Para uma compreensão além do visível

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Fotos: Pieter Hugo

Abdulai Yahaya, Agbogbloshie Market, Accra, Ghana, 2010 – Série Permanent Error

Para uma compreensão além do visível

Quem se lembra da primeira fotografia que lhe arrebatou? Qual fotógrafo nunca se surpreendeu com a imagem que surgiu no fotograma, por obra do acaso ou porque se imaginava ter captado uma cena que a bem da verdade era uma ilusão, uma representação do que havia visto.

A ambiguidade entre testemunho/documento e representação/construção de significado na imagem fotográfica é o reflexo de como operamos e percebemos a cultura visual de nosso tempo, repensamos o passado e prospectamos o universo imagético que nos seguirá surpreendendo.

Num momento em que vivenciamos intensamente a produção da fotografia e  bem poderia estar aqui o filósofo Vilém Flusser nos dizendo: “Vejam, falei há 28 anos atrás que a democratização da fotografia serve de modelo para democracia do futuro”, seguimos sensíveis ao campo do encantamento, do invisível, da emoção, da reflexão e estranhamento. O movimento propositivo, a ação de significados que uma fotografia provoca é em essência a sua força, sua comunicação e conexão.

Ao conhecer o trabalho de Pieter Hugo, nos fixamos insistentemente à eloquência de retratos e paisagens, de mundos dramaticamente contundentes, de imagens que bem poderiam estar apenas num pesadelo… Em outras fotografias, o que parece ser domesticado, encenado, ficcionalizado é também a condução de narrativas que redefine a dita realidade dentro de uma perspectiva do improvável.

A exuberância estética vista em The Hyena and Others Men e em Nollywood é ainda mais vigorosa quando os olhares dos retratados nos atravessam inclementes. Pieter Hugo, numa espécie de arqueologia social, direciona o que poderíamos chamar de representação pela performance. Não há ingenuidade nos retratos, há sim uma troca simbólica ao narrar vidas e mortes.

A vocação pelas imagens fortes de Pieter Hugo arrebata e impressiona o olhar do espectador de forma pungente. É como se ele visse a realidade através de uma visualidade que acondiciona a essência de grupos sociais, seus riscos e desventuras.

Mesmo em trabalhos nos quais podemos observar o sentido de inventário de situações políticas, religiosas, econômicas e de identidade, sua poética enfatiza a sintaxe da fotografia que interpreta o mundo de frente e assertivo. Longe de tratar os sujeitos de seus ensaios como um dispositivo exótico e bizarro, próximos à imagem-clichê, Pieter Hugo nos propõe desafios, desvios, deciframentos ocultos…

Fotografias para uma compreensão além do visível.

Como disse o escritor israelense Amós Oz: “(…) a realidade não é apenas o que o olho vê (…), mas também do que se esconde do olho e se revela para quem procura com os olhos do espírito e de quem tocar com os dedos do pensamento”.

Que o futuro deste fotógrafo seja o de sempre encontrar, por meio de imagens, histórias que mereçam ser contadas.

Georgia Quintas, setembro de 2011.

* Texto apresentado durante a entrevista com o fotógrafo sul-africano Pieter Hugo na abertura do 7º Paraty em Foco.

Abdullahi Mohammed with Mainasara, Ogre-Remo, Nigeria, 2007 – Série The Hyena and Other Men

Song Iyke, Enugu, Nigeria, 2008 – Série Nollywood

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