Eustáquio Neves

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Somos (eu e Georgia) simplesmente apaixonados pela obra do doce e gentil Eustáquio Neves. Uma honra contar com um perfil dele por aqui, escrito pelo amigo Moracy Oliveira.

Há pouco, publicamos três obras inéditas de Eustáquio na seção Foto guardada. Também, temos um pouco dele na curadoria Ecos híbridos, de Georgia Quintas. Para conhecer mais da obra de Eustáquio, sugiro o post que fiz para o Sobre Imagens.

Os nossos outros perfis: Hans Gunter Flieg, Carlos Moreira, Penna Prearo e Luis Humberto.

Alexandre Belém.

retrato-eustaquioFoto: Moracy Oliveira – Eustáquio Neves em sua casa, Diamantina, abril de 2014

Por Moracy Oliveira.

Juatuba, Minas Gerais, 1968: a rodoviária, a mala, a passagem, a mãe. A despedida na porta do ônibus.

Aos 13 anos Eustáquio Neves deixou a cidade onde nasceu para não mais voltar. Foi trilhar os seus caminhos no mundo. Queria conhecer o que havia atrás das montanhas.

Diamantina, Minas Gerais, 2014: Lilian Oliveira, a mulher; Zé Miguel e Maria Teresa, os filhos; a casa e ateliê construídos na divisa de uma área de proteção ambiental.

Agora Eustáquio Neves vive atrás das montanhas, faz parte da paisagem que buscou conhecer, e se tornou um dos mais singulares fotógrafos contemporâneos.

Entre uma data e outra criou suas trilhas, acumulou camadas de experiências, mixou vivências, juntou cacos do bem e do mal vivido, construiu um patrimônio existencial e uma consciência crítica afiada. E é essa consciência crítica que reveste uma fotografia reconhecida nacional e internacionalmente como um relevante mergulho no caos que convive com o contemporâneo de aritmética monetária e revela de forma contundente a identidade da negritude em terras que já foram de Santa Cruz.

Seus trabalhos estão espalhados por vários países europeus, africanos, americanos, além de fazerem parte de inúmeras coleções nacionais, de acervos museológicos. Seus ensaios motivam teses acadêmicas e sua presença é sempre requisitada em festivais de fotografia nacionais e internacionais. A unanimidade crítica parece não lhe afetar, nem ao seu trabalho que continua crítico, experimental, com suporte em várias mídias, e mergulhado cada vez mais nas próprias raízes.

DOS GIBIS AO VIOLÃO

O menino que tomou o ônibus em direção a Belo Horizonte para morar na casa de um tio era viciado em gibis. Colecionava. Adorava Tarzan, Fantasma, Mandrake. Rabiscava desenhos. Morria de medo mas estava sempre lendo revistas com histórias de terror que um enteado da mãe lhe franqueava. Na casa do tio conheceu Machado de Assis, a coleção completa. Leu todos os volumes, precocemente. Não perdia um número de Seleções Reader’s Digest. Era curioso.

Gostava de arte, encarou um curso de violão clássico durante dois anos. Ficou com o popular porque desconfiou que com o clássico não se saia muito bem. Garante que era bom nas cordas tocando Caetano e MPB. Aonde ia, levava o violão pendurado no ombro, uma segunda pele. Tímido, tocava para fazer amigos. Bastava sentar em qualquer lugar e começar a dedilhar e já reunia gente. Seguia com a nova turma pelo caminho que ela tomasse.

Avisava a mãe: “vou passar o fim de semana em Ouro Preto”. Dois dias depois, com os novos amigos conquistados na roda de violão, estava no Rio de Janeiro. Dias depois podia ser encontrado tocando em bares em Paraty, ou seguindo para São Paulo.

Seu lugar preferido era Diamantina, onde visitava as meninas e a cidade, nem sempre nessa ordem mas sempre acompanhado do violão. Nas vielas estreitas, cheias de bares, era conhecido como Anjo, apelido que colou nele após ter assumido esse papel num exercício de descontração, durante um workshop de música do maestro baiano Lindembergue Cardoso, realizado ali mesmo.

“Onde eu passava era assim que me chamavam, me cumprimentavam, não tinha jeito. E eu dei lucro para muitos botecos da cidade com o meu violão”, recorda o fotógrafo.

O QUÍMICO QUE VIROU FOTÓGRAFO

Era preciso ter uma profissão. Matriculou-se no curso de Química da Escola Politécnica de Minas Gerais. Concluiu o curso em 1980 e enfrentou um estágio de seis meses no Ministério da Agricultura antes de seguir para seu primeiro emprego na cidade de Niquelândia, no meio Norte de Goiás, como funcionário da Níquel Tocantins, pertencente ao Grupo Votorantim.

Lá conheceu o trabalho duro, de poucas folgas, companheiros interessados em seguir carreira, chefias exigentes, nada do que o emocionava. Não se via, nem se enquadrava no espírito desse ambiente, mas ficou por lá os próximos cinco anos.

Distante de Belo Horizonte, voltava pouco à cidade. A logística era complicada: um ônibus até Brasília, depois outro até a capital de Minas. Se o primeiro se atrasasse, o que era comum, perdia o segundo e teria que esperar o próximo, que só viria no dia seguinte. Para visitar a mãe precisaria de uma folga de no mínimo dez dias, “mais uns dois, mediante atestado médico”. Preferia ficar, andar pela região, conhecer a natureza local, uma de suas paixões.

Um dia resolveu fotografar o que via. Ocuparia seu tempo vago. Comprou uma Yashica FXD Quartz, e nas folgas se perdia pela região, fotografando. Fotografava, principalmente paisagens, e mandava revelar e ampliar. Tomou gosto e começou a estudar as técnicas fotográficas através de uma publicação periódica da Rio Gráfica Editora. Luz, composição, filtros, tudo interessava no seu aprendizado. Seu público era o dos colegas e chefes do trabalho.

Ai um desses colegas perguntou se venderia uma dessas fotos. Queria mostrar a imagem de onde vivia para a família. Vendeu. Em seguida, um outro também quis comprar, depois outro, depois mais outro. Alguns pediam certo tipo de foto. Fazia. E retrato? Um outro quis que fizesse um para mandar para a namorada distante. Fez. Vieram outros, os filhos do chefe, gente de fora da empresa. Tornou-se conhecido e passou a ser chamado para aniversários, batizados, casamentos, festas. Transformou-se no segundo fotógrafo da cidade. Nem precisava mais usar o salário mensal para saldar suas contas. A fotografia já era suficiente para o seu sustento e poupança.

Seu chefe imediato lhe prometeu demissão e direitos quando quisesse se tornar fotógrafo. Nos meados de 1985 aceitou a oferta. Na volta para casa, de carona numa velha Brasília que possuía uma das rodas defeituosa e furava o pneu a toda hora, o dinheiro da viagem acabou antes da chegada, diante de mais um borracheiro. Não teve dúvida, trocou o violão, que ainda carregava, por um pneu que permitiu terminar a viagem em Belo Horizonte.

“Nunca mais tocou”, diz Lilian, a esposa.

O AUTOR

O dinheiro recebido e guardado foi suficiente para comprar equipamentos, montar um pequeno estúdio, e começar a trabalhar em Belo Horizonte. Fazia o que aparecesse: de books a reportagens, de retratos a casamentos. Logo montou um grupo de estudos com três amigos. As discussões giravam em torno de técnicas. Todo sábado, uma reunião, em rodízio, cada semana na casa de um.

Seu fotógrafo preferido, aquele que lhe chamava a atenção nesse período? Cartier-Bresson.

Não, ele não queria fotografar como o francês, seguir sua cartilha. Era um fotógrafo que admirava. E, na verdade, não cultivava muitos fotógrafos, preferia a pintura, especialmente a do espanhol Diego Velasquez, a quem atribui alguma influência na sua fotografia. Mas influência mesmo ela considera ter vindo do cinema.  Via de tudo na telona, principalmente filmes de arte e os marginais. Apocalipse Now, Blade Runner também estão na sua memória. Quem lhe deixou as melhores lições foi Wim Wenders.

“Fui ver Paris-Texas e na cena em que há um personagem sentado no capô de um veículo, olhando para o deserto, percebi que tinha uma foto muito parecida com aquela imagem. Não igual e sim parecida. Vi tudo dele”.

As influências, no entanto, não o tiravam do foco: queria ser fotógrafo publicitário. Já fazia alguns trabalhos para agências menores. Uma foto encomendada por uma delas para um anúncio de uma franquia do Colégio Pitágoras soterrou esse desejo. Era de uma corrida com troca de bastão. O modelo, um amador, era o irmão do dono do colégio. Odiou a foto, a agência gostou, pediu que não lhe dessem crédito. Desistiu da publicidade.

Num concurso promovido pelo Palácio das Artes de Belo Horizonte, ganhou o primeiro prêmio: um curso básico de fotografia e uma excursão coletiva de ônibus. Nenhum deles interessava. Foi negociar uma troca por algo que pudesse valer a pena. Um workshop do Festival de Inverno da UFMG, ministrado pelo fotógrafo Eduardo Castanho valia. Foi.

Uma das atividades incluídas no workshop era a leitura de portfólios. Levou o seu, o primeiro que fazia fora de seu trabalho cotidiano, um ensaio com a visão de um usuário sobre uma viagem no metrô recém-inaugurado de Belo Horizonte. Eram imagens cheias de movimentos. Durante a leitura, ainda tímido, quase desistiu de mostrar o seu, o que não fez devido à pressão de um amigo que o acompanhava.

Castanho, ele conta, abria os portfólios e ia virando as fotos, uma a uma. Quando terminava, pegava outro portfólio e repetia o gesto, virando as fotos e logo passando para o próximo. Quando chegou a vez do seu, Castanho virou as fotos, uma a uma até o fim, como vinha fazendo. Ai voltou a olhar, uma a uma, todas as fotos, vagarosamente. Na hora de comentar o que vira naquela sessão de leitura, Castanho pegou seu ensaio, olhou novamente, e falou que ali havia um trabalho efetivamente pessoal, um trabalho de autor.

Trabalho de autor? Ele não sabia bem o que cabia nesse conceito, não era ligado em discussões dessa área, mas gostou. Era hora de se assumir como autor. E foi o que fez, praticamente deixando de lado a fotografia comercial.

A PRODUÇÃO

No início dos anos 1990, uma exposição de Arthur Bispo do Rosário, na Pampulha, em BH lhe deu o caminho que agora sim, iria trilhar: a da fotografia não mais algemada a um momento ou a representação de um recorte de alguma realidade, e sim presa a uma ideia que não se materializa num simples clique. É quando a manipulação das imagens entra em seu repertório. E sua fotografia passa a fazer parte, e ilustração, do que vem sendo chamado de fotografia expandida.

A manipulação, tão lembrada quando se fala nos trabalhos de Eustáquio, pode ter um valor em si, e em alguns casos ser a técnica e o próprio significado de uma obra. No caso dele é ferramenta que usa com habilidade como agregador de significados, elemento de interferência aleatória para solapar leituras realistas, um instrumento que constrói os contornos de uma ideia. Distante da ideia matriz que conduz a obra, nada significa.

A fotografia de Eustáquio nasce sempre de uma ideia, não de uma inspiração, essa sensação que tanto a teologia como a psicologia tentam estabelecer como a gênese de uma obra. A ideia, no fotógrafo, é resultado de muitas variáveis. Vem da sua experiência de vida, de uma pesquisa em arquivos, da memória de uma imagem, da intenção de produzir algo definido. Qualquer que seja a origem, ela se consolida através de seus conceitos sobre a vida, sua percepção das diferenças, sua identidade e história.

A ideia dispara o processo de construção mental da obra – uma foto, uma série de fotos, um ensaio, um vídeo, uma instalação, ou tudo isso junto. É longo e envolve memória, pesquisa, documentos, experimentos, cortes, fragmentos, tomadas de fotos.

Oxóssi, recentemente exposto do Museu Afro-Brasileiro, em São Paulo, e que pode ser visto aqui, nasceu de uma pergunta que se fez: porque ainda não fotografei Diamantina? Provavelmente não se referia à cidade de tijolos, areia e pedras e sim àquela que guarda o suor negro nos seus becos, nas pedras do seu calçamento e onde, nas madrugadas, o vento traz, baixinho, o murmúrio dos 400 escravos rebelados em busca de liberdade em 1864.

Resolveu encarar o desafio. Fotógrafo de profunda identidade com os cultos e rituais africanos, escolheu cinco santos como ideia inicial, numa cidade que  ainda conserva vivo um catolicismo tradicional. No processo, foi eliminando alguns desses santos até chegar a um único, no caso São Sebastião, o soldado-santo condenado a morte por flechadas devido a sua brandura com os inimigos. No sincretismo brasileiro São Sebastião é Oxóssi, o provedor, aquele que vive intensamente, que conhece os mistérios da floresta, é astuto e cauteloso e carrega uma única flecha, que não pode errar, na sua caçada. Eustáquio se descobriu filho de Oxóssi. Oxóssi é seu Orixá. Toda a arquitetura mental da obra se fez, se definiu: Diamantina era sincrética, era São Sebastião, era Oxóssi, era o negro, era a flecha transformada em punhal, era ele, um autorretrato.  Era questão de realizá-la no seu ritmo, em seu laboratório.

A terceira fase na construção das fotos de Eustáquio é aquela que materializa a ideia e o processo. Acontece no laboratório e exige conhecimento técnico e habilidade para operá-la. Inclui demarcações precisas no papel sensível para as várias impressões que virão, o uso de vários negativos, restos de imagens, escrita e desenho sobre o papel, refotografar, tudo feito em silêncio. “Gosto de ouvir o som ambiente quando trabalho”, explica.

tripticoObra Oxóssi

DE MINAS PARA O MUNDO

Seu período em BH, que vai até 1999, é aquele que o revela ao mundo. Por intermédio do pesquisador, professor e crítico Rubens Fernandes Junior chega ao Mês da Fotografia em São Paulo e começa a ser conhecido além-fronteiras. Ganha prêmios significativos, como o Marc Ferrez, em 1994, o nacional de fotografia da Funarte, em 1997, o JP Morgan, também 1997, uma residência artística de seis meses na Inglaterra, junto a Gasworks Studios and Triangle Art Trust, com suporte da Autograph, de Londres. Seu currículo se expande e firma seu nome como um dos principais fotógrafos brasileiros. As datas de alguns de seus ensaios são significativos da inquietude criativa desses anos. Caos Urbano (1992), Arturos (1993-1997), Futebol (1998-1999), Objetivação do Corpo (1999-2000).

O século 21 encontra Eustáquio em São Paulo. A mulher frequenta o curso de História, na USP, ele cuida das crianças e de fotografia. Caseiro, trabalha num laboratório doméstico, o mesmo que usa para dar aulas para a primeira turma da Faculdade de Fotografia do SENAC. É ali que nasce Máscara da Punição, um de seus ensaios mais fascinantes.

Neste, a ideia e processos foram rápidos, resultados de observação, memória, arquivo e a sua permanente imersão nas próprias raízes. Ao ver uma foto de sua mãe, imediatamente lembrou de uma máscara usada na punição de escravos por roubo de alimentos e para evitar que extraviassem pedras nos garimpos de diamante. Ele a havia visto, e fotografado, no Museu do Escravo Belo Vale, em Minas Gerais. A imagem da máscara e a da mãe estavam no mesmo ângulo. O passado de violência e o presente de desigualdades em que sua mãe batalhou duro para criar os cinco filhos, deflagram o processo, os caminhos da criação. O passado deixa marcas que o presente não apaga. Desceu ao laboratório e horas depois o ensaio estava pronto: a mãe, a máscara, a punição, as marcas que ficam, a representação na própria carne daquilo que doeu, e continua doendo na história do país.

Foi a primeira vez que se apropriou de uma imagem que não é sua, aquela da mãe, confessa. O que faz com que Maria Teresa, a filha, deixe o celular de lado por alguns segundos para dizer que agora até de fotos dela ele se apropria.

DE VOLTA ÀS GERAIS

Em 2005, Eustáquio e família toma o caminho para casa em Curralinho, pequeno povoado próximo a Diamantina e terra de sua mulher. Quer dizer, tentaram tomar.

“Descobri que havia entrado na estrada errada quando vi a placa Benvindo ao Rio de Janeiro.”

Curralinho é calma e Eustáquio logo descobriu que tudo o que necessitava só se achava em Diamantina. Quando percebeu que passava mais tempo lá do que em casa, reuniu a família e mudaram-se todos para Diamantina. Alugou uma casa. Perto havia outra, um sobrado com a parte térrea que daria um bom bar. Deu. Depois de uma baita reforma inaugurou o Câmara Clara.

Câmara Clara? Um enclave semiótico no Jequitinhonha? Um refúgio colonial pós-existencialista em parede e meia com Xica da Silva? Nada disso. Lugar para os amigos se reunirem, lugar para beber, para músico tocar, para artista expor na galeria ao lado, a Galeria Maria, nome que homenageou a filha. E depois, faz questão de esclarecer, seu livro de cabeceira era A Filosofia da Caixa Preta, de Vilém Flusser.

Durou dois anos. Passou o ponto. O novo ocupante, o então fotógrafo paulistano Ahmad Kamal Issa havia ido a Diamantina para participar de um workshop de Eustáquio, o que nunca conseguiu. Chegou uns dias antes da inauguração do Câmara Clara e, conta, ao invés de fotografia, foi posto a trabalhar nos arremates da obra para a inauguração. E foi ai conheceu uma moça da cidade, ficou, casou e quando Eustáquio deu sinal de querer sair, assumiu para transformar o local num restaurante. Nem sabia cozinhar. Mãe e irmã ensinaram os pratos familiares que fazem a fama do local. E se você ao chegar ao Al Arabe e encontrar logo na mesa que fica a entrada uma família composta por um homem magro, de sorriso largo, uma mulher bonita de expressão séria e um casal de filhos adolescentes, envolvidos com celulares e fones de ouvidos você estará encontrando Eustáquio Neves e família, frequentadores habituais do local. Foi assim que os encontrei a primeira vez.

A CASA EM CAMADAS

Um bom momento no mercado da fotografia, onde atua direto, sem intermediação de galerias, permitiu que ele e a mulher Lilian construíssem uma casa, ladeada por um ateliê que oferece para residência artística. Antes da casa, conseguiram transformar uma pequena trilha em rua e ainda lhe dar o nome. Eustáquio mora hoje na Rua Arthur Bispo do Rosário.

Sua casa mimetiza seu processo de trabalho. Construída na divisa de uma área de proteção ambiental, da qual a família se tornou guardiã informal, ela tem três pavimentos, amplos espaços e vários fragmentos de origem distinta que vão constituindo sua estrutura, decoração, e seu ar familiar. No piso inferior há placas oriundas de um Fórum, antigas lajotas conseguidas por breganha com um comerciante local e um fogão a lenha. No piso intermediário, janelas que pertenceram a um grupo escolar, uma mesa feita com madeira reciclada, poltronas reformadas e de origem e desenhos variados, tudo contrapondo a uma cozinha gourmet, com equipamentos atuais. No piso superior, quartos e um home theater. Como sua fotografia, a casa harmoniza tempos históricos diferentes em sucessivas camadas, muitas delas construídas com as próprias mãos. Não sem ironia, diz que sua verdadeira obra é uma parede que construiu, tijolo a tijolo, junto ao fogão a lenha.

Ao lado, e com entrada independente, está seu ateliê, também em três pisos. É ali onde trabalha e onde oferece residência artística a quem se interessar, sendo possível aceitar dois a cada vez, com bastante conforto. No superior estão os dois dormitórios e uma sala e livros, no do meio, área de convivência com fogão, mesa, cadeiras e livros. No inferior, o laboratório, com quarto escuro e ampliadores e toda a tralha necessária ao processo analógico. Ele não usa digital.

E o arquivo? Ah! Filmes enrolados e guardados em sacos plásticos mas com uma ressalva: “aqueles que acho poderei usar estão separados e protegidos”, explica sorrindo e sem se preocupar muito, já que sua fotografia não é constituída pela tomada única e sim construída. Um negativo fungado pode até ser incorporado a uma ideia. Atualmente fotografa pouco, “só quando a fotografia me chama ou alguém me encomenda algo. Gosto de trabalhar por encomenda”. Encomenda aqui significa convite para uma exposição, para um evento, para uma publicação, se apressa em explicar.

Eustáquio para pouco em Diamantina. Vive viajando para realizar workshops e palestras. Quando têm residentes, participa ativamente na discussão e elaboração de projetos e obras. Gosta de discutir o trabalho dos outros. No momento se dedica a uma obra para a Bienal da Bahia. A ideia surgiu quando consultava um arquivo público em Salvador e encontrou um antigo auto policial de apreensão de objetos e instrumentos usados no candomblé. É sobre esse auto que vem trabalhando, a sua maneira.

Projeto futuro apenas um, com a participação do filho, sobre skate. “Já tenho uma ideia do que vou fazer”. Só não sabe quando.

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