Fotos: Gilvan Barreto – Série “Fronteiras” (2010)
Muito antes deste texto ser escrito, troquei alguns bons e-mails com o fotógrafo Gilvan Barreto. Tomada pelo interesse de entender o processo pelo qual Gilvan vive sua produção fotográfica, cheguei à premissa que muitas vezes a fotografia é como uma fronteira da imensidão de nós mesmos.
Gilvan Barreto – pernambucano de Jaboatão dos Guararapes, radicado no Rio de Janeiro – revela o desassossego da criação, da vontade em despertar imagens fotográficas que solfejem ares autônomos de elementos simbólicos, inerentes ao exercício do movimento de pensar e propor particularidades reflexivas do que vivemos e sentimos entremeados pela fotografia. No que pese seus aspectos transformadores em criar elos com imagens íntimas, bem à parte do que o faz ser um reconhecido e experiente fotógrafo no meio editorial, Gilvan parte para novos encontros.
Ultimamente, Gilvan experimenta imagens. Em Líquido, retratos congelados (Fotos 8~12), os elementos de busca estão no quão inefável é nossa relação sobre a retenção das coisas e dos amores. Partindo de imagens familiares, ele traça um esquema árduo de apreensões desejantes. Seja por uma tentativa física de reter, congelar a sua memória afetiva do aconchego simbólico recriado pela força do imaginário. O gelo é trabalhado por Gilvan, metaforicamente aqui, pelo viés da conservação, por estancar um processo de tempo, perda, vida e afetos. Mas é também um elemento ambíguo pois revela a fluidez incontornável do gesto, da inocência em conduzir a lembrança para uma condição subliminar da imagem fotográfica apropriada de seu ábum de família. O que vemos, não é o documento dos seus pais, mas entretanto a pertinência de reconduzi-los para si, em seus pensamentos. Toda memória se alimenta de imagens.
Em Fronteiras (Fotos 1~7), guiados por uma fita vermelha, entramos e saímos de limites. Como que um fio trouxesse vestígios de espaços (talvez sonhados, talvez possíveis). Dissociado dos referentes mais mundanos, os quais cercam nossa percepção, o ensaio abstrai o próprio tema. Os signos incorridos por Gilvan flutuam entre o lúdico e o discurso da aderência pelo encanto da poesia de uma simples fita vermelha. O que recai sobre a estética, recai também em busca de suas margens, do sentido de si envolto em espaços. O ensaio lança, assim, não apenas imagens.
Por entre a análise processual dos códigos utilizados por Gilvan, seria bem possível acreditarmos se, por ventura, nos dissesse que a fita vermelha fizesse parte de coisas vividas. Com sutileza, a fita ganha propriedades e sentido. Somos envolvidos por esse eixo das tentativas em trazer territórios subjetivos e pessoais.
Porém, simplesmente, Gilvan comprou a fita vermelha. Determinado, resolveu pensar em suas fronteiras geográficas, físicas, desejadas e sonhadas. Num vislumbre de dialogar com um repertório singular que se convertesse em simbólico, a fita passou a ser um dispositivo de tentativa. Vale pensar nessas imagens como adormecidas num cômodo nobre onde Gilvan aguardou por um tempo para chamá-las. Belo processo de inquietação fotográfica.
Georgia Quintas, julho de 2011.
Série “Líquido, retratos congelados” (2009)
BIOGRAFIA
Jaboatão dos Guararapes (PE), 1973.
Gilvan Barreto reside no Rio de Janeiro mas já viveu em São Paulo e Londres, onde começou a fotografar em 1994. Cursou Jornalismo em Recife.
Participou de exposições coletivas no Brasil e no exterior, como em “Amrik – Um Retrato da Presença Árabe na América Latina”, mostra apresentada em mais de 20 países, e em “El paisaje, La habitación, La persona”, no Centro Cultural da Espanha na Nicarágua.
Profissional selecionado para a leitura de portifólio do Photo España por dois anos consecutivos: 2009 (São Paulo) e 2010 (Manágua). O fotógrafo tem imagens no acervo permanente do Museu das Descobertas, em Belmonte, Portugal.
Além dos trabalhos autorais, dedica-se a fazer retratos e a documentar temas sociais e ambientais para organizações internacionais como Oxfam, Greenpeace e UNICEF.
Foi editor da revista Caminhos da Terra, quando realizou reportagens fotográficas na África, Ásia, Europa e Américas. Foi editor de imagens do Universo On Line (UOL) e sócio Agência Lumiar de Fotografia.
Fotografou para veículos estrangeiros como National Geographic (Brasil, Alemanha e Holanda), El País (Espanha), GQ (Portugal), além de colaborar com diversas publicações nacionais. É colunista do www.porqueagenteeassim.com.br, fórum permanente e interativo de discussão e reflexão sobre valores e opções morais do cotidiano dos brasileiros.