A segunda entrevista da série “Processo de criação” é com o artista plástico e fotógrafo Rodrigo Braga. Rodrigo teve um projeto aprovado pela Funarte que se chama Desejo Eremita. Diferentemente da Cia de Foto, Rodrigo partirá do zero e construíra o seu trabalho se isolando na cidade de Solidão, no sertão pernambucano. A entrevista foi feita em fevereiro e, provavelmente, Rodrigo já está recluso procurando os seus desejos. Para ilustrar a entrevista, Rodrigo nos mostra o seu último trabalho realizado, Paisagens de 2008.
Site de Rodrigo Braga, aqui.
Entrevista com Rodrigo Braga (em março de 2008) na seção Entrevistando…, aqui.
Mais sobre Rodrigo Braga no blog, aqui.
OLHA, VÊ Sobre o tema, “Desejo Eremita”, gostaria de saber sobre a escolha e as motivações para o desenvolvimento do projeto.
RODRIGO BRAGA Partindo de uma experiência que vivenciei há um ano, durante uma residência artística na Serra da Mantiqueira em Minas Gerais (da qual resultou a série Paisagens, 2008), nesse novo projeto aprovado pelo Programa de Bolsas Funarte de Estímulo à Criação Artística – categoria Fotografia, me proponho a uma radicalização da experiência de imersão sobre um tema ou situação. É uma amplificação de algo iniciado e que pede o desenrolar e o aprofundamento como uma poética em curso. É também uma potencialização de uma pesquisa sobre a linguagem fotográfica em dissolução de fronteiras com outras linguagens artísticas (como a performance e a Land Art) e uma abertura de ressignificações para a fotografia de paisagem.
OLHA, VÊ O processo de criação será como?
RODRIGO BRAGA Desejo vivenciar um embate mais relacional e de mão dupla com elementos naturais, ou seja, não mais apenas partir para a prática a fim de executar uma imagem que já havia concebido enquanto idéia, mas construir essas imagens diretamente imerso no ambiente natural, em plena ação criativa enquanto processo. Para tal, me disponho a sair da profusão da grande cidade em retiro no meio rural no sertão pernambucano, num movimento opositivo aos excessos a que sou (somos) acometido diariamente nas grandes cidades. Para tal, morarei temporariamente em uma casa em meio rural no Sertão do Pajeú no estado de Pernambuco, estando diretamente integrado em uma paisagem de características que me interessam. Alugarei uma casa por 3 meses (março, abril e maio de 2009) no município de Solidão. Lá baseado, desenvolverei livremente meu projeto em deslocamentos pela região.
A escolha do município de Solidão vai para além de suas características naturais que interessam ao projeto. É também conceitualmente peculiar, dado ao seu isolamento político e econômico na região. A pequena cidade de cerca de seis mil habitantes faz divisa com o estado da Paraíba ao norte. E, talvez por estar em situação fronteiriça e, conseqüentemente, distante das capitais ou de outros pólos regionais de circulação de bens, sofre com extrema carência de toda ordem. Uma pequena cidade no mapa, onde o isolamento é a condição.
Paisagem em Solidão, sertão pernabucano
OLHA, VÊ Qual a situação atual do projeto?
RODRIGO BRAGA Por enquanto, apenas cuidei da infra-estrutura. Realizei uma primeira visita de reconhecimento ao município a fim de colher informações. Fiz orçamentos dos principais custos que terei que arcar, realizei um breve mapeamento geográfico-fotográfico de Solidão e entorno e conheci pessoas que certamente me ajudarão a me estabelecer com moradia.
OLHA, VÊ Os objetivos foram preestabelecidos ou não?
RODRIGO BRAGA Meu projeto é detalhado em termos de procedimento e necessidades, mas não há objetivos tão claros quanto ao “produto final”, simplesmente porque se trata de uma produção em processo que depende inteiramente do envolvimento com o que encontrarei em minha nova realidade geográfica e temporal.
OLHA, VÊ Analisando os seus ensaios (antigos), e agora, apenas o título, acredito que você está sempre ligado com a sua intimidade e algum tipo de descoberta mais profunda. Estou certo?
RODRIGO BRAGA De fato, em meu processo, já existe uma costumeira prática de expurgar e produzir imagens a partir de um universo quase sempre muito particular e até mesmo psicológico (como em trabalhos anteriores: Fantasia de compensação, Comunhão etc). Contudo, nessa nova produção, me proponho a provocar certa entropia em meu próprio processo de criação, no sentido de instaurar procedimentos até então novos na minha dinâmica de trabalho. Embora esteja em condição de isolamento, também busco uma alteridade junto à paisagem. Uma tentativa de me identificar naquilo que está ao meu redor e, também, perceber como esse entorno reverbera em mim.
Como nordestino, bem sei sobre as características peculiares da região tantas vezes representada pela rica cultura popular e tão relatada e amalgamada por alguns autores. Também sou consciente da farta representação pictórica e fotográfica existente sobre o nordeste. No entanto, almejando despojar-me desses estereótipos (construídos, ao longo dos últimos séculos, acerca da relação homem-sertão), buscarei me valer da percepção aguçada diante de um ambiente por mim ainda pouco vivenciado, para remontar, através da experiência direta com a crueza natural, a arquétipos e experiências menos culturalmente delineadas. Vislumbro estabelecer, através da imagem, uma relação mais espacial e sensorial do que cultural.
OLHA, VÊ Gostaria de saber sobre técnica fotográfica/produção. Como você irá realizar as fotos? E qual o resultado final planejado?
RODRIGO BRAGA Como praticamente já iniciei minha produção fotográfica da “era digital” e com essa linguagem estou mais habituado, produzirei meus trabalhos com uma câmera digital de alta resolução. A luz certamente será natural, explorando suas possibilidades durante diferentes horas do dia e da noite. Embora o prêmio-bolsa que recebi não pressuponha uma exposição – já que é um incentivo à pesquisa e à criação – pretendo montar um projeto de exposição a ser pleiteado ao fim da prática. O resultado possivelmente será ampliado em papel em dimensões de médias a grandes, como venho fazendo. Contudo o que definirá a escolha do suporte, o formato e o mecanismo de apresentação será a característica e a abordagem de cada imagem.
Pureza de tempo espaço para criar.
Um previlegio que todo artista como tu merece!
Parabens ao Rodrigo e a Funarte.