Talita Virgínia

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Fotos: Talita Virgínia – Série “Pai, Polícia” (2006-2010)

Para uns, o ato de criação decorre de um novelo de conjecturas, conexões, aptidões, buscas, hipóteses, desejo, despojamento, aglutinação de idéias… Esta lista é ainda maior. Pois ocorre que o processo criativo é em si uma célula viva, dinâmica, sensorial, emocional, intelectual, alimentada por referências (pessoais e culturais), em diálogo contínuo com o cotidiano ou com a vivência do passado. Criar é um estado de continuidade, de tentativa de equilíbrio pelo resultado. Criar reverbera a inquietude da ideia com a incerteza, novamente, pelo resultado. Mas não será o resultado – revestido por palavras cunhadas como obra, trabalho, ensaio ou pesquisa – uma grande busca do ser humano pela façanha em representar?

A fotógrafa Talita Virgínia nos faz pensar sobre essas questões com seu ensaio Pai, Polícia (2006-2010). Talita partiu do seu núcleo familiar para que a fotografia explicasse o que se passou, passara e o que está por vir nessa sua história. Na verdade, o empenho desta fotógrafa em narrar se engata na idiossincrasia da atmosfera a qual ela respirou durante toda sua vida. Este ensaio Pai, Polícia é o resultado de seu trabalho de conclusão de curso de graduação em fotografia, mas não só isso. Assenta-se na experiência de Talita a tarefa de recolher da figura humana do pai, policial militar em São Paulo por mais de trinta anos, traços da existência das relações de afeto e o universo da violência da profissão paterna.

Ao eleger um eixo familiar e ter que quer confrontar-se com questões de sua história privada, Talita, a fotógrafa, precisou acomodar seus sentimentos para testemunhar por meio da câmera o sentido do seu entorno. O ensaio surge não como um “auto-retrato”, mas como uma exposição de sua estrutura familiar, após ela própria passar por certa reflexão e recolhimento intensos sobre o que retratava. Nas imagens, a câmera não se contrapõe à intimidade – suave, observa cuidadosamente os contornos daquela família e da presença onipresente das insígnias policiais. O ensaio Pai, Polícia mobiliza nosso olhar por trazer à tona o documento doméstico e autobiográfico de quem fotografa. O traço jornalístico de Talita fez com que as imagens se aproximassem dela com a força de quando buscamos algo que só chegará se formos a ela.

Quando pergunto à Talita sobre o que foi mais forte nesse ensaio, ela me responde: “Ter que me relacionar diretamente com meu pai durante as rondas em que eu ia fotografar. Eu nunca tinha tido uma aproximação como essa, nem dele, nem desse cotidiano violento banal”. O processo de considerar os seus e a si própria refuta qualquer chance de facilidade por estar próximo o bastante. É, quando estamos tentando nos enxergar, a fotografia intermedia essa compreensão fazendo com que a criação ganhe outros valores pessoais e sociais.

E quando Talita diz, “Só ponho minha energia em trabalhos nos quais eu sei o que quero dizer e pra quem eu quero dizer. Por isso que demorei tantos anos pra ter um primeiro trabalho. E com certeza vou demorar pra terminar o segundo…”, temos aí pistas das particularidades de como ela se envolve com o que fotografa. Isso nos faz chegar ainda mais no interior do processo de criação das imagens desta fotógrafa. Talita é jovem e percebeu que representar fotograficamente o que sente é deixar que o olhar ganhe tempo, que as imagens se emancipem… Que a fotografia de Talita Vírginia nos ensine sempre.

Por Georgia Quintas, abril de 2011.

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BIOGRAFIA

São Paulo (SP), 1986

Talita Virgínia, 24, é bacharel em fotografia pelo Centro Universitário Senac. Começou a trabalhar com artes na ONG Meninos do Morumbi, ministrando aulas de fotografia básica para adolescentes em 2004. Após um estágio no estúdio do fotógrafo André Schiliró em 2005, passou a trabalhar junto ao Estúdio Madalena, onde desde então produz periodicamente diversas iniciativas culturais relacionadas à fotografia. Trabalhou como monitora na Universidade, onde ingressou em 2006, e como assistente para diversos fotógrafos brasileiros, além de auxiliar fotógrafos estrangeiros em pautas no Brasil, como Alex Majoli e Christopher Anderson. Em 2008, foi fotógrafa freelancer do jornal Folha de São Paulo. Atualmente, segue experimentando as possibilidades do vídeo e da fotografia.

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