assunto depois de tantas leituras de portfólio?

ISABEL AMADO – Houve uma série de mudanças, desde a apresentação do portfólio até a dissertação das biografias. Hoje, na maioria das vezes, quando o fotógrafo apresenta o seu trabalho, ele já direciona e seleciona um conjunto de fotografias que se referem a um ensaio específico, não são mais os albinhos de laboratório de uma hora, os copiões ou as tais provinhas de trabalho.

Hoje, é raro ver um fotógrafo apresentar seu portfólio com fotografias soltas, sem um cuidado com a impressão e a apresentação. Percebo que atualmente, principalmente no circuito do Sul do país, existe uma cultura para a arte fotográfica, as exposições de fotografias, os festivais e os encontros que acontecem em várias cidades do Brasil foram determinantes para esse desenvolvimento.

OLHAVÊ – Você tem uma empresa especializada na organização de arquivos de fotógrafos e instituições. Recentemente, você concluiu um trabalho no acervo de Bob Wolfenson. Como é adentrar num arquivo de terceiros e como foi o trabalho no arquivo de Bob?

ISABEL AMADO – Abri a minha empresa Anima Montagens, especializada em organização de arquivos e acervos de fotografia, em 2001 logo depois que saí do MIS. A experiência no Museu, o advento do mundo digital e o início da criação dos sites de fotografia me abriram os olhos para essa área pouco desenvolvida no universo da fotografia profissional.

O Bob foi o primeiro que me abriu e me entregou o seu arquivo. Eram 12 móveis/arquivos de 4 gavetas, lotadas de envelopes de papel pardo, com apenas a inscrição do cliente ou do personagem retratado. Em 2001, iniciamos o trabalho através de um inventário, passamos dois meses fazendo um levantamento, quantitativo (número de fotogramas), do estado de conservação dos suportes e quais eram as principais áreas de atuação do Bob. Nessa fase eu tive o acompanhamento da arquivista Ana Lúcia Queiroz, criamos um plano que classifica o arquivo a partir das principais aplicações, como por exemplo: publicidade/moda, editorial/moda e os ensaios/retratos.

Mergulhar no universo de um fotógrafo como o Bob, que tem uma trajetória profissional consagrada e extremamente requintada, me possibilitou conhecer de perto o que há de mais relevante na produção da fotografia aplicada a partir dos anos 80, além de poder conhecer profundamente toda a sua história pessoal e familiar.

Na época dos filmes, entre um ensaio e outro o fotógrafo também fotografava sua família, suas viagens, suas festas e seus amigos. Fotograma a gente não corta nem deleta, ele permanece lá, na tira do filme. Esses fotogramas também fazem parte da história de um autor.

Voltamos ao arquivo do Bob agora em 2011 para catalogar as fotografias captadas com equipamento digital. Mantivemos o mesmo sistema de catalogação, com o mesmo programa criado no início, e hoje, é possível ter acesso aos 585.000 fotogramas que compõe o seu arquivo, que organizado e preservado possibilita ao consultor, ao pesquisador, ao curador e melhora ainda ao autor, fazer releituras do seu trabalho. Como foi o caso da exposição ANTIFACHADA, realizada em 2004, onde metade da exposição são fotografias pinçadas do arquivo dele.

É muito bom saber que pelo menos a história do Bob, está preservada.

Assim como o Bob, eu e minha equipe trabalhamos com os fotógrafos Maurício Nahas, Murillo Meirelles, Claudia Jaguaribe, Paulo Vainer, Andreas Heiniger, Rogério Miranda… e as empresas, EMBRAER, onde permanecemos quatro anos acondicionando e catalogando toda a produção fotográfica. Na agência ALMAPBBDO, foram seis anos e na agência Thompson ficamos três anos, catalogando e acondicionando as fotografias produzidas pelos estúdio das agências.

Acervo de Bob Wolfenson antes da organização

OLHAVÊ – Atualmente, você é sócia da Galeria da Gávea no Rio e atua em São Paulo como curadora independente. Falando um pouquinho sobre as duas coisas: qual a diferença dos mercados Rio vs. São Paulo (para galeria) e existe mercado para uma galeria só de fotografia?

ISABEL AMADO – A convite dos fotógrafos Ana Stewart, Bruno Veiga e Ricardo Fasanello, que já eram sócios do estúdio da Gávea, criamos em 2009 a Galeria da Gávea especializada em fotografia. Temos tido uma boa resposta do mercado carioca e do público que frequenta a Galeria também, mas eu acho que ainda é cedo pra fazer comparações.

No momento, eu também atuo como diretora artística da Galeria da Rua, recém inaugurada em São Paulo, nosso projeto é realizar exposições que ocupem temporariamente espaços na cidade e paralelamente, mantemos um escritório e uma reserva técnica para abrigar as obras na rua Rego Freitas no centro de São Paulo.

OLHAVÊ – Você é responsável pelo leilão do Paraty em Foco. Um leilão que preza por expandir a cultura da venda e da compra de fotos. Você avalia como positiva a iniciativa? Quais os frutos ou que você notou de produtivo durante estes anos?

ISABEL AMADO – Desde o ano passado, identifiquei que alguns compradores já frequentam o leilão de Paraty há três edições. Ou seja, pessoas que compraram uma vez, e depois voltaram nos anos seguintes pra participar do festival e do leilão especificamente. Todas as obras comercializadas, são assinadas, estão acompanhadas dos certificados de autenticidades e seguem os padrões de conservação na montagem, molduras e etc…

Nas últimas três edições do leilão vendemos 98% dos lotes, a preços que variam de R$ 800 a R$ 7.000.

Pra quem é apaixonado por fotografia, é o máximo que fotografias de fotógrafos consagrados e também desconhecidos estejam sendo comercializadas num festival como Paraty em Foco, o maior festival de fotografia de todos os tempos na América Latina.

OLHAVÊ – Já ouvi você falar sobre a normatização das informações das obras fotográficas como uma necessidade urgente. Ter as informações corretas e normatizadas é importante não só para o autor mais também para as gerações futuras de compradores, pesquisadores e conservadores não é verdade?

ISABEL AMADO – Sim, Belém é verdade. E temos aplicado essas normas tanto no leilão, quanto nas exposições que tenho realizado. Este ano, darei um workshop no Festival Paraty em Foco, que abordará exatamente essas questões.

Acervo de Bob Wolfenson depois da organização

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