Fruto das leituras de portfólio no Festival de Fotografia – Foto em Pauta Tiradentes, apresentamos dois jovens fotógrafos: Elisa Mendes e Marco A. F.
Os dois estreiam a temporada 2011 do Perspectiva e, como anunciamos anteriormente, fizemos uma pequena entrevista com os dois.
Além dos convites que fazemos para fotógrafos participarem do Perspectiva, a partir de 2011, começaremos essa garimpagem de novos talentos em leituras de portfólio.
Foto: Elisa Mendes – NYLovers, 2010
Portfólio no Perspectiva, aqui.
OLHAVÊ – Fale um pouco sobre a sua relação com a fotografia e como começou fotografando?
ELISA MENDES – Cresci com meu pai fotografando a família. Ele tinha uma Nikon FE com uma 50mm 1.4 e uma 70-200mm, alguns filtros e vivia reclamando de saudades da Olympus Trip que ele não tinha mais. Somos três filhos. Passávamos horas com ele dirigindo a gente pra cena que ele queria. Os três comportadinhos, obedecendo. Depois, eu ficava com ele no banheiro de casa, onde a gente revelava as fotos. Lembro quando ele me emprestou um livro enorme – hoje eu já acho o tal livro só grande – da Life, chamado “Luz e Visão”. Amava. Lembro também quando finalmente ele achou que eu tinha idade suficiente pra segurar a camera e fotografar. Então eu lembro da minha primeira foto, de frente para o mar, numa praia chamada enseada azul e ele atrás de mim dizendo, pensa no que você quer dizer com essa foto. Hoje a câmera é minha, foi com ela que eu comecei a fotografar o NYLovers.
OLHAVÊ – Quais são as suas referências?
ELISA MENDES – Cartier-Bresson me ensina o instante, o que é um clichê, não tem problema. O Otto Stupakoff é uma ode à beleza, me ensina a querer a beleza sempre. Otto, te amo. Diane Arbus e Alen Macweeney me ensinam a escolher pessoas. Cristiano Mascaro a ver as formas, o desenho das formas, a luz formando formas e amar as cidades. O David Gillanders atualmente me ensina quase tudo, principalmente a contar uma história. Com Lee Friedlander eu quero aprender a ter um olhar só meu. Tem coisas que só ele vê, isso ensina a ver. As fotos dele são só dele. A Nan Goldin me dá vontade de ser escancarada, de ser forte. Margaret Bourke me ensina coragem. Isabel Muñoz me ensina tudo.
OLHAVÊ – Para você, qual a importância de Festivais de Fotografia, como o Foto em Pauta Tiradentes?
ELISA MENDES – Ouvir e ver grandes profissionais enriquece e inspira os mais novos. Os mais experientes também ganham energia com a juventude. Acho maravilhosa a troca. Voltei do Festival cheia de ideias e necessidades. Querendo aprender mais e mais, dá até um frio na barriga. Achei, porém, a edição de Tiradentes com pouca representação feminina. Senti falta delas nos workshops, nas palestras e nas exibições. Não quero ser chata, mas eu senti isso de verdade. Já mandei email pra Georgia e ela já me respondeu bem queridamente.
OLHAVÊ – O que o ensaio NYLovers lhe agregou como experiência fotográfica e de relações humanas? A fotografia tem essa característica de lhe aproximar das pessoas?
ELISA MENDES – Muito. Eu estava estudando fotografia documental, tinha que escolher uma história para documentar para as minhas aulas. Nunca tinha ido aNova York, tudo era novo, tudo fazia sentido registrar, mas eu tinha que contar a minha história. Eu andava encantada com a liberdade das pessoas, dos casais e muito curiosa com a diversidade de tipos de gente que se juntavam. Na minha rua morava um mexicano casado com uma russa. Eu sempre via os dois e ficava pensando “meu Deus, essa cidade é o centro da Torre de Babel, é lindo: no olho do furacão tem amor”. Mas a minha ficha não caía no sentido de “olha, é isso que eu quero contar”. Mas aos poucos eu fui percebendo que eu estava apaixonada por esses casais. Por cada um deles, por todos eles. Comecei a fotografá-los de longe, esperando os momentos bonitos de cada um. Depois de 2 meses, comecei a me sentir mais a vontade para pedir a eles um retrato, porque não era o romance, só, o que eu queria guardar. Eu queria guardar a beleza da diferença, a beleza da semelhança. Eu queria um retrato de dois indivíduos. Um retrato de dois indivíduos separados juntos. O amor está ali, mas ele é só a mágica.
Foto: Marco A. F. – Esse não sou eu, 2010-2011
Portfólio no Perspectiva, aqui.
OLHAVÊ – Fale um pouco sobre a sua relação com a fotografia e como começou fotografando.
MARCO A. F. – Eu tinha recém saído do ensino médio e estava perdido quanto ao que faria dali em diante: queria estudar cinema e não tinha grana; queria ser desenhista e não tinha talento. Acabei comprando uma Zenit 122 de um amigo, que estava vendendo suas coisas para ir à Londres.
Comecei fotografando, principalmente, bandas de amigos. Em seguida, fiz alguns cursos básicos e arranjei um estágio como fotógrafo. Apesar disso, não levei a coisa muito a sério. Fiquei uns bons anos sem saber muito bem o que eu queria da vida, e a fotografia foi sendo levada como um hobbie.
Até que a professora Jacqueline Joner viu umas fotos minhas e me convidou para fazer parte do grupo de estudos que tutoriava. Ali,recebi as referências e o estímulo que até então, não tinha recebido. Comecei a entender a força da fotografia como linguagem, fui experimentando e, conseqüentemente, descobrindo um olhar. Vi que tinha entrado em um caminho sem volta, e decidi fazer da fotografia a minha vida.
O que no início era uma produção voltada para a investigação do outro, foi aos poucos se tornando uma investigação interna. Minha dificuldade em estabelecer ligações fortes com causas alheias foi fazendo com que me voltasse, cada vez mais, para dentro de mim. Alguns anos de terapia expuseram coisas que até então eu não tinha conhecimento. Decidi fotografá-las.
É nesse ponto que me encontro atualmente. Olhando para o próprio umbigo, percebo que posso contar muitas histórias, contando apenas a minha.
OLHAVÊ – Quais são as sua referências?
MARCO A. F – Minhas referências são, principalmente, jovens artistas e fotógrafos que encontro pela internet. Gente como o americano Mando Alvarez, que fotografa basicamente a cidadezinha onde mora, a família e os amigos; ou a Polly Bird, da Itália, que tem um trabalho muito lindo sobre memória e nostalgia.
Esses, e outros tantos que conheço através do Flickr ou do tumblr, são tão ou mais importantes para mim do que fotógrafos consagrados ou clássicos.
OLHAVÊ – Para você, qual a importância de Festivais de Fotografia, como o Foto em Pauta Tiradentes?
MARCO A. F – Em um nível pessoal, acho que é a chance de conhecer e ser conhecido por grandes fotógrafos; aprender com as experiências e todos os ensinamentos que esse pessoal tem para passar, além de receber críticas e conselhos sobre a própria produção.
Por outro lado, é uma oportunidade de ter contato com fotógrafos jovens, com o que de mais novo está sendo produzido, e de discutir e trocar idéias enquanto se bebe umas e outras na mesa do bar.
Agora, pensando em um nível mais amplo, acho que a importância está em valorizar e estimular a produção fotográfica de uma região e, conseqüentemente, do país como um todo. Um festival mobiliza muita gente. Muita coisa é produzida para um festival, desde uma grande retrospectiva de algum fotógrafo renomado, até o cara que está começando, e vai atrás de produzir material para apresentar em uma leitura de portfólio.
OLHAVÊ – Álbuns de família, na maioria das vezes, serve para reativar a memória e trazer lembranças. Na relação com o seu passado, o álbum serviu para isso?
MARCO A. F – O álbum de família (mais precisamente, as fotos de quando eu era criança) sempre me pareceu uma grande ficção. Isso porque, as fotos de infância nunca levam para uma lembrança, mas para um conto: “aqui foi quando teu irmão te segurou no colo pela primeira vez”; “tu adorava brincar com esses Comandos em Ação”, etc. Não há memória ali, só uma amnésia, um branco total preenchido por fotos com cores desbotadas e relatos repletos de sentimentalismo e nostalgia.
Naquelas fotos não me identifico; poderia ser qualquer um. Eu não lembro da criança que um dia fui, só lembro das imagens que dela ficaram.