Na comodidade de sua casa, trabalho ou universidade, apenas com a ajuda de um computador e da web, podemos nos deleitar com uma das mais conceituadas revistas acadêmicas do país: a Revista Studium.
Revista que traz reflexões nos estudos sobre a fotografia no Brasil, a Studium – que é vinculada ao Programa de Pós Graduação em Artes, do Instituto de Artes da Unicamp – é editada pelo professor Fernando de Tacca.
No começo da semana, Tacca distribuiu um e-mail falando que a Studium não foi julgada com pertencimento na área de Artes na nova classificação do WebQualis/CNPq.
Para entendermos o que isso poderá afetar na realização da Studium, Georgia Quintas entrevistou o professor Tacca.
GEORGIA QUINTAS O que significa a classificação Qualis?
FERNANDO DE TACCA A classificação Qualis é uma forma das diversas áreas do conhecimento valorizar os periódicos de acordo com determinadas regras a partir da CAPES, e vale dizer que as regras mudaram em 2009 e como editor não fui informado, ou seja, a revista Studium era Qualis Nacional A em Artes, e de repente some nas novas regras. E ainda vale lembrar a esquizofrenia das entidades federais, pois enquanto a Studium foi contemplada no final de 2008 pelo Edital MCT/CNPq-MEC/CAPES nº 58/2008 – Editoração e Publicação de Periódicos Científicos Brasileiros, e desta forma reconhecida meritamente perante todo o campo acadêmico, e são raras os periódicos da área de Artes a receber essa distinção, e quando exatamente estamos com a Studium 28 contemplada no ar, vou até o site Webqualis e verifico que não fomos reconhecidos como pertencimento ao campo das Artes. Outras áreas como Antropologia, História, Filosofia, Interdisciplinar e Ciências Sociais Aplicadas, nos avaliaram, discordo das avaliações, mas ao menos nos deram existência.
GEORGIA QUINTAS Quais as consequências da não classificação da Studium como Qualis Nacional A?
FERNANDO DE TACCA A não classificação pode prejudicar, pois no momento entramos com novo projeto do edital de periódicos do CNPq, e como a Fotografia é subitem da área de Artes, poderemos ter um julgamento enviesado e distorcido pela falta da classificação.
GEORGIA QUINTAS Qual a importância para uma revista acadêmica em ter o Qualis?
FERNANDO DE TACCA Estar no Qualis significa uma forma de indexação acadêmica, ou seja, uma existência e uma visibilidade entre os pares acadêmicos. Ao mesmo tempo, uma boa classificação pode ajudar em projetos enviados para agências de financiamento, como o CNPq, a FAPESP, entre outras.
GEORGIA QUINTAS Por que ainda há esta anacrônica percepção de não-inserção da linguagem fotográfica no campo epistêmico das Artes?
FERNANDO DE TACCA Veja essa questão totalmente superada pela dinâmica histórica da fotografia no campo das artes no mundo. A inserção da fotografia no universo artístico se deu em três momentos importantes:
– primeiro, com superação do pictorialismo, que podemos perceber no final do movimento Photo Secession e as últimas edições da revista Camera Work (editada por Alfred Stieglitz) em 1916/17 com as fotografias de Paul Strand, e lembrando o diálogo propiciado pelo encontro amplo das vanguardas européias com esse forte movimento fotográfico, no qual Picasso, Braque, Rodin, entre outros, estiveram nas chamadas Little Galleries 291, e também pela passagem de Duchamp por Nova Iorque.
– segundo, como parte do próprio fluxo da fotografia norte-americana, podemos citar a inserção da fotografia no MOMA/NY, pelas mãos de Beaumont Newhall, e pelo diálogo que ele manteve na construção do Departamento de Fotografia, principalmente com Ansel Adams e Alfred Stieglitz.
– terceiro, pela inserção dialógica da fotografia nas vanguardas do século XX
Os hibridismos do fotográfico remetem às suas origens, quando uma plasticidade da gravura está presente das imagens de Niepce, ou ainda do desenho nas primeiras imagens de Talbot, e mais ainda na polissemia de Bayard. Hibridismos e intertextualidades do fotográfico com o campo das artes também estão presentes nas interferências nas imagens fotográficas por Rodin ou por Picasso (em fotos de Brassaï).
Entretanto, algumas anacronias estarão presentes durante o século XX, entre elas o debate sobre a superação do pictorialismo pelo Foto Cine Clube Bandeirantes, ocorrido somente no final dos anos quarenta no Brasil, mas de qualquer forma criando uma entrada para a fotografia moderna no que se chamou de Escola Paulista.
Poderíamos ainda citar outros exemplos e no campo bibliográfico podemos citar dois livros mais recentes que colocam essa questão de modo mais amplo: La photographie: Entre document et art contemporain, de André Rouille (recentemente traduzido pela Editora do Senac), e “Por que as artes e as comunicações estão convergindo”, de Lúcia Santaella (Ed. Paulos: São Paulo, 2005), são exemplos de teóricos importantes que localizam a fotografia contemporânea como lugar de fronteiras muitos alargadas e expandidas no diálogo com as artes em geral.
GEORGIA QUINTAS A Studium já se configura como plataforma virtual de referência acadêmica através das diversas perspectivas da linguagem visual em seus artigos, que passam por significativo Conselho, o qual prioriza a excelência de tais textos. O que pensarmos disso tudo diante desta negativa?
FERNANDO DE TACCA Na verdade, vejo como um grande equívoco em não alinhar a revista Studium no campo do conhecimento das Artes. Como editor não recebi nenhuma justificativa da comissão que elaborou o Webqualis, ou seja, somente posso pensar que não conseguiram entender a ampla interdisciplinaridade dos estudos do fotográfico que a Studium propicia em suas edições ao trazer o fotográfico para o campo das discussões estéticas e priorizando as artes.
Ao não perceber a importância e a legitimidade alcançada em dez anos de existência com periodicidade na WEB da revista Studium, houve, a meu ver, um desrespeito ao trabalho desenvolvido com muitas dificuldades, pouco financiamento, mas com amplo apoio da rede de pesquisadores dos estudos fotográficos, e com um campo extencional que chega aos fotógrafos, aos estudantes e aos apaixonados pela fotografia. A Studium publicou artigos da ampla maioria dos pesquisadores no Brasil, com muitas contribuições internacionais, com capas de artistas internacionais, e com uma proposta inovadora de design para periódicos acadêmicos, criando um lugar de sedução pela diferenciação de navegabilidade cada edição. Na nova edição, que entra no ar na semana que vem, iremos focar o fotográfico no cinema, e teremos citações de trechos de filmes, algo que nunca poderia acontecer na lógica dominante dos periódicos on line, uma lógica contaminada pela linearidade impressa. E posso anunciar que iremos colocar no ar na íntegra um fotofilme referencial: “Abeladormecida: entrada em uma só sombra”, direção de Marcelo Tassara (Brasil, 1978, 14 minutos), com a devida autorização do autor.
A contra mão pode ser bem interessante!
Fernando:
A clareza e a concisão de suas respostas contrariam aquilo que deveria ser um dos focos da universidade brasileira. Isso ameaça os incautos.
O selo Qualis é muito importante e é uma pena que publicações sérias e reconhecidas no meio acadêmico como a Studium são desconsideradas por aqueles que determinam o conceito de Qualidade Acadêmica em nosso país (infelizmente com letra minúscula).
Reitero minha colaboração para reverter esta situação que se aproxima à ditadura, como muito bem escreveu o brilhante Ronaldo Entler. Quais as razões para estas medidas?
Fernando, não tenho dúvida que a sua produção, de extrema importância, independe de qualquer qualificaçãp seja por quem for. Continuo a ler Studium,agora, amanhã, sempre que existir! Não há a menor dúvida! E, livros como o brilhante ” Imagens do Sagrado” , sempre serão referências, fonte de consulta e um grande prazer de leitura!!
Acredito que a studium está, finalmente, a um passo de superar discussões saturadas. Justamente agora…
Todo mundo que trabalha com educação sabe da importância de avaliar, e todo mundo que avalia sabe o poder que tem nas mãos. É aí que a gente reconhece duas situações muito distintas na educação: há os que aceitam a responsabilidade de avaliar como parte de sua responsabilidade de educador; há os que suportam o fardo de educar como forma de garantir o poder da avaliação.
É fácil saber quem está de um lado e quem está de outro. Para o educador, o mais importante manifestar as razões que guiam o julgamento, porque estas conduzem a um aprendizado. Para aquele que visa o poder, o veredito é o que importa. Nada define melhor uma ditadura do que a supremacia do veredito sobre o julgamento.
Neste caso, é fácil saber o que aconteceu.
Flavio, vai passando o mouse sobre a capa. Próximo ao olho vais ver que o ponteiro se transforma em uma ‘mãozinha’. É o momento de clicar. De qualquer forma, acho que o acesso poderia ser um pouco mais visível.
O esforço para realizar esta publicação é grande. Fernando, sabemos que é realmente uma empreitada, ainda mais neste meio que responde a tantas burocracias e relatorios sem fim.
Perder o reconhecimento oficial da Studium como uma publicação academica é um retrocesso para os inumeros pesquisadores do país que permanecem anonimos muitas vezes já que não temos ainda uma grande tradição no mercado editorial.
Recentemente o Ronaldo Entler comentou isso no Icônica, inúmeras pesquisas interessantes que são lidas apenas pelos professores das bancas. Na Studium podemos ter acesso a algumas delas e com isso compartilhar idéias.
Mais uma vez des(Qualis)fica-se a educação e a pesquisa. Uma pena.
Vida longa e ascendente!
Muito desanimador ver qualquer tipo de falta de reconhecimento a um projeto desse naipe. Tantos bons e importantes assuntos discutidos. Resgates históricos e questões contemporâneas. Muitos bons pesquisadores contribuindo.
Existe uma idéia de abaixo-assinado circulando em fóruns específicos. Bom que esse debate tenha saído do cículo acadêmico pois percebo que as fronteiras da Studium abraçam muito mais gente.
A comunidade acadêmica fotográfica já está se organizando contra isso? Um absurdo desses não pode passar despercebido…
PS: Flavio, sua imaginação precisa ser boa o suficiente apenas para te fazer clicar na fotografia, sobre o olho.
Caro Fernando,
vida longa a Studium!
Uma das mais importantes fontes de pensamento para fotografia da gente:
Arlindo Machado, Ronaldo Entler, Claudia Linhares Sanz, Ana Farache, Professor Mauro Koury, Etienne Saimain, Helouíse Costa, Ricardo Mendes, Isabel Florêncio(quando escreveu Boltanski), etc. Tanta coisa bacana. 28 vezes.
Uma “brincadeira” é voltar em edições antigas e relê-las. Até porque os artigos daqui jogam a gente para uma outra temporalidade de informações, algo intermitente. Esse antigo, a que me refiro, vai sendo atual no momento que relemos.
Vocês fazem a cada edição um patrimônio de reflexões. E ajuda que só quem tá daqui tentando entender e produzir fotografia.
Abraços fraternos e solidários ao seu grande trabalho.
para se deleitar com a revista Studium, além de computador e web é preciso ter bastante imaginação, porque não tem nada no site. alguém consegue visualizar a revista de alguma forma por ali? eu só vejo a capa, conforme a imagem no post, mas não tem link pra nada.