Cássio Vasconcellos

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Cássio Vasconcellos é um dos clássicos da fotografia brasileira. Não pela idade… Pela obra. Difícil o seu nome não ser mencionado entre os nossos mais brilhantes autores, com uma trajetória marcada por séries bem construídas e refinamento na execução da imagem. O seu livro, “Noturnos – São Paulo”, e exposição de mesmo nome, fazem parte da história da fotografia nacional como pontos marcantes de beleza e capacidade criativa. O ensaio foi produzido com uma Polaroid SX-70 e o livro é obra fundamental para qualquer biblioteca ou estante de livros de fotografia.

*Colaboração de Georgia Quintas.

cassiov

Cássio Vasconcellos hoje e ontem

OLHAVÊ Como você conheceu a fotografia?

CÁSSIO VASCONCELLOS Comecei a fotografar muito cedo, com apenas 15 anos, em uma viagem de final de semana com meus pais. Peguei a camera do meu pai, uma Pentax SP 1000 com uma lente 35mm. Fiquei tão fascinado com a fotografia que não parei mais, já fazem quase 30 anos. Eu ainda estava no colegial, então estudava de manhã e na parte da tarde ia para a Escola de Fotografia Imagem-Ação e praticamente “fechava” a escola todos os dias, pois sempre era dos últimos a sair. Quando não ia para lá é porque estava em algum canto da cidade fotografando. Foram muitas horas de laboratório e de convivência com outros alunos.

OLHAVÊ Você teve experiências bem sucedidas do lado da publicidade e do fotojornalismo. Conte um pouco sobre essas fases?

CÁSSIO VASCONCELLOS Em fotojornalismo eu trabalhei pouco tempo, mas foi um aprendizado maravilhoso, muito intenso e bem variado. Tem que ser rápido e versátil, sempre preparado para o que vier a acontecer e esta experiência eu levo comigo para sempre. Fiz parte da equipe da Folha de S. Paulo de 1988 a 1989, quando Luiz Caversan foi o editor e promoveu várias boas mudanças, abrindo espaço para fotografia de uma forma inédita nos jornais até então. Fui free-lancer também para a editora Abril e para a própria Folha no período que morei em Paris, entre os anos de 1989 e 1990. Depois disso voltei ao Brasil e fui trabalhar no estúdio da DPZ para aprender fotopublicitária. Lá tinha toda a infra estrutura, todos os equipamentos a disposição e os melhores diretores de arte para aprender. A DPZ foi uma grande escola para muitos fotógrafos. Lá não fui assistente, aprendi vendo os outros fotógrafos e experimentando muito. Como entrei na DPZ foi bem interessante. Tinha acabado de chegar do exterior e por sorte conheci o Petit (o “P” da DPZ) em um evento. Me disse que estavam precisando de um fotógrafo no estúdio e para que eu levasse minha pasta. Mostrei o que tinha, ou seja, meu trabalho pessoal, principalmente a série dos Navios. Não tem nada a ver com publicidade e o Petit adorou o trabalho e perguntou se eu não queria trabalhar com eles. É claro que eu queria, e disse: “Mas Petit, eu não entendo nada de estúdio e nunca usei uma câmera médio formato, fotômetro, flash, nada disso!” Ele respondeu: “Ora rapaz, isso qualquer um aprende, o importante é que você tem olho!”. Comecei a trabalhar no dia seguinte!

Fiquei na DPZ durante um ano e meio e após este período abri meu próprio estúdio. Hoje em dia não tenho mais este tipo de estrutura, acho que não vale a pena. Quando há necessidade, eu alugo um, e agora tenho apenas um escritório em casa.

OLHAVÊ Já nas décadas de 1980 e 1990, você trabalhava com questões hoje chamadas contemporâneas. As suas séries Chaminés (1985), Navios (1989) e Rostos (1991), trazem vários temas bem atuais. Há um traço forte em seu trabalho na elaboração de estéticas bastante expressivas. Como você percebe a ação de criar, intermediando a técnica, em sua poética imaginária como no caso da série Paisagens Marinhas (1993-1994) onde você brinca com o material fotográfico e cria imagens com pedaços de negativos e fita adesiva. Criando colagens num tom surreal. Como se dá este processo?

CÁSSIO VASCONCELLOS A série das Chaminés foi em Nova Iorque, onde passei 5 meses. É uma cidade que já foi fotografada de tudo quanto é ângulo, com muitas referências fortes e o que acabou me chamando a atenção foram as chaminés, pois achei muito estranho estas estruturas que fazem parte do visual da cidade e nunca tinham sido retradadas. Além disso, me marcou muito as pinturas de Giorgio de Chirico que vi no MOMA, também com suas chaminés e sua luz oblíqua, exatamente como a luz que eu estava vivenciando em uma cidade como NY no inverno, bem diferente de nossa luz tropical. Aliás, sempre me influenciou não só a fotografia, mas a pintura, cinema e música. Acho que tudo isso faz parte do meu repertório de referências que me marcaram muito.

O trabalho dos Navios, uma das séries mais marcantes que fiz, foi muito intuitiva. Digo até que começou um pouco ao acaso, pois no meio de muitas fotos que tinha feito com uma câmera subaquática nas praias de Ilhabela, em uma das fotos a câmera ficou meio fora d’água e ao fundo apareceu um dos navios petroleiros. Esta imagem me chamou muito a atenção, percebi ali um potencial fortíssimo para uma série. Aluguei então um pequeno barco e fui navegar perto de todos aqueles imensos navios ancorados no canal de São Sebastião. As fotos foram feitas sem olhar pelo visor, pois queria a câmera encostada na água, então me debruçava na lateral do barco e apontava a câmera para o navio e clicava. Sabia que aquele momento era apenas a captação da matéria prima para o que viria depois. Fiz outras imagens também em Santos, me aproveitando de uma greve de portuários que deixou a Baía de Santos lotada de navios cargueiros ancorados. Já com as imagens captadas, fiquei muitos meses pesquisando qual técnica poderia me proporcionar uma imagem que surpreendesse, que contivesse toda uma carga onírica, uma poética, uma atmosfera diferente.

Depois de muito experimentar, cheguei no processo de interferir na imagem no momento de sua revelação, ou seja, ao invés de mergulhar o papel na bacia do revelador, eu embebi um chumaço de algodão com o revelador e fui passando aos poucos sobre o papel, e assim a imagem ficou com as bordas irregulares e manchas apareceram por toda a magem. Além disto, eu deixei o negativo inclinado no ampliador, e assim algumas partes da foto ficaram fora de foco, contribuindo para a imagem ficar um pouco mais abstrata.O resultado foi um efeito único que serviu especificamente para este ensaio. Desta forma consegui o que queria.

Cada trabalho pede uma forma diferente tanto na forma de como fotografar, de qual técnica utilizar, câmera, etc. Todo equipamento e material fotográfico vem com sua “bula”, e acho interessante é “romper” estas bulas, ou seja, ir além das regras. É muito importante a técnica, mas ela tem que estar sempre em função de uma intenção, e não acima dela.

Na série “Paisagens Marinhas”, a intervenção foi na criação do negativo, e não na ampliação/revelação, como na série dos Navios. Eu imaginei algumas paisagens fantásticas, surreais e a partir daí fui atras das fotografias para compor estas paisagens. Utilizei durex para unir os diversos negativos que compunham a imagem e além disto, queimando partes do durex eu criei uma textura que remete à água, com suas bolhas. Ou seja, com o fogo eu fiz a água. Tudo isto vai surgindo com experimentações, como no caso dos Navios.

Na série dos rostos, usei uma Polaroid SX-70. Foi o típico ensaio feito totalmente em casa, sem sair do lugar. Foram fotos feitas do monitor de uma TV. Eu usei diversos vídeos de locadora, parava a imagem no exato momento em que os personagens/atores piscavam o olho. As fotos foram feitas fora de foco para não parecer que era um monitor com suas linhas. Consegui um trabalho em que cenas de filmes os mais variados possíveis, como aventura, drama, clip, etc tivessem uma unidade. Uma maneira também de mostrar que podemos fazer um trabalho interessante sem precisar viajar e apenas com equipamento simples, como uma Polaroid e um vídeo caseiro.

Roosevelt Island

Fotos: Cássio Vasconcellos

Série Chaminés (1985)

Roosevelt Island 1

Série Chaminés (1985)

"Krakow II"

Série Navios (1989)

Algäu 02

Série Navios (1989)

OLHAVÊ Recentemente, você mostrou várias dessas imagens “antigas” no seu Facebook. Como é esse processo de cascavilhar o arquivo? É um mero escoamento de imagens ou um re-fotografar?

CÁSSIO VASCONCELLOS Adoro remexer em arquivos antigos. Foi assim que saiu a série “Panorâmicas”, que nada mais é que uma releitura de tudo que eu tinha fotografado até então (1994). E esta releitura se deu na forma de reenquadrar as imagens no formato panorâmico, pois os originais são PB 35mm. Além disso apliquei um durex (ele novamente!) nos negativos para adquirir uma textura diferente.

OLHAVÊ O seu livro “Noturnos – São Paulo”, feito com Polaroids é um dos clássicos da fotografia brasileira. A sua relação com a Polaroid foi meramente técnica ou estética?

CÁSSIO VASCONCELLOS A minha relação com a Polaroid vem desde minha infância. Meu pai, que é antiquário mas adora tudo que é moderno, comprou uma Polaroid SX-70 em 1972 ou 73. Esta câmera foi lançada em 1972. Eu tinha apenas 8 anos de idade, na época só existia revelação em 3 dias, e a de 1 hora que encontramos em qualquer lugar nos dias de hoje ainda era ficção.

Então, meu pai chegou em casa com uma máquina fotográfica que nunca ninguém havia visto! Fechada, impossível descobrir o que era, e aberta, de um design fora do comum e de uma beleza indescritível. Ele aponta a câmera para mim, faz a foto, acompanhada daquele barulho que mais parece vindo de um robô, e sai da “boca” da câmera uma foto em que a imagem vai aparecendo em segundos como num passe de mágica ! Dá pra esquecer um momento destes? Difícil talvez para a nova geração entender o que significa isto.

Para provar duas coisas, segue a foto. Primeiro, para provar que esta história é verdadeira, e segundo, para provar que as fotos Polaroid (pelo menos as de SX-70) não desaparecem tão fácil e duram mais que outros processos cor! Esta imagem foi tirada há uns 35 anos e está intacta! Noventa e nove porcento das pessoas acham que as fotos Polaroid não duram nada, desaparecem em pouquíssimo tempo. Não sei o porque disto, mas garanto que não é verdade.

Bem, depois que me tornei fotógrafo, claro que me lembrei da Polaroid e assim que pude, já em 1984 comprei uma, quando estava em Nova Iorque. Ainda usava pouco, pois o filme era muito caro. Fiz a série dos Rostos em 1991, mas mesmo antes disto comecei a fotografar São Paulo em 1988, o início do “Noturnos São Paulo”. Parei por 10 anos e retomei em 1998 e fotografando até 2002, ano em que editei o livro e fiz a exposição na Galeria Vermelho. Fiz todo o trabalho de Noturnos com a Polaroid pois o resultado que proporciona é único, com sua textura e cores diferentes.

OLHAVÊ Algum fotógrafo ou trabalho (Militão, Mascaro, etc) sobre a cidade de São Paulo foi inspiração ou referência?

CÁSSIO VASCONCELLOS O trabalho do Mascaro com certeza foi uma grande inspiração e referência! Suas fotos são marcantes, sempre trabalhando a luz de uma forma impecável e imagens sempre muito gráficas e belas. É um fotógrafo que faz um ensaio de sua própria cidade durante muitos anos, sempre investigando, perambulando pelos lugares mais inesperados e nos surpreendendo. É um belíssimo trabalho sobre São Paulo.

OLHAVÊ Qual a importância da publicação de um livro na carreira de um fotógrafo?

CÁSSIO VASCONCELLOS Um livro é sempre muito importante para qualquer fotógrafo, pois é a melhor forma para um trabalho permanecer vivo por muito tempo. No meu caso, “Noturnos São Paulo” foi fundamental para divulgar e mostrar o trabalho por completo, com uma edição pensada para isto, com os textos, etc. Há muitos fotógrafos que nem expõe, e direcionam tudo para finalizar na forma de um livro.

rosto#1

Série Rostos (1991)

rosto#3

Série Rostos (1991)

Paisagens Marinhas#1

Série Paisagens Marinhas (1993-1994)

Paisagens Marinhas#11

Série Paisagens Marinhas (1993-1994)

Fura-Fila#5 (2002)

Série Noturnos – São Paulo – Fura-Fila#5 (2002)

Memorial da Am. Latina#1 (2001)

Série Noturnos – São Paulo – Memorial da América Latina#1 (2001)

Torre TV Bandeirantes#1 (2002)

Série Noturnos – São Paulo – Torre TV Bandeirantes#1 (2002)

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