O Olhavê inicia uma nova seção que se chama “A foto que eu queria ter feito”. Começamos com o curador e crítico de fotografia Eder Chiodetto.
Farei a foto que eu queria ter feito!
Por Eder Chiodetto.
A foto que eu queria de ter feito é essa de autor desconhecido, da minha mãe pelada!
Não, nenhuma questão freudiana mal resolvida além daquelas que todos temos e sabemos por força e obra de Nelson Rodrigues. A questão aqui é que essa foto me ensinou a noção de tempo quando eu ainda era criança. Tão criança que era inconcebível acreditar que minha mãe um dia tinha sido pequena e frágil como eu, como uma criança. Mães e pais parecem que já nascem adultos, fortes, inabaláveis. É bem verdade que, por ironia, quando a gente acredita que virou adulto, eles começam a virar crianças novamente… Mas o fato é que olhar nossos pais crianças é um paradoxo temporal, uma vertigem, um desconforto.
Eu gostaria de ter feito essa foto porque a acho belíssima no seu campo focal reduzido, no olhar expressivo além da conta para a idade, no desenho do corpo contornando a cor do fundo, na pose arrojada e com ares pedófilos para a moralidade tola de hoje, mas apenas bela e ingênua em 1936! Minha mãe fará 73 anos essa semana. O tempo gira, a vida se desenrola em espirais… Hoje vejo minha mãe como uma criança. E eu sou um pouco pai. Astúcias do tempo! A gente a pensar que a vida se desenvolve linear e de repente vem uma fotografia mostrar que passado e futuro não existem. E se existem tem equivalências inconcebíveis! Portanto, eu acho que ainda vou fazer essa foto. Pois, pensem comigo: se a Juju foi criança, como a fotografia me mostra, antes de eu existir, agora que ela está voltando a ser criança, como acontece inevitavelmente na “melhor idade”, e isso fatalmente acontecerá comigo também, daqui alguns anos ela será de novo esse lindo bebê e eu serei, retroativamente, um fotógrafo iniciante, desconhecido. E farei a foto!
EDER, SUAS PALAVRAS FORAM FUNDO…
ME LEMBREI DO FILME BENJAMIM BUTTON, QUE TANTO ME EMOCIONOU. É INCRÍVEL MESMO A GENTE PARAR DIANTE DE UMA FOTO E DIVAGAR SOBRE O TEMPO QUE PASSA E O QUANTO NOS DIZ SOBRE A FUGACIDADE DA VIDA E DA NOSSA “FRAGILIDADE”, POIS NASCEMOS CRIANÇA E MORREMOS CRIANÇA NA MAIORIA DAS VEZES. VOCÊ COM CERTEZA CONSEGUIU FAZER COM QUE VIAJÁSSEMOS ATRAVÉS DO SEU BELO RELATO. ADOREI!
Oi Eder, tudo bom?
Parece que de fato, como comentou o Pio, a foto já ‘foi feita’.
Seu relato me fez pensar numa passagem de um livro do Mia Couto que diz “O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós, a casa mora”. As imagens que ‘vivem’ dentro de nós são fotografias que realizamos, não importando se tornam-se ‘objeto’.
Bj, Lívia
que texto lindo!
só isso
Oi Eder,
Farei a foto que eu queria ter feito é a foto feita.
No título, vc refaz a foto, não é?
Vc significa ela. Que não é mais de um bebê que fora sua mãe, mas é a sua mãe. O olhar é o mesmo. E quando vejo a foto do bebê, remonto a imagem de uma mulhar alta e de cabelo escuro.
Essa foto foi e é. E continuará sendo e tendo sido.
Faremos sempre a foto que queríamos ter feito.
Sempre que lembrarmos dela, pois de uma lembrança se refaz.
Obrigado por essa foto, pela ideia para o meu dia de hoje!
bjs.
belém tu só tem idéia massa!
choray :*
Esse texto me fez lembrar umas anotações que fiz de um livro que um amigo emprestou 😀
“Dando-me o passado absoluto da pose (aoristo), a fotografia diz-me a morte no futuro. O que me fere é a descoberta dessa equivalência. Diante da foto da minha mãe criança, digo para mim mesmo: ela vai morrer.Há sempre nela [na fotografia histórica] um esmagamento do tempo; isto está morto e isto vai morrer.”
– Roland Barthes em “A Câmara Clara”, p. 107.
.Massa!
.Isso aqui é bom demais Alexandre! Sucesso!
Interessante. É aquela foto que ‘eu gostaria de ter feito’ em que realmente não havia a possibilidade do fotografo estar presente em nenhuma hipótese. Pretendo conhecer o Eder pessoalmente em Abril de 2010 (Workshop do FestFotoPoA 2010). E já te agenda aí para fazer a cobertura do evento. 🙂