Precisava ser tão sincero que chegou a exagerar. A viagem era longa e a realidade de tão crua parecia ofuscar a visão. De tal modo, construía para si próprio, após tantas vivências e sentimentos, uma espécie de cadafalso íntimo de afeto, lembranças e justaposições de buscas.
E tudo isso é tão profundo que a fotografia passou a carregar o excesso das formas sublimes, das cores improváveis, de cenas e cenários barrocos e alegóricos. Se ponderarmos que a trajetória de um olhar é o espelhamento do imaginário, do qual faz o indivíduo possuir pertencimento e acreditar no que pode ver, é plausível encontrarmos fotografias que reflitam sobre o emaranhado de paisagens íntimas, sutilmente sacralizadas e distendidas do padrão real das cores.
O fotógrafo Ricardo Labastier exprime nesse ensaio a condução de sua percepção instigante, assim como um dos componentes mais caros ao processo criativo: a entrega. Seus ensaios, embora possuam títulos, são fragmentos de peças, de contas de um colar partido que tentamos a todo custo uni-las para enfim começarmos a compreender quem somos. Em seu discurso visual, os códigos parecem brindar com o que representam. Mas, Labastier transpõe esse significado para o patamar da memória. E segundo ele mesmo, a religião passa a ser infância.
A cada fotografia, a postura da cor não só ressalta como evoca subjetividades. Como se as coisas assim fossem. Mas, não são. Sequer intencionam serem desta maneira.
A narrativa através das cores no trabalho de Ricardo Labastier imprime ao conteúdo da imagem a intensidade da existência como quando observamos com acuidade o sentido delas. De tal maneira, essa troca entre fotógrafo e motivo fotografado elabora o grau de intimidade entre olhar e fotografar. O que permite que vislumbremos o registro documental transformando-se em poesia doce, refinda e incerta. As nuances de mistério, imaterialidade, sonho e deslocamento temporal, que suturam a fotografia de Labastier, desfiam o novelo das recordações e das metáforas que a fotografia encontra pelo mundo afora.
Por Georgia Quintas
* Texto originalmente publicado em 2010 no Fórum Virtual, blog do Fórum Latino-americano de Fotografia de São Paulo.
Fotos: Ricardo Labastier