Por que não nos cansamos de ver fotografias? Por que o encanto não se dissolve? Encontramos, contemplamos…
Nesse processo, nos doamos mais, outras vezes menos, mas seguimos “entrando” nas fotografias. A metafísica, a subjetividade, o tempo distendido, os espaços que nunca estão em nós e sim nos outros poderiam nos dar razões. Certos ensaios vem num tour de force e nos apreendem no movimento espiral de déjà vu. São imagens que remetem, lembram coisas passadas, nas quais vigoram determinada fruição, obstinação em deter o olhar.
Passa isso no ensaio Pozuzo (2004), do fotógrafo peruano Eduardo Hirose. Hirose apresenta a região central de Selva Alta del Perú, onde fica Pozuzo, comunidade de descendentes de núcleos de imigrantes de Tirol, na Áustria, e de Renania, na Alemanha. São registros de cenas cotidianas desta comunidade que nos encantam. Hirose traceja a cadência de fragmentos deste grupo social, através de uma sensibilidade etnográfica contundente. O fotógrafo empreendeu várias viagens a Pozuzo por conta das particularidades culturais, além de ter travado uma história de simpatia pelo lugar e pelas pessoas.
Neste ensaio, o fascínio pelas imagens emerge da beleza. A composição meticulosa, o equilíbrio dos enquadramentos e o preto e branco impecável, discursando com a luz que nos dá motivos em acreditar que ela é da natureza da imagem per si e não da nossa realidade, orquestram as nossas questões.
De certo, o deslumbramento fotográfico na recepção nunca será senso comum, mas pode se revestir em recurso profundo de aproximação diante das fotografias. Deve-se, em grande parte, à plasticidade harmoniosa dos retratos e dos lugares envolvidos pela linguagem de Eduardo Hirose.
Belas, suaves e particulares, as fotografias desse ensaio também são síntese e antítese do que chamamos de documental. Apesar de se situarem pela captura objetiva e descritiva pelo aparente rigor das cenas, são ainda antítese pois fazem digressões sutis sobre o que seria acaso nesta captura documental. Isso muda o percurso de nossa relação com as coisas factuais e passa a ganhar um corpus imaginário nas entre-imagens, nas sublinhas da pose e do olhar perscrutante para a câmera.
Por que “entramos” nas imagens? Talvez, porque achemos que as imagens são cômodas e que o acaso seja o fio da meada que puxa o nosso olhar para o interior da fotografia. Seria simplista demais… Em contrapartida, é acalentadador observar que a beleza dialoga com o que denominamos de documental.
Indícios de que podemos avançar numa premente discussão em que a fotografia contemporânea chega cada vez mais perto da investigação sobre o outro, nos processos de alteridade e intimidade. E a beleza seria só a senha para essa riqueza de elos de sentidos na captação da fotografia.
Por Georgia Quintas
* Texto originalmente publicado em 2010 no Fórum Virtual, blog do Fórum Latino-americano de Fotografia de São Paulo.
Fotos: Eduardo Hirose