Se pensarmos na fotografia como artifício de viagem, adentramos em um universo cíclico de idas e vindas na memória iconográfica das passagens da existência de núcleos familiares. Imagens construídas por parentes revelam a nossa própria identidade.
Os dois ensaios da fotógrafa argentina Lorena Guillén Vaschetti proporcionam argumentos fortes para seguirmos “conservando” retratos de família para que vislumbremos a compreensão do percurso da história familiar de cada um de nós.
Como não se lembrar das palavras de Miriam Moreira Leite, diante dos ensaios Secretos de Familia e Sobre Renato Vaschetti de Lorena Vaschetti?
“Divergem dos outros, os retratos não emoldurados e colecionados em caixas de sapado ou gavetas fechadas, de onde são retirados para exibição exclusiva de entes queridos ou àqueles que poderiam reconhecê-los e, pelo reconhecimento, reconquistar-lhes a vida. Nestes casos, a presença de amigos ou confidentes é que traz à luz as fotografias acumuladas, às vezes amarradas com fios de lã ou elástico e ocultas dos estranhos em envelopes pardos”. (Miriam Moreira Leite)
A mãe de Lorena resolveu jogar no lixo os slides da família. Família esta que agora se resume apenas à Lorena e sua mãe. A fotógrafa conseguiu recuperar só uma caixa com slides, pequenas latas e alguns frágeis papéis com identificações. Tudo de autoria do seu avô Renato “inventariando” cenas de viagens da família.
A reação a este encontro é trabalho Secretos de Familia, o qual traz a magia da arqueologia da memória intocada, conservada em seu mundo fotossensível. Sem a visibilidade de cada slide, Lorena passa a criar em torno da apreensão dos “objetos fotográficos” achados. Assim, problematiza questões como ela mesma coloca: “O quanto eu podia ou queria saber sobre o passado? Será que as imagens dizem toda a verdade? Qual o papel da fotografia numa história de família? E o que eu faço com esse ‘presente’”.
Até hoje, Lorena não abriu os montinhos de slides…
O outro ensaio, Sobre Renato Vaschetti, Lorena se aproxima das belas e envolventes imagens das viagens de sua família ao refotografar diretamente dos slides. E, novamente, a forte ligação com o imaginário afetivo destas imagens traça para a fotógrafa outros desdobramentos.
O processo de releitura dos sildes a faz encobrir a identidade dos retratados, pois entende que a memória não é necessariamente a lembrança de um olhar, mas sim muitas outras coisas, sensações mais gerais ou outros detalhes.
Cercada de pensamentos sobre o legado visual do seu avô, Lorena nos apresenta o talento de uma grande fotógrafo “anônimo”. As fotografias são incrivelmente sedutoras, delicadas… De um frescor peculiar. Quantos abuelos-fotógrafos não existem em nossas boloadas caixas de sapatos?
Por Georgia Quintas
* Texto originalmente publicado em 2010 no Fórum Virtual, blog do Fórum Latino-americano de Fotografia de São Paulo.
Fotos: Lorena Guillén Vaschetti