A fidelidade do momento presente

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celio-biffi-01Foto: Alexandre Belém – Seu Célio na sua oficina.

Entrevista com Célio Rui Biffi, dono da Trentini, oficina de equipamentos fotográficos que existe desde 1941.

Centro de São Paulo. Região da Praça da Sé. É no número 29 da José Bonifácio, sala 43, que funciona a Trentini & Cia. Ltda. A sala é minúscula, tem um janelão e é compartilhada com Dona Neide, uma costureira. É lá que Célio Rui Biffi, 63 anos, resiste em manter a sua oficina de manutenção e consertos de equipamentos fotográficos analógicos.

Seu Célio tem os cabelos bem brancos. Brancos daqueles que (acho) nunca foram pretos, de tão loiros. Olhos azuis, pele clara e aparência de imigrante polaco, alemão. É de família italiana e seu pai, Arsídio Antônio Biffi, foi o único corintiano numa família palestrina de onze irmãos. “Eu sou corinthiano desde que estava no ventre da minha mãe”, diz Seu Célio. Além do time de coração, Célio Biffi herdou outra paixão do pai: a empresa que foi criada em 1941 e há quase cinco décadas é da sua família.

“iPhone é câmera”, pergunta este entrevistador. “Você me ofende com esta pergunta”, responde o entrevistado com o rosto branco ficando enrubescido. Quase que a entrevista desanda mas foi só um momento de tensão. Criado no bairro do Belém e morador do Parque São Jorge, Seu Célio criou os três filhos consertando máquinas fotográficas. Perguntado sobre herdeiros na profissão, “ainda bem que não”. Um filho é engenheiro, a filha é farmacêutica e o mais novo é administrador de empresas. “Eu não me arrependo do que eu estou vivendo ou vivi. Pelo contrário. Eu vou morrer nisso aqui. Eu faço com prazer”, diz Seu Célio.

Alexandre Belém.

Como surgiu a Trentini & Cia?

A empresa foi fundada por um senhor italiano chamado Amleto Trentini. Ele foi o precursor da empresa. Era na verdade uma sociedade com um primo dele e fabricavam máquinas de madeira. A loja era na rua São Bento e, na rua Piratininga, tinha a fábrica. A empresa se chamava Casa Bernardi. O primo saiu da sociedade e o Seu Trentini continuou com a empresa. Porém, parou com a fabricação de câmeras e ficou somente com a assistência técnica. Meu pai, com doze anos, começou a trabalhar para Seu Trentini como aprendiz e foi pegando a coisa. Meu pai considerava o Seu Trentini como um pai. Ele tinha mais contato com o patrão do que com o meu avô.

Como o senhor entrou neste ramo?

Eu estudava, tinha uns 16 anos e meu pai teve que fazer uma cirurgia e mudou a alimentação. Eu vinha trazer a marmita para ele todos os dias na empresa e ficava olhando o trabalho. A Trentini era na rua de São Bento. Passado um tempo, eu resolvi ficar trabalhando com ele. Nesta época, ele foi trabalhar numa importadora de equipamentos fotográficos para abrir a assistência técnica deles e quando esta empresa fechou, meu pai aproveitou os funcionários na Trentini. Nesta época, começo dos anos setenta, a Trentini tinha mais de dez funcionários e meu pai já era sócio. Eu fui emancipado e me tornei sócio também.

A Trentini era grande…

Sim, naquela época existiam lojas importantes de equipamento fotográfico como a Fotoptica, Cinótica, Lutz Ferrando, Foto Leo e outras empresas que depois fecharam ou faliram. Elas não tinha assistência técnica e terceirizavam o serviço com a Trentini. Fazíamos os consertos para eles e tínhamos muitos funcionários para este serviço. Tínhamos técnicos para conserto de flashes, gravador K7, projetores, máquinas, etc. Eram dois office boys só para recolherem estes equipamentos nas lojas.

Qual o motivo para chegar a situação atual, apenas com o senhor?

Vários fatores e um deles é o progresso. A tecnologia. Isso foi nos anos noventa com a abertura econômica do Governo Collor. Acabou piorando quando abriram para os produtos asiáticos. Outro problema foram os altos custos para mantermos os nossos funcionários. Ficou impraticável. Na mesma época, as grandes lojas tiveram uma derrocada e elas representavam cerca de 60% a 80% do nosso faturamento.

Qual o perfil do cliente da Trentini hoje?

Hoje, não trabalho mais com empresas. Foi minha grande lição. Não posso ficar refém de uma empresa que pode fechar amanhã. Depender de contrato e a empresa quebrar? Você vai junto. Tenho uma clientela fiel até hoje de pessoa física que sempre foi forte aqui na Trentini.

Ainda chega fotógrafo com câmera analógica?

Sim. Vem pessoas com câmeras médio formato, grande formato, colecionadores. Recentemente, fiz uma restauração em duas câmeras grandes de fole. Foi um cliente que trouxe dos Estados Unidos.

Para o senhor qual a diferença da câmera analógica para a digital?

Com a câmera analógica, é o que eu sempre falo, você vai ter a real foto, a fidelidade do momento presente. Não é forjada. Não pode-se comparar jamais um filme com um chip eletrônico. No filme, existe a fidelidade, o dom. Isto é arte, é foto.

E na hora do conserto, existe diferença entre essas câmeras?

Na câmera analógica tem o prazer de ver o mecanismo. As funções, ver o obturador, o diafragma, o mecanismo de transporte, as engrenagens. É muito diferente das digitais que praticamente não têm mecanismo. São placas, sistemas que só precisamos trocar. Deixamos de usar o raciocínio de mecânica de precisão. Uma máquina analógica é uma relojoaria.

iPhone é uma câmera?

Você me ofende com esta pergunta. Deixa até explicar uma coisa para você. Explicar sobre o advento de analógicas para digitais. Essa transformação evolutiva. Acabou o romantismo, a alegria e a sensação de esperar o resultado. A coisa agora é fria e sem apego. A coisa gostosa de querer saber o resultado de uma foto, a revelação, reunir os amigos, a família e projetar as imagens. Acabou tudo isso aí.

Na mesa de conserto, qual a melhor marca: Nikon ou Canon?

As duas são muito boas e respeitadas. A Nikon tem uma mecânica muito bonita.

Rolleiflex ou Hasselblad?

A Hassel sempre foi de ponta. Mas a Rollei, nossa senhora, era a preferida dos fotógrafos.

Qual o defeito mais comum de uma câmera?

Descuido, a falta de cuidado.

E da lente?

Deixar guardada sem uso.

A foto boa é mérito da câmera ou do fotógrafo?

É uma associação. Porém, quem pesa mais é o fotógrafo.

O senhor conserta fotógrafo com defeito?

É difícil. Posso orientar aqueles princípios básicos.

SERVIÇO

Trentini & Cia. Ltda.

Rua José Bonifácio, 29 – Sala: 43 – Centro

São Paulo/SP

Tel.: 11-3242.3801

Comentários 3

  1. Adoro as maquinas analógicas, a minha primeira câmera, foi uma Argos 35mIm aquelas bem antiguinhas! Uma vez rompeu-se aquela fita de broze fosforoso, que a gente virava para carregar a mola de disparo, quem consertou, foi um senhor na rua ão Bento, o Theodoro Ney. Comprava filmes e máquinas na Cinótica, era amigo do gerente o “Toninho” (onde anda ele!)

  2. Muito bom este artigo, Alexandre! Vou tomar a liberdade para replica-lo em nosso blog, para nossos alunos. Caso possa, entreviste também Celso Eberhardt. Tudo começou com o pai dele, alemão de origem, Mago das assistencias técnicas de analógicas. Rua São Bento, 279 – 5. And, Cj 508. Mas telefone antes para marcar, ok (11) 31045402.

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