O sertão enquanto temática artística-poética é contumaz em várias linguagens. Lugar de inspiração para vários e grandes fotógrafos, a magia do lugar também faz com que se desvele não um, mas vários contextos imaginados. Nesse ponto, o olhar pode nos indicar uma simbiose entre a realidade e a ficção.
Abandonar o instante e se apropriar da paisagem na tentativa de abstrair os clichês – que tal tema muitas vezes provoca –, trata-se do esforço em rever o conceito e convertê-lo em proposta de suspender o lugar. De modo que se possa conduzir os “sertões” em sua aura de símbolos e narrativas mais largas e criativas. O filósofo francês François Soulages reflete que “o artista não está aqui para dar respostas”. E nos conduz a uma das essências da imagem, quando afirma que interpretar é uma maneira de trabalhar a potencialidade de ficção.
De tal maneira, pensemos ainda em ensaios fotográficos que geram – pelo senso da pesquisa – não só as consequências da imagem em si, mas contudo suas instâncias de apreensão da subjetividade do lugar. O percurso de busca e imbricação do retórica sobre o sertão e sua dimensão da percepção metafórica entre natureza e homem pode e deve ser retrabalhado com ênfase na pesquisa, no aprofundamento da imagem não pela lente mas, muito mais, pela formulação da aproximação sensória com esse território.
No trabalho Homem Pedra, do fotógrafo mineiro Pedro David, a investigação caminha pela cartografia de um lugar repleto de cenas preexistentes em nosso imaginário seja afetivo, literário, social, cultural, estético… As imagens de Pedro David perambulam de mãos dadas com referência a obra Grandes Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. De certo, inevitável, não remetermos a ela.
Além dos retratos, a paisagem de morfologia inquietante, rechaça a precisão do estigma da pobreza, fome e miséria tão frequente à imagem do sertão. Suplanta-se tais condições para construir certa poética voltada para a relação estóica entre o homem e este lugar – duro de se manter a sobrevivência.
A luz, o rastro de poeira, a arquitetura, a vegetação e as pessoas passam a encantar pelas fotografias de Pedro David. No entanto, esse encantamento não se formula apenas pela beleza ou raridade da cena, mas também pelo mistério vindos do silêncio e do paradoxo do que podemos vir a imaginar. O devir neste ensaio pode afugentar olhares incautos, a percepção precisa se nortear através de passos falsos… Pelos quais, convenhamos, as imagens inferem mais.
Homem Pedra: espécie de ato litúrgico do estar num espaço muito mais pela imaginação do que pela certeza das pedras.
Por Georgia Quintas
* Texto originalmente publicado em 2010 no Fórum Virtual, blog do Fórum Latino-americano de Fotografia de São Paulo.