Na troca de e-mails com Caio Guatelli, para montar o post Ronaldo é preto e branco, surgiu um papo sobre o post Muito Photoshop? Caio deu a sua opinião e falei que seria bem vinda nos comentários. Caio enviou a sua opinião para eu ler e, na realidade, não é um mero comentário. É um artigo. Bem, pedi autorização para virar um artigo/post. Aqui está:
Raw – Suporte para profissional
Caio Guatelli
Até onde se pode mexer num original fotográfico?
A história da fotografia nos mostra que entre os mais destacados fotógrafos que trabalharam com filmes monocromáticos, a maioria optou por processar suas fotografias com detalhados controles de contraste no momento da revelação e da ampliação. Os limites de manipulação variam de acordo com o meio de atuação de cada fotógrafo. Entre os meios que mais limitam a alteração do original estão o jornalismo e o documentarismo. E por mais estranho que isso possa parecer, é justamente nesses campos onde encontramos verdadeiros mestres do tratamento fotográfico.
Desde que a fotografia colorida dominou o cenário editorial os magníficos efeitos das ferramentas de laboratório preto e branco, como o “dodge and burn”, perderam grande parte de suas funções ou a tiveram minimizadas. Uma das razões é o fato que ajustes de densidade e contraste em originais coloridos resultam em alteração da cromia e da definição, na maioria das vezes para um sentido que degrada a plástica da imagem.
Hoje em dia, 148 anos após a primeira fotografia colorida ser registrada, vivemos um momento singular. Uma era onde a tecnologia possibilitou que as ferramentas do laboratório preto e branco fossem adaptadas ao laboratório colorido digital, possibilitando tantos ajustes na cor que finalmente conseguimos queimar e clarear (“dodge and burn”) tanto quanto se fazia e se faz na imagem monocromática.
Com o avanço do suporte digital RAW, desenvolvimento de softwares mais precisos como o Photoshop CS4 e a ousadia e técnica apurada de alguns fotógrafos, as condições limitantes da imagem colorida foram diminuídas.
Recentemente o dinamarquês Klavs Bo Christensen foi eliminado da final de um concurso só porque suas fotografias coloridas tinham excesso de “dodge and burn”. O que eu vejo nas fotos do Klavs Bo Christensen é um trabalho meticuloso de controle tonal, exatamente como fazia Ansel Adams com seus papéis ordinários e como faz Sebastião Salgado com seus papéis ortocromáticos, além de tantos outros nomes que fizeram sucesso na fotografia monocromática. Porém o Klavs faz em cor, adicionando o controle de saturação de cor ao tradicional e consagrado “dodge and burn”.
Se no jornalismo e no documentarismo isso pode ou não pode… Acredito que pode, afinal o ícone Sebastião Salgado fez demasiadamente e ele é quem é. O Doutor das Artes Ansel Adams fazia no seu documentarismo e foi quem foi.
É um novo passo na fotografia, causa polêmica mesmo. Muitos trabalhos do World Press desse ano tinham esse tipo de tratamento, a maioria optou em dessaturar as cores, o Klavs inovou, saturou.
Eu acho que nosso olho vê coisas que a fotografia não vê, só isso já me dá a sensação que a fotografia não é o retrato da realidade. Se causarmos o contrário, fazer a fotografia mostrar coisas que nosso olho não vê, a distancia entre a realidade que enxergamos e a realidade impressa em papel vai continuar com o mesma medida, só que no sentido oposto.
Desde que não se altere a cena no ato do clique, e não haja montagem de elementos superpostos na pós produção, aquela fotografia pode ser considerada documental. A questão da luminosidade faz parte da arte. Essa é minha opinião, e não terei problemas em mudá-la se alguém me convencer do contrário.
Qual é a sua opinião?
Excelente Caio, é isso.
Já postei em fóruns de fotografia que a foto é a que o fotógrafo vê na sua mente, o que não significa necessáriamente e exatamente o que a câmera capturou. Portanto, se a pós-produção é exagerada ou tímida, harmoniosa ou não, de qualidade ou medíocre, é o que ele quer mostrar e a nós outros cabe gostar ou não. O que os programas de edição digital fazem é baseado no que era feito anteriormente nos laboratórios químicos, e no entanto, ninguém questionava de forma tão agressiva como se vê hoje em relação as fotos digitais.
Parabéns pelo artigo.
Perfeito Caio,
falo isso para os meus alunos e em palestras para estudantes de jornalismo que tem um pensamento purista sobre a fotografia.
Para uma geração que não conheceu o filme e o laboratório é fácil criticar o tratamento de imagem.
Mas eles não sabem que muitas fotos que eles adoram passam pro processos de “tratamento” analógico, podemos assim dizer, e que sem eles talvez as imagems nem chamassem sua atenção. É pessoal, é a geração digital que esquece a história da fotografia e acha que não precisa dela pra nada.
abs e parabéns pelo artigo
Sensacional o artigo do Caio. A desclassificação do Klaus Bo Christensen não tem sentido, pois não houve alteração nos elementos da cena, nem no momento da produção nem da pós-produção, a não ser em relação à luz e à saturação.
Como não reconhecer a importância das modificações que enriquecem as imagens com o uso do photoshop? Na fotografia analógica o “dodge and burn” das ampliações em “preto e branco” eram realizados com máscaras no momento da ampliação. E o que dizer das alterações obtidas pelo uso de papéis especiais, com contrastes diferenciados?. Na fotografia analógica colorida podemos lembrar do processo cruzado: filme slide revelado com o processo C41. E a utilização dos filtros? Passos estéticos que não nasceram com o digital. Na realidade os programas de tratamento de imagens trazem mais possibilidades estéticas para a fotografia .
E convenhamos, existem várias realidades e inúmeras formas de representá-las. A inscrição da subjetividade na imagem faz parte do processo criativo. E com certeza as fotos de Klaus Bo Chistensen trazem um acréscimo na estética e não uma alteração da ética.
abraços, Roberta
Sensacional o texto do Caio.
Talvez quem teve mais vivência em laboratório PB tem melhores condições de explicar esses limites entre ”dodge and burn”.
O problema não é a tecnologia em si, mas sim como as pessoas pensam ela.
Abraços
É por ai mesmo Caio, se considerarmos alguns daguerreotipos, cianotipos e outros “tipos”
Obrigado a todos pelas questões levantadas e pelos elogios oferecidos.
Clício e Juan, meus caros mestres, obrigado pela atenção. Juan, você tem razão, algo estranho nesse dado. 48 anos é pouco mais que um terço da história da fotografia colorida. Faltou digitar a primeira centena; 148 anos é o correto. Certo?
Caros Fernando e Acauã, sobre a questão da nomenclatura usada para se expressar as modificações na fotografia, eu não conheço nenhuma convenção para isso. Os termos tratar, editar e manipular se confundem bastante. A minha opinião é que enquanto uma convenção não for criada, e sempre que houver uma dúvida quanto à colagem, montagem ou subtração o melhor a fazer é usar as próprias palavras colagem, montagem e subtração para esclarecer o assunto.
Saudações!
Caio Guatelli
Pesquisando e convesando com amigos, surgiu uma discussão sobre o “edição” devido a muitos utilizarem “edição” com o mesmo significado de “tratamento”, veja o Michaelis:
edição
e.di.ção
E. de imagem, Inform: alteração ou ajuste de uma imagem (corte, colagem, retoque, alteração de cores) por meio de um pacote de pintura ou programa especial de edição de imagens.
Pergunta: Esta nomeclatura que você cita é comum entre todos? E os demais aqui, utilizam esta mesma nomeclatura? Classificando o edição como “seleção”?
Abraços.
Acauã, perfeita colocação.
Obrigado pela correção!
Grande Caio! Certíssimo! Não podemos confundir manipulação de informação com manipulação da fotografia!
Se não, onde iam parar o Salgado, Eugene Smith, Kratochvil, Nachtwey e por ai vai…
O que vc quer dizer com 48 anos após a primeira fotografia colorida ser registrada?
abraços
Juan
Fernando Gonzaga, isso depende da finalidade do photoshop. E é bom deixar sempre claro a nomeclatura correta, o uso errado dos termos gera muita confusão com o tema que por sí já é tão polémico.
Edição: escolha das fotos
Tratamento: ajuste das fotos (com aquilo que a foto te proporciona)
Manipulação: alteração das fotos (seja por adição, subtração ou distorção dos elementos)
Edição é sempre imprescindível. Tratamento também! (Seus limites é o que se debate hoje)
E a manipulação depende da finalidade, correção de perspectiva no fotojornalismo por exemplo não é nenhum crime.
Bem polêmico esse assunto! Sou um daqueles fotógrafos que como o Amauri descreveu “exatamente os que não sabem usar de forma adequada estas novas ferramentas” e até por isso, critico a forma como é utilizado o Photoshop hoje em dia, mas me divido, pois não nego que sou fã de HDR e de recursos que redimem problemas gerados por meu equipamento, como o ruído, e ferramentas de ajuste, como o photoshop ou o ligthroom, permitem que eu utilize na fotografia a linguagem que eu quero para transmitir minha “intenção” na foto. Phillippe Dubois menciona bem no livro “O ato fotográfico”, que a fotografia num é o real e sim o índice de um recorte da realidade, e portanto é o que o fotografo quer mostrar. Mas até que ponto há um fotógrafo e quando começa o “tratador”? Se é que fotografo e “tratador” tem que ter divisão, mas é que eu me enquadro melhor na primeira posição, pelo menos por enquanto. É. A fotografia mudou de fato e esses elementos de tratamento alteraram as técnicas de captura com a presença do arquivo raw. Não acredito em um certo ou errado, mas acho que muita gente que tem bom olho para foto acabou ficando pra trás por não se adaptar aos novos recursos.
Por favor não quero polemizar, só expresso minha visão, que considero válida por ser diferente.
Acho que esse é o caminho certo, não criar um preconceito sobre as mudanças e conversar bastante sobre o assunto!
Ótima discussão!
Abraços a todos.
Realmente existe um longo e tortuoso caminho a se trilhar entre o registro propriamente dito ou o click e a fotografia final ou impressa. E não ha nada de novo nisso, este lapso de tempo é destinado aos inúmeros processo que esta foto vai sofrer até se transformar em uma bela fotografia.
Não seria isso (guardando suas devidas proporções um modo de manipulação mais poético e menos democrático?) afinal manipulamos nossas fotografias desde que a foto foi inventada…com papeies especiais, químicos em proporção diferentes a recomendada pelos fabricantes e pouca ou muita luz. Talvez a diferença seja a falta do Ctrl Z pois na época se uma etapa qualquer desse errada se teria de voltar ao inicio do processo.
Com a democratização digital e não da Maquina Digital, que isso fique bem claro, o mundo da fotografia sofreu uma enorme transformação (digo isso porque não foi a maquina digital que mudou a poesia fotografica, mas o universo digital com seus Fotologs, Flick´s, Blogs e tantos outros meios digitais de se mostrar ao mundo o seu trabalho seja ele uma obra de arte ou um verdadeiro lixo) modo de ver e registrar as coisas que acontecem ao seu redor se banalizou em forma de arquivo.
Os programas de edição ajudam muito no resultado final porem não tem como transformar um lixo em arte ( a não ser que seja transformada em um grafismo ou registro abstrato ) mas tem como transformar uma foto boa em uma foto excelente ou excepcional com seus controles tonais, curva de cores, controle de sombras, efeitos de desfoque e tantos outros, sempre digo que não existe foto que não mereça ser tratada. E vou além não temos como determinar todos os tratamentos sofridos por determinada foto sejam eles quais forem. Um bom HDR valoriza e muito uma fotografia de arquitetura, uma correção nos níveis vai dar um maior impacto em uma foto publicitária e daí por diante.
Converso com muitos fotógrafos dos mais variados níveis de conhecimento e na grande maioria das vezes os que mais criticam são exatamente os que não sabem usar de forma adequada estas novas ferramentas, que se pegam na outra extremidade da questão que são os que utilizam de forma inadequada estas ferramentas com tratamentos totalmente inadequados seja por falta de critérios técnicos ou por falta de critérios estéticos.
Não tenho nenhuma foto que não sofra tratamento. E quero ver uma que não fique melhor após algum tipo de edição.
E tenho dito.
Desculpem os erros de gramaticais e de pontuação mas fiz no corre corre.
Artigo preciso. Falou tudo. Faço parte do Grupo Luminous de Fotografia e por ali tive o prazer de ouvir grandes fotografos, criticos e historiadores. Aprendo sempre mas tomo cuidade quando “os mais velhos” falam coisas como “no meu tempo não havia photoshop”, bem mas pelo que eu saiba tratamento de imagem sempre foi feito e cada um a sua maneira. Amauri, fotografo da Bahia, presidente de fotoclube por la me disse um dia; “Márcio a foto começa no click e termina no tratamento da imagem no computador”. É isso. Eu mesmo faço ensaios com diferentes linguagens e algumas bem saturadas. Ou vamos falar todos a mesma lingua e fazer tudo igual? Isso não, e eu percebo que muita coisa mudou. Hoje um bom fotógrafo pode produzir muito mais pois tem ferramentas para isso, e estas ferramentas mudam tudo desde o olhar, até o produto final. Acreditem se quiser mas a digital veio para somar, ampliar e claro mudar muita coisa. Só o fotografo pode determinar ate onde ir com suas tecnicas, os outros podem gostar ou não, mas limitar e querer padronizar é um horror.
Abraços.
Excelente artigo, Caio. Apesar de não fotografar profissionalmente, esse tipo de discussão sempre aparece nas rodas informais e em discussões mais sérias na Internet – e eu nunca firmei uma posição. Estou propenso a concordar contigo – mas, como bem disseste, é um mundo novo e com bons argumentos mudo de lado.
Grande abraço!
Caio parabéns pelas idéias e pelos exemplos.
A fotografia pertence ao fotógrafo e ele determinar como ela deve ser feita e manipulada. Não é uma busca pelo novo ou de querer inventar a roda, refletir como as imagens serão feitas é um exercício de pensar a fotografia de maneira crítica e construtiva.
Um amigo meu diz que edição de photoshop deve ser usado como uma maquiagem, serve para valorizar algo que está lá e deve ser distacado, não é uma cirurgia plástica.
Concordo com ele.
E X C E L E N T E post, Caio!
Exatamente como eu penso, e muito bem colocado.
Vindo de um fotojornalista talentoso e conhecido como você, acaba me dando um certo alívio ao ver que não estou tão doido assim!
Alexandre, obrigado por nos possibilitar tanta reflexão boa!
Abraços aos dois,
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