Os cantos da memória podem ser a paisagem do deserto ou do mar sem fim. A paisagem não é apenas um lugar para que o olhar encontre o horizonte retilíneo, a natureza tranquila como se fosse um porto seguro. A paisagem vai além da contemplação, da lonjura na qual se perde a vida pelo tempo; domestica a distância solene da infância, e a separação madura. Ela nunca cessa em nos invadir pelos seus lados visível e obscuro. A paisagem vagamente irá se tornar um território de símbolos se não a bordarmos na memória.
A paisagem é uma casa. O sobrado. A paisagem é uma mulher.
É o lugar do sensível em alguém. Resistimos precariamente ao que pensamos estar guardado nos rincões afetivos pela experiência da presença. Sendo assim, porque não pensar que o encontro com a memória, em certos momentos, passa pelo gesto em atar-se ao fluxo de reconciliação com o silêncio de quem sobrevoa e encontra certo espaço repleto de significações.
Ada, ensaio poético de Gustavo Lacerda, atravessa pela fotografia a vasta atmosfera simbólica de certo espaço familiar. Vai assim ao encontro do que podemos nominar de apoderamento ao que resistirá em nossa lembrança, mas não à ruína, à disfunção do ser o lugar. Quando a morada das coisas e suas pessoas se rompe, olhar e apreender esse fenômeno significa conservar pela imagem, abarcá-la enquanto ritual de passagem. Os signos muitas vezes emudecem pela nossa certeza concreta em acessá-los, pelo estado da matéria, por simplesmente seguirem existindo de alguma forma. Esquecimento em suspensão. Somente reordenamos suas falas e vozes quando voltamos a tomá-los profundamente em nossa busca por respostas.
Respeita-se as coisas de uma lugar, pela atmosfera sagrada do pertencimento. Salvaguardar imagens, ver por último, amainar a nostalgia e voltar pela recordação para sua própria história é ato de restituição da paisagem, de dar sentido para a vivência de outrora. Diria Gustavo que atrás de cada cheiro recordado sentia a distância e ao mesmo tempo a presença ainda do garoto solitário que adorava passar uns dias naquele sobrado. Diria os filósofos que a paisagem é o espaço do sentir. Diria então, diante de Ada, que voltar à determinada paisagem afetiva é dar chance às metáforas nas quais a nossa memória flutua no mar sem fim de sentidos para a saudade.
Georgia Quintas, julho de 2015.
Para Gustavo Lacerda.
Infos e mais fotos do ensaio, aqui.
Lindo texto nas imagens poéticas de sempre de Gustavo Lacerda! Parabéns aos dois!