Sentinela

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Sentinela, livro da artista Katia Kuwabara, lançado recentemente pela editora Olhavê, durante o processo de edição, colocou-me em estado de silêncio e reflexão.

Estimo as imagens que detalham a observação, o risco imperceptível do estar diante de uma demonstração de perturbação sem igual, de movimentos invisíveis, ancestrais. Caminhar para encontrar um lugar, criar, preencher aquele vértice de intenção de ser-lugar; romper com o antropoceno, desafiar o vento, para ser fantasma, espectro de humano, transformar-se em paisagem.

As imagens vistas, revistas, fixadas na parede, começam a agrupar-se depois de muito, muito tempo. Tempo de fazer as pontes necessárias para dialogar com o material visual de Kuwabara. Como antropóloga, conectar-me (com deferência) às escritoras, as quais eu devo tanto, sinto que por conta delas passei a interrogar-me, ao gerir o processo de edição de Sentinela: o que significa narrar do ponto de vista da paisagem?

A prática do editor não é prever futuros exitosos, estabelecer realidades para a expectativa do artista. Me coloco com as mesmas articulações imaginativas para como escrevo estas breves linhas… A leitura possível que realizei sobre o trabalho de Katia Kuwabara foi de parceria artística. Estar a ver um livro como projeto, é para mim continuar sendo pesquisadora. É estar a trabalhar numa trajetória narrável de como somos transformados por aquele trabalho. Pesquiso a linguagem. Prefiro a trincheira dos símbolos de palavras e imagens.

A natureza não é menos metáfora de um lugar, o qual preenchemos com nossas histórias por sermos o que somos, não é menos lugar por estar aparentemente estática a “espera” do nosso olhar. O sentido polifônico de uma paisagem contribui para reflexões espiralados sobre sentidos em sentinela. Estimo que tenha sido assim, experiência de alguns meses em entrelaçamento entre a artista, a natureza, a busca poética autoral e como percebemos a malha entrelaçada de outras estórias por entre as fissuras das pedras.

As imagens do livro Sentinela construíram um lugar com voz em mim.

Descreveu Donna Haraway: “O mundo é um nó em movimento”.

Pois sim, de certa forma, um livro é também isso, uma junção de encontros, saberes e diálogos silenciosos entre amigas e percepções sensíveis, pelos quais articulam-se em tempos de reflexão. Através da edição, manchas de imagens (como nuvens) começam a costurar redes, friccionar circunstâncias e causar ruídos e ecos, como se fossem seres com organismo próprio que, por fim, ganham um corpo performativo, como assim o reconheço. Portanto, estamos sempre e invariavelmente diante da potência da imagem. Nela, nessa potência ímpar, reside a ação prática em fazermos o nosso melhor, em mergulhar com nas pesquisas poéticas dos artistas.

Um editor trabalha sempre com a alteridade.

Para mim, editar é dar um contributo enquanto dinâmica de observação participativa ao devir dos múltiplos sentidos das imagens.

Georgia Quintas, editora, escritora e antropóloga.

Conheça aqui o fotolivro Sentinela.

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