Foto: Alexandre Belém, 2007
Para muitos a arte está nas ruas, na arquitetura das cidades, no trânsito dos pedestres, nos espaços públicos e nos monumentos. É verdade que se deve possuir nem que seja um átimo de acuidade no olhar para apreender a plasticidade cotidiana. Isto é, delegar algum momento para se contemplar e repousar a sensibilidade no concreto da realidade urbana.
A espacialidade das metrópoles constitui temática recorrente e amplamente elaborada pelos artistas contemporâneos. De forma magistral, tal temática também já fora abordada pelo futurismo italiano e pelo modernismo paulista. Embora seja uma apropriação poética que suscite questões vigorosas sobre os suportes da obra de arte, as artes plásticas absorvem numa espécie de fruição automática seu contexto no qual vivemos.
A cidade tanto intervém enquanto obra para o artista quanto, ela própria, sofre a intervenção – passando a ser objeto e suporte. O tema é profícuo e heterogêneo. Algumas investigações no campo teórico já se debruçam sobre a influência da questão urbana no âmbito das artes plásticas. Em termos práticos, multiplicam-se trabalhos e instalações que nos lançam referências pontuais desta particularidade da arte contemporânea.
Cada vez mais, esse segmento, que propõe leituras acerca das cidades, ganha projeção e espaço em exposições. Assim como, sugere os rumos da utilização freqüente de suportes mais do que pertinentes para experimentar as novas linguagens e as possibilidades de interação, cujo repertório de códigos visuais “pulam” de perspectiva, passam da representação de suportes tradicionais para a manipulação da imagem (fotografia) e da dinâmica narrativa (vídeo).
As interpretações estéticas sobre a iconografia dos grandes centros urbanos refletem o diálogo entre espaço e indivíduo. Revelam a complexidade da vida através dos espaços, dependendo da idiossincrasia do olhar de quem os irrompe – seja como intérprete ou sujeito (enquanto articulador de performance). E nesse ponto, abriga o mais importante: vislumbramos o olhar do outro, o que ele percebe e aborda em sua perspectiva única.
A reflexão sobre a trama implícita entre arte e cidade estabelece o redimensionamento em torno de problemáticas como memória, representação cultural, lugares e não-lugares, as relações entre concreto e abstrato, proposições acerca da cidade utópica e dos fragmentos reais desta. Contudo, os artistas contemporâneos se pautam, quase que num ato vertiginoso, pela apreensão complexa da inserção da cidade no indivíduo e vice-versa. Tal espírito nos remete ao poeta francês Charles Baudelaire. Através da imagem baudelairiana do flâneur, o artista deslocou o olhar para os fluxos citadinos da vida moderna. As formas e as técnicas podem ter mudado (desde o séc. XIX), mas o desejo em captar a “a alma” dos caminhos urbanos e suas significações para a tessitura humana constitui elemento de tensão e busca inesgotáveis.
Portanto, a sensação fugaz das metrópoles é transformada em obra de arte. Como produção contemporânea, naturalmente, tal temática desvela a construção de um imaginário social (ainda que em configuração) subjacente nas representações artísticas, assim como suscita enfoques culturais a respeito do fluxo e refluxo inerente à pulsação híbrida entre homem e cidade. Neste sentido, a criação artística articula sensações (no campo da subjetividade) e proposições reflexivas fundantes para a compreensão da arte enquanto cultura. Imprimindo dessa maneira, a expressão do olhar sensível do artista sobre a ocupação de seu espaço nas cidades, bem como os desdobramentos culturais para o olhar antropológico com relação aos símbolos que transitam pela vida urbana.
* Publicado no Jornal do Commercio em 22 de setembro de 2002.