A Europa Mágica de Cartier-Bresson

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Foto: Henri Cartier-Bresson – Rue Mouffetard, Paris (1954)

Aqui em Salamanca (Espanha), a neve ainda conserva-se nas ruas desertas de uma tarde de sábado. Já havia visto algumas propagandas sobre a exposição “Os Europeus”, do fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson. Contudo, não frisavam a exuberância de tal mostra. Ao caminhar sem destino certo, entro na Sala de Exposições Santo Domingo. Primeira impressão: uma exposição volumosa e contundente de um dos maiores fotógrafos do século XX. Um verdadeiro soco no estômago. Passando o deslumbre inicial, se contempla as clássicas imagens – desde às ensolaradas feitas na Grécia; às políticas na França e às primeiras impressões do muro de Berlim, na Alemanha.

Henri Cartier-Bresson, ao documentar cenas do cotidiano europeu, descortinou a pluralidade cultural de lugares e sociedades. Além de constituir o ato fotográfico como um exercício de registro aliado à estética. Tornou-se, desse modo, um mestre, uma referência, um baluarte sob o signo de criador de imagens e produtor de memória. A exposição “Os Europeus” – organizada pela Magnum Photos e Fondation Henri Cartier -Bresson e em circuito pela Europa – revela-nos, através de uma montagem bem distribuída (apesar da quantidade de fotos) e cronologicamente roteirizada, as obras mais importantes e reconhecidas de Cartier-Bresson. Poderíamos dizer mais, configuram a gramática de um olhar. O conteúdo iconográfico de Cartier-Bresson é incisivo quanto ao estilo, à impregnação formal pela qual edificam-se a beleza estética e a originalidade da temática captada.

“Os Europeus” reúne as fotografias de Bresson produzidas em suas viagens pela Europa. São imagens que pontuam a Itália e a Espanha dos anos 30 e suas férias na França. Como também, datadas depois de 1955, da Alemanha, Polônia, Iugoslávia, Grécia, Turquia, União Soviética e Romênia. Os europeus de Bresson dimensionam fatos históricos e políticos, além de protagonizarem a vida pueril e de celebração das coisas comuns de distintas culturas.

A exposição traz imagens primorosamente copiadas. É possível perceber questões como sua postura contrária a retoques ou reenquadramentos no momento da ampliação. Outro ponto relevante, é a qualidade da imagem: a profundidade de campo, a definição dos planos e a captação da variação de tons. Cartier-Bresson, indubitavelmente, sagrou o uso da Leica, conotando-a como sinônimo de qualidade óptica.

Contudo, é preciso notar que em termos visuais, o resultado do seu trabalho é sobretudo o de registrar a vida com poesia ou o de sublimar a imagem com o apuro técnico da fotografia. Sempre evocado pelo seu tão decantado momento decisivo, Cartier-Bresson possui a habilidade de construir magistralmente suas composições, criando complexidades de pontos-de-fuga, jogos de sombra e luz e, principalmente, documentando o átimo fugidio da tênue existência temporal dos momentos e das ações da vida que, de certo, pelo olhar mágico de Cartier-Bresson nos toma ora pela beleza ora pelas vicissitudes sociais que a história visual revela.

*Publicado no Jornal do Commercio em 23 de janeiro de 2003.

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