Foto: Wynn Bullock (2007)
“Aqui esta palavra [apercepção] que representa um conceito, uma faculdade natural que todos podemos desenvolver a percepção do espaço, tal como podemos desenvolver a percepção do tempo, porque o tempo não é outra coisa que o espaço mutante (…). Porém se uma pessoa desenvolve um sentido do tempo, como o concebi para a fotografia, desenvolve sua percepção dos elementos espaciais, desenvolve um sentido do tempo que se integra com os fatos que o marcam e que apenas podem ser marcados pelo espaço que se modifica. É sobre a relação destas coisas que alguém desenvolve um sentido. E ninguém está ensinando! Em outras palavras, não estão mostrando aos fotógrafos como desenvolver seus próprios poderes”
Wynn Bullock, 1975
O fotógrafo americano Wynn Bullock (1902- 1975), apesar de pouco conhecido em relação aos seus colegas contemporâneos, teve um olhar único sobre temas como nudez e paisagem. Além da acuidade visual em sua estética, Bullock era inquieto a respeito dos eixos filosóficos e aperceptivos (termo bastante discutido por ele) que ligam o olho, a mente e o fotografar. Pensava que as realidades – as quais se colocam para a ordem do visual – tinham de ser discutidas, ensinadas e sobretudo pensadas. Dizia que os fotógrafos deveriam se ocupar da crítica dos “transconceitos” para não serem, inconscientemente, governados por eles.
No entanto, outro aspecto importante é a indignação de Wynn Bullock ao declarar que é preciso ensinar, mostrar a problemática do suplantar as coisas postas. O ensino é a ferramenta necessária para que as referências sejam alinhavadas ao sentido da criação e da investigação. Refletir sobre o trabalho fotográfico não só agrega conceitos como pode criá-los. Em sala de aula, é o momento de ver, rever, de tentar, errar e seguir buscando algo.
Por Georgia Quintas.
Eu não entendi a verborragia revoltosa contra a academia e a semiótica, Rui. Suas fotos são muito boas e todas bem enunciadas, cheias de legendas implícitas, ou seja, se tem discruso tem semiótica. Seus discursos são muito bem CONSTRUÍDOS, bem PENSADOS. E ainda que espontâneo, em seu trabalho eles não são vãos. Você pode não gostar, mas seu trabalho expressa isso. Então, como disse, não entendi a revolta contra o discurso e sua análise.
E, conforme entendi, você só ratificou o que os “Ivãns” disseram (ou tentaram). Tem de dar atenção a todos os momentos da foto, desde o pensar em fazê-la, não deixando tudo como se fosse obra do acaso, da espontaneidade do fotógrafo, do talentoso dom divino.
Acho triste essa divisão dentro da arte fotográfica, quando na verdade todos deveriam estar do mesmo lado. Acadêmicos, praticantes, críticos, amadores, profissionais, galeristas, artistas, tudo reunido pela arte, pela profissão, pela paixão.
E esses espaços “democráticos” deveiam servir para trocarmos nossas experiências, práticas ou teóricas, conhecer os trabalhos, analisar os discursos, ao invés de revoltas e retóricas vazias.
Apesar de tudo, que bom que estamos aqui.
Abçs.
Opa, cometi um engano. O post é do Georgia Quintas. Então, corrigindo, obrigado pelo post Georgia. 🙂
Olá,
Sou novo na área e aos poucos tento entender o que é fotografia e principalmente a sua relação com o conceito espaço x tempo, uma coisa que sempre tive dificuldade. Mas o pequeno trecho do Wynn Bullock que foi citada no post “porém se uma pessoa desenvolve um sentido do tempo, como o concebi para a fotografia, desenvolve sua percepção dos elementos espaciais, desenvolve um sentido do tempo que se integra com os fatos que o marcam e que apenas podem ser marcados pelo espaço que se modifica. É sobre a relação destas coisas que alguém desenvolve um sentido” fez muito sentido para mim e sei que compreendo isto poderei desenvolver melhor o meu trabalho.
Obrigado pelo post Alexandre!
Abraços!
Meu caro Rui,
E que bom que podemos comentar alguma coisa, seja este triste ou lindo. O importante é que seja feito para dialogar, demonstrar pensamentos e assim poderemos dizer do ensino e da academia de uma forma mais honesta… se não há trocas não há saber. Fernando Pessoa diz assim: “ Colaborar, ligar-se, agir com outros, é um impulso metafisicamente mórbido. A alma que é dada ao indivíduo, não deve ser emprestada às suas relações com os outros. O fato divino de existir não deve ser entregue ao fato satânico de coexistir. Ao agir com outros perco, ao menos, uma coisa – que é agir só. Quando me entrego, embora pareça que me expando, limito-me. Conviver é morrer. Para mim, só a minha autoconsciência é real; os outros são fenômenos incertos nessa consciência, e a que seria mórbido emprestar uma realidade muito verdadeira. A criança, que quer por força fazer a sua vontade, data de mais perto de Deus, porque quer existir. A nossa vida de adultos reduz-se a dar esmola aos outros. Vivemos todos de esmola alheia. Desperdiçamos a nossa personalidade em orgias de coexistência. Cada palavra falada nos trai. A única comunicação tolerável é a palavra escrita, porque não é uma pedra em uma ponte entre almas, mas um raio de uma luz entre astros…”. Quando disse que Picasso era a própria semiótica referi-me ao fato da não nomeação. A semiótica existe muito antes de Picasso, ela apenas não era reconhecida de fato enquanto ciência. Picasso “não” pensava em semiótica, mas ele vivia… Ela esta presente nas coisas das nossas mentes. E quando as coisas estão na gente a sensibilidade nos impulsiona para o além da ou com a academia. Creio que não estamos aqui para se perder na proclamação a favor ou contra a academia, não é isso, esta tudo em nós mesmos, basta saber como potencializar isso. Esqueçamos por pouco os nomes, vamos caminhar por aí… Este post é realmente bonito e muito mais bonito é estar aberto ao outro.
Abraço
Caros,
Wynn Bullock coloca com muita ponderação a relevância de se pensar sobre o fazer fotográfico. Refletia, da mesma maneira que possuía refinada técnica. Não vejo distinção quanto à importância que exercem para a fotografia: fotógrafos, teóricos, filósofos, antropólogos, sociólogos, entre tantas outras áreas que trabalham (e muito também!) com a imagem fotográfica. Inclusive a semiótica.
Tenho o mesmo interesse em ver a fotografia, como analisá-la, estudá-la. Sou acadêmica, para quem não me conhece. E na sala de aula, é maravilhoso ver os alunos discutindo sobre a fotografia. Isso não quer dizer que no momento de fotografar, se pare tudo para pensar em esquemas ou referências. Trata-se de construção do conhecimento, cultura e informação.
Vejam como são as coisas, já fiz uma oficina de Rui Mendes, na década de 90 (eu e Alexandre). Além da impressionante técnica e capacidade de Rui Mendes elaborar cenários e atmosferas para alguns de seus trabalhos, ele fazia colocações maravilhosas e reflexões com base em repertório estético e cultura pop. Não era nada de semiótica. Todos temos papéis. Não se trata de demagogia de professora. Creio que a sala de aula é um espaço para ensinar tudo isso sim.
Depois, cada um segue trabalhando, pondo em prática ou não o que foi ensinado. Cada um sabe o que significa a fotografia para si. Muito bom tê-los por aqui para discutirmos tudo isso. Abraços.
Rui;
Deixe-me explicar o meu ponto de vista. O que falei sobre faculdade foi metafórico, evidentemente não estou lhe chamando de inculto. Mas recusar um viés de compreensão é uma atitude semelhante a atitude derecusar o estudo, pois nada se perde ao compreender mais.
Estudar TAMBÉM história da arte é fundamental, sem dúvida, mas entender a história da arte exige que entendamos que as representações existentes nas obras visuais são representações de acordo com os signos da cultura em que ela foi produzida. Não há como estudar história sem iluminá-la com teoria, pois história não é mera coleção de fatos, mas sim coleção de fatos INTERPRETADOS. A história é uma interpretação, mesmo a da arte que parece mero estoque de objetos.
Análise e criação são duas coisas que andam juntas. Por exemplo, os impressionistas tinham como suporte teórico de sua maneira de pintar uma teoria de formação de cores, substrativa. O Picasso tinha ao pintar de forma cubista -assim como o Braque- uma teoria sobre a tridimensionalidade dos objetos que contrariava a forma representativa baseada na perspectiva cônica. Eles enunciavam isso para quem quisesse ouvir, isto é muito bem documentado nessa mesma história da arte de que você fala. Por acaso, estude história da arte, então não a imagino apenas um estoque de fatos.
Tomemos a arte egípicia. Havia na representação do corpo humano um princípio que os históriadores denominaram “Maior Grandeza”, embora não fosse exatamente isso. Os egípcios desenhavam o corpo humano usando a dimensão mais representativa, o rosto de perfil, o ombros de frente, em uma representação que nos parece “errada”, mas que é coerente com uma forma de pensar. Em toda manifestação artística ou criação visual há princípios que o autor segue, mesmo quando ele acha não estar seguindo princípio algum. Quando acha não seguir nada é porque segue os princípios impregnados na sociedade, e os aprende por osmose, e não por estudo.
O que é essa atitude de compreender a obra visual? É uma atitude analítica, teórica, que ALIMENTA a criação. Parece-me ser sobre isso que é este post neste blog.
As imagens podem ser analisadas, compreendidas e posteriormente essa compreensão torna-se insumo para a produção de outras imagens, o autor vai buscar coisas que antes não buscava. Ao adquirir uma nova maneira de analisar, ele adquire também uma nova maneira de olhar pelo visor, vai notar coisas antes não notadas.
A palavra semiótica é apenas uma palavra. Você parece revoltar-se contra ela, mas é uma palavra inofensiva. Ela dá conta da leitura e compreensão dos signos presentes na fotografia dá conta de sua articulação, oferece um caminho para compreendermos a articulação dos signos, e isso é uma instância como qualquer outra de análise. O fato de ser uma disciplina recente ou não, não importa, trata-se de uma forma de compreender as imagens. Toda forma de compreender imagens pode alimentar a criação.
Debates pessoais não levam a boas coisas. Suas fotos são boas, você sabe disso, mas fotos boas não validam tese alguma.
Abraços,
Ivan
Não disse em momento algum que não se deve ir à faculdade. Muito pelo contrário, disse que tem-se que estudar sim, e de tudo. Acho que o conhecimento tem que ser universal. Só acho muito mais importante história da arte para um artista do que semiótica. Eu fiz ECA na década de 80 e foi lá a primeira vez que ouvi falar em semiótica. E sempre achei que a semiótica fosse instrumento de interpretação e nunca de criação. Quanto a eu ter me dado como exemplo acho muito fácil você impor mais uma teoria que não me faz sentido. O debate aqui é sim pessoal. E só posso opinar e exemplificar em cima de minha experiência. Se isto pra você é errado, paciência. E se pra você debater é problema, não entendo porque postou seu comentário. Este país precisa de crítica e de debate.
Respondendo à Cristianne:
Querida não há amargura em meu texto. Talvez veemência com um pouco de humor. E Picasso não poderia pensar em semiótica, pois o termo semiologia aparece no meio acadêmico na virada do século 19 pro 20 com Ferdinand de Saussure. E dificilmente esta nova “ciência” influenciou algum cubista, dadaísta ou surrealista…E aqui, de novo, repito: A semiótica é instrumento de interpretação e não de criação…
P.S.: Não entendo o comentário do Pio…francamente este pessoal não aguenta um debate!
Poxa, confesso que fico triste vendo o caminho que esses comentários tomaram…mas tudo bem, o post é lindo!
Parabéns Georgia! Viva o ensino.
Caro Rui, pela profundidade do que li entre aspas, Sotang deve ser a moça que escreve os bilhetinhos da sorte do China in Box.
E, por falar nisso, como diabos ela consegue colocar aqueles malditos papeizinhos dentro dos biscoitos sem quebrá-los? Eu nunca consigo ler as mensagens escritas para expandir a minha consciência acerca da prática de meu nobre e hermético ofício sem invariavelmente acabar com o biscoito em pedacinhos…
Mas espere um momento, será que é isso que “solo infértil da fotografia” quer dizer? Seria eu esse poço de tosquidão e ignorância transcedental que só um profissional ligado à ralé que habita as ruas sujas do mundo real poderia depois de muitos anos desenvolver? Ou seria simplesmente a semiótica que também não está em mim?
Bem, acho que sim, a se julgar pelos meus sapatos gastos, meu excesso de rugas no olho direito e, principalmente, pelos farelos de biscoito da sorte em minhas mãos.
Rui, até concordo em alguma coisa que voce diz: “Além do mais só quem produz sabe o que se passa na hora do click. Esta racionalidade, cheia de regras, está longe do trabalho pessoal de um fotógrafo ou artista qualquer”. No mais tá muito amarga sua escrita, Picasso não pensava em semiótica?Picasso era a própria semiótica talvez… Creio que as vezes não precisamos nomear mesmo as coisas quando as coisas estão na gente… além deste flickr, tem outros trabalhos que posso ver?Até então, acho que a semiótica realmente não está em você.
Abraço
Cris
Rui. Sem querer, você demonstrou aquilo que eu disse, que ninguém “esconde dos fotógrafos” isso, e sim os fotógrafos mesmo viram as costas (no bom sentido -risos) a isso. Você fez uma fala síntese, uma fala paradigma da fala que escutamos por aí tanto. Não vou debater a sua fotografia, e acho que é sempre ruim quando a pessoa dá a si mesma como exemplo, pois torna o debate de idéias e opiniões um debate pessoalizado. Prefiro lhe deixar um abraço e lhe dizer que não podemos pensar como o pai que diz: “eu não fui a faculdade e criei minha família, então meu filho não precisa ir à faculdade também”.
Para quem quiser ler a entrevista de Rui aqui no Olhavê: http://olhave.com.br/?p=2396
Não pude deixar de ler o comentário de Ivan de Almeida e o sub comentário do outro Ivã. Fico me perguntando se está elocubração mental sobre a fotografia é coisa de Ivans. Este pessoal da academia adora falar de semiótica, de narrativa, de coisas que só interessam aos teóricos e ainda citam Borges?!? Gostaria de saber se Picasso, quando pintava, estava pensando em semiótica…Este Winn Bullock devia ser um chato de galocha. Suas imagens são lindas. Mas é mais um bom fotógrafo neste mundo cheio de bons fotógrafos e não foi a semiótica que melhorou suas imagens. Garanto que na hora da captação a emoção falou mais alto. Além do mais só quem produz sabe o que se passa na hora do click. Esta racionalidade, cheia de regras, está longe do trabalho pessoal de um fotógrafo ou artista qualquer. Não incluo aqui o pessoal da arte conceitual, que faz arte pro pessoal da academia. Acho que todo mundo devia estudar um pouco de tudo. Física, Ótica, História da Arte, Semiótica, Filosofia… Pra entender melhor o mundo…E se isto faz do cara um melhor artista, ótimo. Mas vamos acabar com esta balela acadêmica e super valorizar a teoria. Como em qualquer ofício é treino, suor,sensibilidade, técnica e conhecimento que faz do cara um bom artista urbano. Enfim, a teoria é início e não o fim de uma obra de arte.
Se os Ivans quiserem dar uma olhada no meu trabalho de trinta anos sem semiótica é só acessar: http://www.flickr.com/photos/ruimendes/ e podem descer a lenha…
P.S.: Quem é Sotang?!?
Ótima lembrança Georgia! Apesar do discurso de Bullock, considero importante ressaltar a ótima qualidade fotográfica do trabalho do estadunidosense, desde a captura, até a magnífica impressão.
Essa busca por esse algo é o que de mais caro deveria existir para os que se julgam criadores. Até concordo com estes, Ivan, que dizem criar por intuição, isso às vezes acontece, mas pra mim é a porta de entrada para o mistério do que virá.
Como quando na leitura de O Aleph, de Borges, sou despertado por algo que acho ser bom pra uma abordagem fotográfica e então me ponho na investigação do fundamento para a ideia, para a intuição. Dai por diante o caminho é longo e pode até levar para o lugar nenhum, mas é bom trilhá-lo. Criar é matutar, investigar, construir. Como dizem alguns, criar é transpiração e pra mim é a parte mais instigante.
Vivemos tempos de solos inférteis ou como disse a Sotang: “Em época recente, a fotografia tornou-se um passatempo quase tão difundido quanto o sexo ou a dança – o que significa que, como toda forma de arte de massa, a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como uma arte.”
O besteirol avança os séculos.
Os fotógrafos detestam quando falamos de percepção, de semiótica, de narrativa. Só querem ler sobre cadência de disparos, tipos de flash e tipos de sensores. Não é que o conhecimento não seja passado, ele não cai em solo fértil, coisa muito diferente.
Ao longo de seis anos venho escrevendo na rede sobre temas ligados à percepção, sobre leitura de imagens, sobre narrativa, sobre estrutura das imagens, coisas que estudo há mais de 30 anos, e invariavelmente colho reações dos fotógrafos dizendo que “criam espontaneamente”, que “criação é intuição” e o besteirol costumeiro.