Nas paredes escondemos coisas? Lhe pergunto e insisto: os lugares fazem parte de nós? Talvez, possa me acalentar se você conseguir responder. Fui a lugares que já não mais os reconheço. Uns em particular, fizeram parte de mim. E agora, sobraram espaços vazios, decadentes, vilipendiados. Pois eram meus, como ainda são em minha memória.
E exatamente na ausência da vida, nos restos deixados, nas paredes descamadas que perdi o chão. Ao redor deste lugar, ainda mais estranhamento. Os prédios são outros. Os mesmos de antes, mas absolutamente remendados, apropriados por um caos e pela urgência de acondicionamentos das pessoas.
Muita vida naquelas paredes. Mas, volto a lhe perguntar: por que tanta desolação diante do meu antigo “Le Corbusier”? E agora, o que faço com essas imagens?
Certos olhares encontram na arquitetura (em sua estética, função e laços sociais), variantes de contemplação e de razões. Muito embora, a fotografia de arquitetura seja entendida por alguns como árida, excessivamente concreta e formalística, para o campo das ideias e do conceito, tais imagens são reveladoras (como não pensar aqui nos fotógrafos alemães Bernd e Hilla Becher e em sua complexidade dos espaços num tempo pós-industrial). Nesta temática, simbioses ocorrem com desenvoltura entre plasticidade e paisagem. Entretanto, a fotografia de arquitetura não é apenas simples inventário de edificações inanimadas, imponentes ou belas. A articulação de conceitos e questionamentos sobre os espaços urbanos é que nos dão a amplitude de particularidades sociais e econômicas. Com isso, percebemos também trocas simbólicas da relação humana com os espaços.
Residente Pulido: Invasion (2009) e Le Corbusier quemado en Bogotá (2005) fazem parte das pesquisas do fotógrafo venezuelano Alexander Apóstol.
Apóstol desenvolve vários ensaios sobre os rumos da arquitetura. Esses dois ensaios exemplificam a busca por histórias e situações atuais que propõem a redefinição do urbanismo, da preservação, de políticas contundentes de ocupação para as apropriações desordenadas, que segundo Apóstol geram violência através das invasões.
Denotando fatos ocorridos – e que foram reflexos de movimentos urbanos e sociais, como é o caso do ensaio Le Corbusier… –, Apóstol intui que na essência dos restos há muito que considerar. Em Bogotá, na década de 60, movimentos estudantis queimaram com extrema violência edificações cunhadas por um dos grandes nomes da arquitetura o francês Le Corbusier. Após trinta anos, Apóstol testemunha as ruínas intocáveis deste acontecimento, o qual simbolicamente dialoga com a fragilidade de um sonho que envolve o projeto de arquitetura como função social e socialista principalmente. O trabalho de Alexander Apóstol (ver mais em seu site) também se estendeu à cidade de São Paulo, seguindo a linha de pensamento que documentar é testemunhar a vida (e como, literalmente, a vivemos) e suas fragilidades. Diante dos vários ensaios sob o referencial da arquitetura, talvez encontremos respostas – como para aquelas que iniciam esse texto.
Por Georgia Quintas
* Texto originalmente publicado em 2010 no Fórum Virtual, blog do Fórum Latino-americano de Fotografia de São Paulo.