Novas paisagens de texturas distantes

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Fotos: Christian Cravo

Tive o prazer de fazer o texto de apresentação do catálogo da nova exposição do fotógrafo Christian Cravo que abre amanhã em Nova York, na galeria Throckmorton Fine Arts.

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Novas paisagens de texturas distantes

Alguns artistas percebem seus processos de criação como uma viagem. Outros escolhem a digressão para seguir tentando compreender a vida através da fotografia. Para estes, viajar fisicamente é o irromper de um estado para atingir um outro, no qual sentir faz parte do encontro em aproximar-se das coisas por elas mesmas. Desviar do já realizado também tem seu respeitoso sentido de desafogar, ativar outros mecanismos poéticos e, até mesmo, de reencontra-se com as memórias do afeto.

No ensaio Shadows and Light, Christian Cravo faz da sua fotografia digressão. Faz deste novo trabalho uma reflexão, um proposta de cisão estética. Ou melhor, vincula sua intuição e busca certa cartografia de paisagens arenosas, assim como é movediça nossa existência no mundo. Como um ritual, um encontro com a sua fotografia e vocação, o ato de viajar é inerente ao trabalho do fotógrafo Christian Cravo.

Shadows and Light é o resultado de sete incursões por cinco países africanos realizadas desde 2011. Em jornadas que duravam de 20 a 25 dias pela Namíbia, Botsuana, Zâmbia, Quênia e Tanzânia, Christian Cravo entrava naquele que é o seu território de trabalho: a imersão fotográfica profunda e intensa. Não pensemos aqui em limites ou territórios geográficos. O espaço é mais simbólico. É onde a alma do fotógrafo encontra com o seu passado, sua raízes, suas motivações de viver e, também, procura novos caminhos e realizações.

Sempre ligado aos temas das expressões populares de religiosidade, Cravo se destaca como um dos mais bem sucedidos fotógrafos brasileiros das últimas décadas. A documentação da fé no interior do nordeste brasileiro e o trabalho realizado no Haiti são obras fundamentais da história da fotografia brasileira. E com a mesma dedicação que se entrega pelos mistérios da natureza humana, Christian Cravo foi buscar experiências e vivências nas paisagens e animais do continente africano.

Nascido no estado da Bahia, num círculo artístico muito forte, Cravo viveu até os 22 anos na Dinamarca. Os seus ensaios anteriores surgiram da necessidade de conhecer o Brasil e seus aspectos culturais. O calor humano, a expressão e a manifestação religiosa, poucos presentes no país escandinavo. Depois do nordeste brasileiro, o Haiti surgiu naturalmente.

Por que este giro de 360 graus na temática? Nada é tão consciente ou cartesiano. Dois fatos marcaram o novo rumo de Christian Cravo. Em 2009, o seu pai, o artista plástico e fotógrafo Mario Cravo Neto morreu deixando uma obra magistral e gerações inebriadas de influências. No começo de 2010, um terremoto no Haiti destruiu boa parte do país. Cravo, que havia trabalhado por dez anos no local e produzido o pujante ensaio Nos Jardins do Éden, perdeu amigos. Decepção humana é a definição que o próprio artista usa para esta fase. De concreto surgiu o desafio de reinventar-se e traçar uma nova rota.

Nesta exposição, as 29 obras não seguem uma lógica cronológica, certa narrativa objetiva ou dada catalogação metódica. O tom férrico e mineral das ampliações, fruto do processo platina/paládio, enfatizam ainda mais as possibilidades conceituas que se abriram para Christian Cravo. Assim, Shadows and Light – com sua estética e formas abstratas – aproximou o fotógrafo das suas raízes e, principalmente, das obras de seu pai e do seu avô, Mario Cravo Junior.

Com sua fotografia, Christian Cravo percebeu que desviar é uma conduta possível para vislumbrar o entendimento de si mesmo, de sua história, através da plasticidade que se pode extrair ao viajar pelo mundo. E quem sabe, conseguir algum conforto ao criar e projetar novas paisagens de texturas distantes, coladas pelo olhar de quem busca e se inquieta com a vida.

Alexandre Belém

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