Jean-Michel Basquiat – Tenor, 1985
Uma das maiores referências na arte americana dos anos 80, Jean-Michel Basquiat (1960-1988), chega ao público recifense partir da próxima sexta-feira, numa das mais aguardadas exposições deste ano do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães. Basquiat é mais um daqueles artistas que deixaram uma reticência em sua carreira. O que ele teria feito se não tivesse morrido tão cedo? Em apenas oito anos, este jovem artista deixou um legado decisivo para a arte moderna.
A exposição virá do Museu de Belas Artes de Buenos Aires para cumprir um circuito itinerante pelo Brasil, no qual Recife será o ponto de chegada. Na semana passada, o Cinema do Parque exibiu o filme Basquiat – Traços de uma Vida, do diretor Julian Schnabel. Em 1996, o vigor das suas pinturas ganhou sala especial na Bienal de São Paulo. Já na galeria Luisa Strina, também em São Paulo, teve mostra de desenhos e gravuras. No Mamam estarão 105 trabalhos, entre pinturas e desenhos.
Nascido em Nova York, Basquiat herdou a perspectiva da condição de ser negro e filho de imigrantes (seu pai era haitiano e sua mãe porto-riquenha). Para alguns críticos, ele se tornou um artista exótico por causa de suas origens e seu modo de vida. Fato que fez com que várias análises sobre sua obra tivessem um tom determinista e definições estanques. Um pecado no caso de Basquiat, tão múltiplo e inovador em seu estilo. Longe de ser autóctone, o trabalho dele une autobiografia a elementos urbanos, sociais e culturais; fragmenta seus mundos, dando-os impressões próprias.
A conjugação disso tudo se traduz de maneira pronfunda e impactante. Com um traço estenográfico e caligráfico, reminiscência da vida de grafiteiro que levava como artista de rua no inicío de carreira (sob o pseudônimo Samo fazia texto espirituosos pelas ruas do Soho e East Village), cria um figurativo reticulado de grande força visual. Outra característica é a ênfase dada aos ícones da cultura e do consumo norte-americanos com humor e ironia. Transitava por temáticas contemporâneas no limiar entre o sarcasmo deslavado e a sutileza crítica.
Jean-Michel Basquiat arregimenta sua sintaxe através de um vocabulário misto de imagens e palavras. O verbal insinua, provoca interpretações e amplia os significados. Às vezes, a palavra foge do olhar, se oculta sob pinceladas propositais. “Corto palavras para que você as veja melhor; o fato de elas estarem obscurecidas faz com que você as queira ler”, explicava Basquiat.
A pincelada de Basquiat é nervosa, rápida, quase gestual. A atmosfera de obra inacabada ressalta ainda mais a lógica do índice em suas figuras, seguidas quase sempre de tipologias científicas que acompanham os desenhos de anatomia. Crânios, ossos, mãos e pés são recorrentes nos trabalhos do artista, que fazia questão de simbolizar, sugerir metáforas e sublimar o espectador para um contexto fragmentado do cotidiano.
É possível reconhecer um gama de estilos nas pinturas de Basquiat. Seja o grafite, o cartoon, o expressionismo abstrato ou a representação plana da arte rupestre, vislumbra-se a importância do desenho, das linhas que demarcam o mínimo essencial. Os diversos crânios, presentes em seus painéis, causam impacto e ratificam uma provável estilização das máscaras africanas. Estas alusões e apropriações estilísticas e temáticas só valem à pena para a arte quando geram um outro estado de criação. E graças à abordagem contemporânea, particular, visceral e inovadora de Basquiat é que o universo pictórico se transforma.
O que se verá no Mamam será a habilidade de um artista alinhavada à sua sólida formação cultural. Dizia que não via muitos quadros com gente negra e, portanto, fizera a maioria dos seus personagens negros. Distante da arte engajada, Basquiat apenas pintava com inteligência e paixão o que o cercava.
*Publicado no Jornal do Commercio em 01 de abril de 1998.