Foto: Bruno Vilela
A exposição fotográfica do artista Bruno Vilela, que fica até o próximo dia 12 de outubro, na Fundação Joaquim Nabuco (Casa Forte), é um exercício de desvelamentos. Vilela autentica suas próprias versões sobre estórias infantis entranhadas em nosso imaginário com a singela e lúdica indicação do título Bibdi bobdi boo em todas as suas fotografias. Quase ilegível para alguns (expressão que significa o instante em que a varinha mágica transforma algo), como num passe de mágica, o mundo simbólico das fábulas se decompõe. As imagens construídas e narradas pelo suporte fotográfico nos deslocam para um insólito e desconcertante realismo pictórico.
Retomar temáticas frequentes nas artes visuais, inclusive em trabalhos fotográficos, é uma escolha delicada. A habilidade em ressignificar repertório é algo que pode seguir o atalho do lugar-comum, caso não haja uma releitura de fato consciente de ir além do próprio conceito. Ou seja, é preciso criar uma dinâmica de significados autorais próprios, colocando assim a idéia motriz como ponto de partida para um novo percurso perceptivo. Assim ocorre em Bibdi bobdi boo, exposição intrigante e de qualidade técnica louvável.
No ensaio repleto de personagens (verdadeiras imagens-ícones pré-estabelecidas) como Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho e Alice (no País das Maravilhas), a fotografia não só é utilizada como registro, mas também como linguagem. As imagens possuem um vigor vertiginoso. Nelas, os mitos deságuam. A elaboração das cenas nos leva a uma dimensão imaginária rica em detalhes, nos indicando o paradoxal terreno imagético diante das nossas certezas. Todas as figuras femininas que compõem as fotografias de Vilela são alegorias de um novo discurso. O lúdico das estórias para crianças torna-se dramático, soturno e furtivo. Há sangue, há dor, há queda… O artista trabalha exatamente neste limiar entre o estabelecido e o improvável: do declínio da perfeição, das doces, heróicas e diáfanas mulheres.
Trabalhando como numa composição pictórica, a direção de cena e a força cromática são dois elementos que se destacam nesta exposição. De forma metódica, Bruno Vilela trabalhou além de diretor, como produtor, figurinista e maquiador. Ficou à frente de todo o processo fotográfico. A performance da atriz contratada se “transveste” pelas várias idealizações criadas por Vilela. Através das fotografias, percebemos um fio-condutor subjetivo alinhavado por algum segredo, que percorre todo um território decadente e abandonado sugerido nas imagens.
A figura feminina representada em cada fotografia, sempre solitária, não nos mostra sua face por completo, camufla sua identidade dando ainda mais força aos detalhes e às nossas interpretações. O artista desloca e isola a cena sob uma atmosfera de silêncios e estranhamentos causados por algo anterior, não presenciado por nós. Uma sensação desconfortante da iminência do instante de um acontecimento que não aprisionamos e que por certo nos traria à razão.
A fotografia contemporânea é profícua em sua utilidade como suporte de registro para arte conceitual ou de performance, mas, sobretudo, de expressão e de possibilidades na apropriação da linguagem em si. Quando lemos a expressão Bibdi bobdi boo, sentimos a necessidade de algo mais elucidativo, que nos indique um atalho para o inverossímil que vemos. Certamente, as palavras facilitariam nossa aproximação por cada personagem em contraponto a uma nova “realidade” – silenciosa de porquês, mas vasta de metáforas. Entretanto, desse modo não redimensionaríamos o teor onírico e incongruente de nossos próprios mitos.
* Crítica publicada no Jornal do Commercio de 4 de outubro de 2008.