Cristiano e o Zé, uma entrevista guardada

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O compartilhamento que acontece no momento da montagem de uma exposição é um acontecimento único.

Toda tensão do prazo, correrias de última hora (por melhor que tenha sido o planejamento), imprevistos e fornecedores nos causam um cansaço inesquecível.

Jurei a mim mesma que não faço mais acompanhamento de produção de exposição para não repetir esta situação. Mas tem seu momento mágico: visualizar no espaço toda experiência planejada no papel ou no monitor do computador, concretizar o projeto em escala real, é maravilhoso.

Este momento é de calma e de conformação. O que se concretizou é o que será dividido com o público. Alguma reflexões, certezas e arrependimentos nascem nesta hora.

Resolvi registrar este momento em uma mostra do Cristiano Mascaro na qual acompanhei a montagem e sugeri algumas coisas na edição, portanto, estava mais tranquila do que numa montagem onde o projeto fosse inteiramente de minha responsabilidade. Fiz isso também em outras mostras.

Levei um gravador de fita (!?) bem antiguinho, e propus uma entrevista ao Cristiano, durante a montagem da mostra e do lançamento do livro “Luzes da Cidade”, realizados no MASP em 1996.

Era um ano em que eu ainda dividia o escritório com o estúdio do Leonardo Crescenti e o escritório de arquitetura do Felipe Crescenti na Vila Madalena. Neste escritório, tínhamos uma assistente que era formada em Engenharia e pedi a ela que digitasse (computador era coisa pra “especialistas” ) a entrevista que eu transcrevi à mão.

Cada vez que o Cristiano mencionava o trabalho dele (e eram muitas vezes) eu substituía pelo símbolo de t (TRABALHO), o “TAU” da física mecânica (que eu aprendi no cursinho vestibular).

Escrito à mão e em minúscula, a assistente interpretou como “Ze”. Ao ler a transcrição digitada, tive um ataque de risos, porque o texto ficava muito engraçado, mais ainda ao associar a expressão da assistente ao perguntar quem era o fotografo e esse Zé que o acompanhava o tempo todo em momentos muito importantes.

Vou anexar a entrevista que marca um período de mudança no trabalho do Cristiano e que é mais interessante que esta história que não deixa de ser hilária.

Por Rosely Nakagawa.

capa livro

17 de abril de 1996 – Entrevista com Cristiano Mascaro durante a montagem da exposição e lançamento do livro “Luzes da Cidade”

Local MASP, 24 de abril de 1996

ROSELY NAKAGAWA – Acho que seu t mudou. Desde que você fez a capa para o livro da Cia. das Letras (foto do viaduto). Você antes tinha um filtro pessoal e organização rígida da imagem. Hoje eu acho que você não se preocupa em organizar tanto o resultado. A imagem é mais complexa, com mais elementos mostrando o caos, menos limpa. Você inclui o caos. É uma atitude?

CRISTIANO MASCARO – Acho que tem duas coisas aí: a primeira é que quando eu ganhei a Bolsa Vitae, minha proposta era fazer a paisagem de SP. Pela primeira vez eu passei muito tempo fotografando a cidade, não andando a pé como eu fiz no Brás. (Acho que o Brás foi o primeiro que eu fiz desse jeito com a cara que meu t tem até hoje).

Se por um lado eu fiz várias descobertas da paisagem, dessa coisa toda, o assunto não se esgotou. SP não tem muitos pontos de vista. Não tem o skyline de NY como a gente viu lá no Brooklyn, lá ele é bem delineado. Tem o recuo do rio Hudson. Você vai recuando, recuando… Aqui não, você vai recuando e os obstáculos vão se sobrepondo na sua frente. Sem uma visão favorável, você sobe em prédio pra observar o horizonte. Eu senti que o t estava ficando um pouco monótono, sem muitas opções .

Desde o meu doutorado eu comecei a voltar um pouco a fotografar no chão.

Não cheguei ainda numa outra coisa que eu gosto de fazer também, que é o retrato. (Em SP, fiz bastante retrato de gente na rua. No Brás tinha muito, até tinha alguns que eu fiquei com saudades e pus nesta exposição. No livro tem pouquíssimos só 2 ou 3).

Então, quando eu voltei pro chão, depois de ter subido, como Jesus Cristo (rindo), eu desci ao inferno, eu comecei a fotografar com um distanciamento mesmo, com um relacionamento com as coisas mais próximas, mas com essa preocupação que você está observando. Acho que meu t ficava com um rigor formal muito definido. Isso me incomodava. Eu precisava descobrir qualquer coisa muito organizadinha nesta cidade.

A segunda é que eu comecei a reorganizar o caos. Realmente enfrentá-lo. Em vez de lamentar a quantidade de postes que a cidade tem, fiz com que todos esses elementos fizessem parte, de forma expressiva, da fotografia. Assim tem no livro algumas fotos feitas com esse modo de ver. A capa do livro por exemplo, que são descobertas interessantes, como elemento urbano.

ROSELY NAKAGAWA Na fotografia dos postes (rua Maria Paula), percebo que tem ainda uma outra coisa, o contraste bem definido. Junto com aquele formalismo que estava te incomodando, o rigor técnico da escala de cinza e que às vezes acentuava o formalismo. Essa tem um contraste que vai de encontro a essa técnica rígida, você não acha?

CRISTIANO MASCARO – Não. Isso realmente nunca me passou pela cabeça, quer dizer, esta foto do poste, são poucos elementos num contra luz então ela é praticamente uma silhueta, ela não tem meios tons. Mas dentro de um rigor que eu gosto. Não tem um alto contraste.

Mesmo a contra capa do livro, a foto da rua Santo Antônio, ela tem muitos detalhes no contra luz, a gente consegue ler o que está escrito nas costas do carinha. Como a do Anhangabaú. Eu comecei a fazer fotos como a das pg. 88 (do livro Luzes da Cidade). Paisagens mais tranquilas, sem a preocupação de descobrir formas fortes.

Acho eu me libertei um pouquinho do formalismo excessivo.

Eu me lembro da Aracy Amaral falando que todo arquiteto que é artista plástico ou fotógrafo, é formalista. Acho que na nossa formação é meio natural. Não estou me justificando nem explicando nada. Isso dá uma tranquilidade de perceber que a gente tem uma espinha dorsal, que não é uma exigência de coerência de postura frente as coisas. Eu sempre fiz o que eu tinha vontade em relação ao meu t. E que inevitavelmente tem essa cara.

ROSELY NAKAGAWA Acho que essas mudanças são, no seu caso, não apenas um questionamento do que você já fez e precisa ser superado. Mas o que?

CRISTIANO MASCARO – Não sei. Não acho que eu esteja evoluindo. Acho que é uma variação. Para mim, acontece assim. Quando você acha que uma forma de observar as coisas está incomodando, se repetindo, não só pelo resultado, mas pela postura frente às coisas, de repente surge uma foto que abre, assim um caminho novo.

Acho que nesse caso, agora, nesta foto dos postes da rua Maria Paula, eu percebi que mesmo com muita confusão eu poderia ter uma imagem expressiva (pg. 23).

Eu estava nessa época fotografando para a Emurb, época da reurbanização do Anhangabaú (eu não gosto muito de guardar datas, a gente sempre erra).

ROSELY NAKAGAWA Essa mudança tem alguma coisa de mais pessoal?

CRISTIANO MASCARO – Não, olha. Depois que eu terminei o doutorado, um pouco antes até, apareceu a chance de fazer este livro. Então eu comecei a complementar duas coisas que eu tinha feito. A Bolsa Vitae e o doutorado.

Como eu te falei, acho que eu fiz uma foto que abriu um caminho. Sem teorizar demais, tipo: “Uma nova preocupação”. Meu t não é, evidentemente, pura inspiração, intuição, mas também não é tão racional para teorizar sobre todas as preocupações. Surgiu essa foto e aquela da contracapa. Eu gostei de ter chegado a este resultado. Achei que era uma maneira de obter uma imagem nova.

ROSELY NAKAGAWA O livro é uma etapa importante. Fecha esse ciclo? Essa reflexão sobre o excessivo formalismo, o doutorado a Bolsa?

CRISTIANO MASCARO – Eu tinha feito o primeiro livro em 89 e achei que estava na hora de fazer outro, de outro lado a programação de fazer a mostra aqui no MASP, então eu acabei acertando a exposição em função do lançamento do livro… Uma coisa conjunta.

Acho que todo livro ou exposição que se faz é uma nova etapa. Se coloca um ponto final num parágrafo. Não que se vá mudar totalmente o que se está fazendo, mas se procura com uma outra face das coisas.

ROSELY NAKAGAWA O que significa a exposição para você? Você tem um segmento de t especial, consegue manter-se como fotógrafo de ensaio pessoal, desde que você saiu da imprensa. Uma coisa rara. Me fala um pouco de como é sobreviver como fotógrafo de ensaio.

CRISTIANO MASCARO – É muito bom e muito ruim, ou por um lado é um privilégio. A gente no Brasil, sempre tem uma atividade paralela pra se manter.

Eu imaginava que muitos fotógrafos ensaistas americanos ou europeus tinham assim um t e viviam dele. Não é bem assim. Dão aula em universidade ou trabalham em publicidade, essa coisa toda.

Não sei se estou sendo justo ou não, mas o que eu tenho visto fora é que tem muitos fotógrafos que se destacam com seu t pessoal, e tem seus ts aproveitados em publicidade. Isso não acontece no Brasil.

Na Europa e EUA eles são muito valorizados e vão sendo absorvidos por esses mercados mantendo-se e são justamente chamadas por terem um t mais pessoal reconhecido. E acabam tendo um retorno merecido.

É o caso do…

O celular não para de tocar!

Continuando….

Aqui no Brasil, eu nunca tive uma foto minha aproveitada para publicidade.

Não tenho preconceito nenhum. É lógico que eu não me daria bem vivendo só do t de publicidade. Não sei, aprendi por alguma razão, na minha formação a prezar demais a minha autoria.

Não me lembro de ter nenhuma foto pronta, de arquivo aproveitada em publicidade. Nesse período que eu estive em Paris fazendo as cópias para a exposição, vi com o Sebastião (Salgado) um material que ele havia recebido do Finantial Times, naquele papel rosinha, uma página dupla, que a gente tinha que virar pra ver, com uma foto daqueles navios do Sebastião, enormes, encalhado num cemitério de navios, alto como um prédio de 10 andares. Era um anúncio de uma companhia de seguros. A imagem era tão forte, mais do que qualquer coisa produzida especialmente e que fosse colocada ali.

Entendo que muitas vezes a publicidade precise de coisas artificiais. Tem se que falar de tudo, tem que se criar este artificialismo. Mas muitas vezes um anuncio poderia ser feito assim.

ROSELY NAKAGAWA Você acha então que é um problema de editoria?

CRISTIANO MASCARO – Acho que sim. Olha, excepcionalmente, eu fiz para a revista Claudia (30 anos) uma matéria que ele me pediram sobre casa brasileiras. Acho que deu certo. Ganhou o prêmio Abril e a matéria é muito comentada até hoje. Mas só foi uma vez. Porque isso não se repete?

Apesar de ter um t hoje distante do fotojornalismo, eu adoraria trabalhar com jornalismo. Evidentemente dentro do meu t. Eu não iria voltar a fazer corridas atrás de fatos. Acho fascinante e tal, mas não é mais o meu t. Eu mudei de rumo.

Mas sinto que na publicidade e no jornalismo este tipo de ensaio como o meu, são mal aproveitados. Existem os fotógrafos de publicidade e pronto. A Maureen que tem um t que eu adoro, me contou uma vez que um diretor de arte disse pra ela: “Você não consegue muito t em publicidade porque você sempre quer estar junto, pensando junto, discutindo junto. Este tipo de autor dá muita dor de cabeça. Quando eu quero um t como o seu, eu chamo alguém pra fazer ‘à La Maureen’ quando a gente precisa do clima da sua foto” ( risos).

Tenho um respeito enorme por alguns diretores de arte que acho geniais, mas falo do geral, da maioria e isso acontece realmente. O estúdio acaba sendo o lugar mágico, que precisa de muita criatividade e profissionalismo, de uma tremenda experiência, onde se cria a imagem desejada pelo fotógrafo, mas também pelo diretor de arte. É admirável.

ROSELY NAKAGAWA Acho que também existem nessa maioria, fotógrafos com dificuldade de compreender o diretor de arte, não? Dando ao diretor de arte por exemplo a liberdade de utilizar a fotografia de outro modo, com cortes etc.

CRISTIANO MASCARO – Existe isso também. O fotógrafo que não trabalha sempre com direção de arte, está acostumado com muita liberdade e tem dificuldade em se relacionar e realizar uma foto encomendada. Eu tenho essa dificuldade. Se me pedissem pra fazer uma foto como esta da Ladeira da Memória, talvez eu não conseguisse.

ROSELY NAKAGAWA E se alguém pedisse pra fazer um corte?

CRISTIANO MASCARO – Acho que se fosse pra uma revista ou jornal, teria que concordar. Menos pra um livro, aí não.

> Intervalo pra retocar a ampliação da fotografia da Ladeira da Memória.

As fotografias da exposição tem 1 x 1 m, ampliadas com muito cuidado, mas sempre sobram pequenos detalhes pra retocar, o que o Cristiano faz com imenso prazer enquanto supervisiona a montagem e acabamento da equipe que está trabalhando junto com ele no mezanino da Exposição no MASP. Ele montou aqui um verdadeiro “bunker”, com uma mesa, telefone celular, caixa de ferramentas, luvas, pasta, arquivos, lista de convidados, provas do livro.

Chega todos os dias às 8 horas, espera abrir o Museu e fica trabalhando até as 18h. Com muita disciplina.

* Observação minha numa pausa da entrevista.

CRISTIANO MASCARO – Acho que o que não se pode fazer é papel de vítima. O fotógrafo tem que conquistar seu espaço, não ficar num canto isolado, se queixando. Tem que conversar, dialogar.

Outro dia uma diretora quis elogiar um fotografo dizendo: “é um cara louquinho, louquinho..!”

Ou ainda quando o elogio é de verdade: “ele é um mago da fotografia, um bruxo!”. Não se fala assim nunca. Ter um t profissional é uma coisa suada. Não se mistifica assim. O bom fotógrafo tem que ter também um pensamento claro, uma boa narrativa, uma boa estória, com sua autoria marcada.

Fotografia não tem muito jeito. Existe sob encomenda. O t pessoal, que é sobre o qual a gente está falando, existe e a gente vai tocando, misturando ao t profissional.

É como arquitetura. Sempre submetida à necessidade do cliente, nem por isso é considerada como um t menor. Cabe ao fotógrafo ser criativo dentro dessas limitações.

ROSELY NAKAGAWA Acho interessante notar que quando o fotógrafo faz um ensaio pessoal, na verdade ele está investindo numa parte da sua formação. Pra poder mais adiante executar o t comercial com essa linguagem já desenvolvida, indo um pouco mais além da encomenda.

CRISTIANO MASCARO – E até para atender a solicitação de uma forma não equivocada. Porque às vezes quem solicita não está bem certo do que quer, do limite da técnica, do que é bom e do que não é.

Mas voltando um pouco à sua pergunta lá atrás, nessa área de ensaio/ documentação na qual eu atuo, entre as duas correntes: publicidade e jornalismo, a exposição é um investimento. Não que eu a encare assim, mas acaba sendo: investimento de tempo e de dedicação. Se tem o retorno da divulgação. Normalmente depois de um lançamento de livro e da exposição, começam a me chamar .

Mas o fundamental pra mim é que a exposição é o fechamento de um processo cíclico, de um processo de 4 ou 5 anos, e como sub produto nada desprezível uma alavancada que a gente dá depois. O próximo passo.

ROSELY NAKAGAWA Sobre a realização desta exposição, você teve um patrocinador e conseguiu publicar o livro, como se deu isso?

CRISTIANO MASCARO – Se por um lado aqui a gente não tem serviço profissionais especializados em escala industrial, como na Europa e EUA, onde tem todos os materiais e profissionais adequados, tem-se um tremendo companheirismo. Eu comecei a escrever (emocionado) um texto de apresentação e cheguei nisso. Esta exposição é um t de equipe. Eu quero dedicar a exposição ao Andre Terner. Ele foi o primeiro laboratorista a quem eu levei meus filmes.

Tive o apoio do Dorea Books and Arts, da Método e do Imágicas. Fiz as cópias na França por um problema de custo e prazo. Não quero dar ênfase ao t de acabamento da mostra. Quero mais que as pessoas vejam meu t.

Como a gente quer chegar no melhor acabamento eu fui à procura de outros laboratórios porque o Imagicas que fez as cópias para o livro não trabalhava com o formato 1×1 m da expo.

Ao longo de todo meu t de fotógrafo, uma outra coisa marcante, como relacionamento humano foi o desenvolvido com os laboratórios. No fundo a gente poderia ir além disso com profissionalismo, tentando chegar ao objetivo com mais disciplina, cumprimento de prazo.

ROSELY NAKAGAWA As outras exposições realizadas, foram suficientes pra você?

 RISTIANO MASCARO – Não sei como você especialmente vai encarar essa resposta, pra mim foram boas porque dependiam basicamente de mim. Eu sabia onde queria chegar. Talvez por ser muito centralizador eu fico satisfeito, (ou não gosto) mas pelo menos não me chateio tanto, porque o negócio é só comigo mesmo.

Nesta exposição eu estou tranquilo, fiz tudo com antecedência, bem ou mal, está dando tudo certo. Voltei de Paris com as ampliações prontas. Aí eu pensei: preciso montar em alguma coisa. Te consultei, não sabia se colocava vidro, eucatex. Não queria colocar vidro, mas já vi fotos que ficam todas enrugadas. Montei assim (com placas de isopor, leves). O João Carlos sugeriu uma moldurinha pra proteger. Acabou ficando uma ótima solução. Não gosto de fazer coisas de última hora.

ROSELY NAKAGAWA Mas você gosta do t dos bastidores da exposição não?

CRISTIANO MASCARO – Gosto. Talvez seja um pouco a herança da escola de arquitetura.

ROSELY NAKAGAWA Você já organizou inclusive algumas mostras de outros fotógrafos.

CRISTIANO MASCARO – Sim. Eu acho gostoso trabalhar em coisas assim. Por outro lado me sinto preso.

Mas nada é por acaso ou à nossa revelia. Meu temperamento é esse. Por causa disso, fui morar em Carapicuiba, longe de São Paulo. Quando eu me tornei fotógrafo independente, eu precisava de uma estrutura. Eu pensei ser o melhor lugar a minha casa, onde eu tinha espaço pra isso. Construi um escritório legal, onde eu tenho as minhas coisas todas, com um esticar de braço, um livro, o que eu quiser. Lá não tem condições de ter uma secretária ou um boy. Não tenho porque ter uma estrutura fixa. Viajo muito, fico 2 ou 3 meses fora. Acabei tendo um esquema agradável, mas que às vezes não funciona.

Mas chegou uma hora que eu relaxei e pensei. Sou um fotógrafo brasileiro. Com esse ritmo. Sinto que é um privilégio poder viver de fotografia. Deixei de ser vítima.

ROSELY NAKAGAWA Você é uma pessoa extremamente cuidadosa. O fato de não deixar ninguém editar seu material exposição mostra isso. Você faz isso direito, mas isso te impede de ir um pouco mais além? Você ter ido ampliar seu t fora e ter conhecido alguns interessados em agenciar seu t, não foi bom?

CRISTIANO MASCARO – Às vezes me dá um pouco de preguiça. Pode parecer um pouco provinciano. As minhas referências estão todas aqui. O julgamento que eu considero no meu t está aqui. A Renina Katz por exemplo. Os antigos professores da FAU (a FAU foi marcante pra mim) e também os meus amigos. Me satisfaz mais do que pensar em trabalhar fora e ter meu t reconhecido lá.

Apesar de terem elogiado, eu acho muito difícil alguém ter entendido alguma coisa. Eu sei que elas podem ter olhado, mas eu era um meteoro caído lá no meio. Acho difícil algum diretor de arte ou marchand olhar meu t e descobrir um talento novo, uma idéia nova. Isso só acontece com estrela de cinema.

ROSELY NAKAGAWA Não é somente sobre isso que eu falo, porque seu t não é vanguarda nem uma novidade, muito menos um talento a ser descoberto. Estou falando sobre a divulgação do seu t num mercado mais amplo.

CRISTIANO MASCARO – Fora estes elogios, surgiram propostas concretas de matérias para uns projetos. O meu receio é que me encomendem ts com uma visão pitoresca do Brasil ou da América Latina, não é nada difícil. Meu t é o anti-pitoresco. Mas me interessa ter o meu t ser visto fora daqui também.

ROSELY NAKAGAWA O que você planeja pra depois desta exposição?

CRISTIANO MASCARO – A gente tem que planejar alguma coisa pra não cair em depressão pós-parto; e de gêmeos neste caso: o livro e a mostra. Eu já estou fazendo um t de fazendas, viajando pelo Brasil todo.

ROSELY NAKAGAWA Você sempre faz o t encomendado com a paixão de um t pessoal?

CRISTIANO MASCARO – Faço. Eu estou só com um receio. O de chegar numa fazenda e ela não me dizer muito. Ou estar engomadinha demais ou abandonada. Comprei uma 6×9, já testei, pra evitar carregar muita tralha.

ROSELY NAKAGAWA Você também curte a organização anterior à saída.

CRISTIANO MASCARO – É fundamental. É famosa a mala do fotógrafo. Eu não tenho muito penduricalho. Tem fotógrafo que adora. O Pedro Martinelli, tem de tudo, até um batedor de ovos em miniatura.

A grande curtição é o envolvimento com o tema, e é delicioso viajar. Arrumar as malas pra viajar, ir pra um lugar dentro de um território que tem tudo a ver com você, coisas a comentar, ver, fazer, isso é do barulho.

A vida é muito fascinante pra ser vivida linearmente, não? A fotografia te coloca de forma a perceber várias coisas ao mesmo tempo.

ROSELY NAKAGAWA Se você não fosse fotógrafo, você seria o que?

CRISTIANO MASCARO – Ator. Se me convidassem eu tentaria o palco pra representar. O que às vezes acontece quando eu estou fotografando. Eu viro personagem de uma situação qualquer. É gostoso.

A gente que está acostumado só a ser espectador de uma cena, tem horas que se vê reconstruindo um clima, no lugar de uma situação real que vai ficar num pedaço de papel.

E nessa hora, eu crio um diálogo com as pessoas. É como estar interpretando um diálogo improvisado.

E deve ser bom ser aplaudido em cena. Com o fotógrafo isso nunca acontece.

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