João Castilho – Parte 2

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A seção “Processo de criação” está voltando com uma segunda rodada de alguns autores. Deixei-os à vontade para apresentarem os resultados (ou o atual processo) da forma que eles achassem melhor: texto, fotos, fotos-legendas, etc.

O primeiro é o mineiro João Castilho, que optou por convidar o mestre em artes visuais Lucas Pivatti para fazer uma entrevista.

Para acompanhar toda a série Processo de criação, clique aqui. Entrevista com João Castilho no Olhavê, aqui.

Fotos: João Castilho | Série Fissura

Entrevista concedida à Lucas Pivatti* – Em outubro de 2009

Gostaria de começar por um ponto que você tocou na última entrevista dessa série. Você disse que nesses trabalhos estava abandonando a figura humana assim como o acontecimento e a história. Você pode falar mais sobre isso?

É que há uma grande diferença no procedimento destes últimos trabalhos em relação aos trabalhos anteriores. Paisagem Submersa, Redemunho, Marie Jeanne, Lote Vago, Chão é Céu são trabalhos centrados no homem, na relação do homem com o meio. Os trabalhos de intervenção na natureza, Linhas, Suturas, Fissuras partem de outro ponto. Trata-se da construção de um espaço, de um lugar para que a fotografia possa agir. Por esse caminho não há muita abertura para o acontecimento, para a coisa achada, encontrada, o acaso, o momento decisivo. O mesmo acontece com a história no sentido da narrativa, nesse procedimento ela não aparece. São dois caminhos diferentes, mas que muitas vezes levam ao mesmo lugar. Várias formas criadas nesses trabalhos recentes remetem ao homem.

Em Fissura tem a figura humana e o desejo.

Sim, aos pedaços, mas tem.

Você disse “criar um lugar para a fotografia agir”. E eu fico pensando que a fotografia nesses trabalhos tem um papel muito importante que é o de registro de algo feito independentemente dela. Mas, se eu visito o lugar onde estes trabalhos foram feitos não preciso mais da fotografia. Por isso eu te pergunto: qual o papel da fotografia nesses trabalhos? Elas são o registro da obra ou são a obra?

Vamos começar do final. Elas são a obra. Se a gente for pensar, toda fotografia é um registro, ou seja, um documento. Se fotografo alguém, esse é o registro daquele rosto. Se fotografo arquitetura é o registro da obra do arquiteto, do engenheiro, dos pedreiros. Se fotografo uma paisagem é o registro daquela paisagem. Então se fotografo uma intervenção o fato de ser um registro dessa intervenção não altera nada, continuamos no mesmo lugar. Você falou que poderia visitar os lugares onde foram feitas as intervenções, mas dificilmente você encontraria alguma coisa lá. Rastros, restos, não mais que isso. As intervenções têm um caráter efêmero e são realizadas para a câmera. É aí onde está a principal diferença. Elas não são feitas para continuarem no espaço nem para serem vistas no espaço. São feitas para serem fotografadas. Então acho que o que marca de maneira bem forte essa divisão entre registro e obra é a intencionalidade.

Ainda pensando a relação da fotografia com um trabalho, uma ação ou um deslocamento feito para ser fotografado. Como você vê a sua produção em relação aos trabalhos dos artistas da Land Art? O que no seu trabalho se aproxima e o que se afasta em relação aqueles artistas?

Para a maioria deles a fotografia funcionava apenas como um vetor. Servia para mostrar em uma galeria, em um museu ou em um livro um trabalho realizado na terra. Eu pego onde eles pararam e coloco nesse vetor tudo que me interessa na linguagem fotográfica. O Robert Smithson falava do poder que a câmera tem de criar vários mundos e chamava esse poder de abominável. Eu não chamaria de abominável mas é esse poder que me interessa.

Série Linhas

Você acha que a relação da Land Art com a fotografia ficou inconclusa?

Sim, porque eles mal começaram a explorar as possibilidades disso. O que foi apontado ali nos anos 1960/70 só foi retomado esporadicamente por alguns artistas depois. É um projeto inacabado, talvez até mesmo não começado. Há muito que pode ser feito. Talvez quem tenha ido mais longe tenha sido o Robert Smithson, porque era um visionário e um gênio. A relação dele com a fotografia não era só de vetor. Ele era um experimentalista. As colagens, os negativos, os grids, as sequências, os monumentos, os nonsites, foram tantas as possibilidades levantadas, mas ele não teve tempo de ir muito além dos apontamentos.

E o Richard Long?

Ele fez obras importantíssimas em fotografia. Todos eles fizeram. A entrada da fotografia na arte nos anos 1960 foi uma das grandes responsáveis pelo fim do modernismo e o começo de algo novo. Que hoje já não é mais tão novo. A fotografia na performance, nas ações, nos happenings, na pintura, no cinema. Tudo isso tem sido bem explorado, hoje em dia então… Mas com a Land Art, com os earthworks, com os projetos de terra acho que se caminhou pouco. Me interessa mexer aí.

Mas você não acha que se caminhou pouco por ter se esgotado rapidamente? O que você acha que ainda pode sair daí?

Isso eu não sei. É o que eu estou tentando descobrir com esses trabalhos. A meu favor eu tenho toda minha trajetória como fotógrafo. Minhas pesquisas em composição, em cor, em luz. É a contribuição que acho que posso dar. Fotografar uma sutura em uma folha usando o jogo de luz, o jogo de foco, criando ambientações. E as próprias questões que as idéias de sutura, fissura e linhas trazem. De um corpo separado que mesmo uma tentativa de juntá-lo novamente se torna vã e deixa marcas. A idéia por traz das linhas e da fissura como algo que está na borda, que não é nem interior, nem exterior. Há sempre uma fissura silenciosa, invisível querendo ser alargada, aprofundada, inscrita na espessura do corpo. A fissura quer tornar-se visível, quer tudo engolir, por isso esta na borda, na fronteira, por isso não é nem interior nem exterior, assim como a linha. Esses conceitos precisam ser trazidos para a imagem, para a montagem.

Que reflexos você acha que essa experiência da Land Art tem nos processos artísticos de hoje? Vê outros artistas trabalhando nessa perspectiva?

Nos últimos anos as preocupações de muitos artistas se voltaram para a cidade. A questão urbana, talvez por ser mais urgente e imediata, dominou boa parte das inquietações artísticas. Se fala e se faz muita arte urbana e com razão. Mas acho que em breve teremos uma volta a natureza. Já está acontecendo. E aí os procedimentos de artistas como Smithson, Long, Heizer, Christo, Oppenhein serão revisitados com mais cuidado. Mas de toda forma vejo que varias questões da Land Art foram assimiladas e digeridas por artistas como Olafur Eliasson, Felix Gonzales-Torres e Paul McCarthy. Aqui no Instituto Inhotim, por exemplo, que é um museu a céu aberto à 60km de Belo Horizonte, essas questões estão bem presentes. Trabalhos de artistas dos anos 1960/70 convivendo com trabalhos de artistas dos anos 2000, todos eles envolvendo a relação com o espaço natural e a paisagem.

Você já mostrou esses trabalhos? Eles estão terminados?

Mostrei partes em São Paulo e na Bolívia. Pretendo mostrar mais um pouco na exposição coletiva do Salão de Pernambuco em 2010, em Recife. Mas ainda não sei como vai ser isso, ainda estamos discutindo com a organização questões de espaço, datas, orçamentos etc.

Você perguntou se eles estão terminados. O processo continua, está aberto, se desdobra, se transforma, se metamorfoseia. O prazo institucional não é o prazo da criação. A gente termina por uma questão prática e burocrática. Entrega o relatório e faz a exposição que tem que ser feita, da melhor forma possível.

*Lucas Pivatti é mestre em artes visuais e jornalista.

Série Suturas

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