Uma colaboração do fotógrafo Juan Esteves para o Olha, vê. Um texto que ele recorda pessoas, fatos e fala de fotografia.
Foto: Juan Esteves | José Sarney, 1990
Bye-Bye Sarney (ou saudade do mestre Gil Passarelli)
Juan Esteves
Tenho um amigo que não é fotógrafo, nem jornalista (coisa rara para um fotojornalista) que diz que o bom de envelhecer é que acumulamos muitas coisas na vida. O ruim, é que esquecemos onde as colocamos! Pois é, passei esta semana procurando esta imagem de José Sarney, (feita durante a posse de Fernando Collor em Brasília, em 1990) em caixas e mais caixas onde guardo prints remanescentes do meu trabalho como fotojornalista diário. Vez ou outra sou impelido profissionalmente ou nostalgicamente a uma busca atrás desta ou daquela imagem, que lá no fundo da minha já decadente memória acho que fiz. Algumas vezes, talvez, imagino que fiz!
Alguns anos antes de deixar o jornal, cerca de 4 anos, comecei a fazer uma coisa de louco. Fotografava para mim e para o jornal simultaneamente! Insano mesmo! Usava a câmera do jornal para cor, e a minha M6 para P&B. Bom desnecessário dizer que as vezes o privilégio era para uma só, e creio que era mesmo para o P&B, minha paixão que não acaba. O transtorno vinha junto. Não se pensa em cor e P&B da mesma maneira. Para mim são duas linguagens muito diferentes. Mas eu me desdobrava em dois, pensava como dois, e dividia meu tempo em dois, tentando fazer isso!
Não que uma maneira seja melhor que a outra, mas são diferentes. Também não tenho nenhum preconceito com a cor, e acredito piamente nas palavras de Edward Weston que dizia que o preconceito dos fotógrafos em relação a cor é não pensarem nela como forma. Mas através dela é possível dizer coisas que são impossíveis em preto e branco. Li isso quando nem mesmo tinha uma câmera e ainda hoje penso nisso. Nesta época acabei virando uma espécie esquisita na redação: aquela do fotógrafo que possui o próprio arquivo. Hoje talvez, com a maioria dos fotógrafos sendo colaboradores e trabalhando com mídia digital, talvez não tenha muito significado, mas naquela época tinha e muito.
Em 1985 “meu colega de redação”, o grande fotógrafo Gil Passarelli, o famoso “Gil Papá” estava comemorando 50 anos de fotografia! 50 anos de trabalho em qualquer lugar do mundo é motivo de uma super festa! Aqui, no Brasil, deveria ser mais importante ainda! Gil vinha desde os Diários Associados! Tinha passado pelos grandes eventos de décadas! Já era uma lenda viva, mas não titubeava em compartilhar conosco, pobres iniciantes, suas enormes experiências. Suas histórias fascinantes preenchiam os sonhos de qualquer um, como eu, que queria ser um “fotojornalista”!
Numa antiga revista Atualidades Cinótica, tem lá uma foto dele, em 1945, recebendo o novíssimo kit dos fotógrafos! A sensacional Speed graphic! 4X5″. Pois é, há quem ainda use esta bela câmera, mas Gil Papá morreu há alguns anos. Naquela época, ele foi homenageado: Ganhou um sensacional folder de 6 páginas, pequeno e mal impresso, com algumas de suas poucas imagens históricas sobreviventes de um magnífico arquivo, que não foi preservado pela direção da empresa em que trabalhava. Creio que era no máximo umas 10 imagens! No instante que vi a “homenagem” pensei comigo, acho melhor eu cuidar do meu trabalho!
Além de obviamente o arquivo ser uma fonte de renda, permite que a gente tenha nossa própria memória preservada. E, nestes dias nefastos, quando a classe política nos insulta sem pena alguma, recorro as imagens guardadas em caixas e arquivos. Passei a semana lendo textos e mais textos, um melhor que o outro narrando nossa desventura de ter políticos indecentes. Quando pensamos que chegamos ao fundo do poço, eles conseguem cavar mais fundo e prosseguem com a infâmia. Vergonha se tornou uma palavra inexistente no vocabulário deles, e a afronta ao cidadão brasileiro se tornou uma coisa corriqueira. Por vezes pensei em me manifestar, as vezes recorto textos, e indignado envio aos amigos, contudo… a fotografia está sempre aqui…
Esta imagem da despedida do José Sarney para mim era emblemática. Em 1990, parecia ser o fim de uma época nefasta de alguém que tinha subido ao poder indiretamente, usado e abusado de suas benesses, e que felizmente ia ser substituído. Não me lembro exatamente como fiz, pois estava também fotografando o outro: aquele que estava chegando, Fernando Collor. Felizmente com este nem mesmo cheguei a ter a inocência de achar que seria melhor que seu antecessor, e a história comprovou isso. Mas a história também prega peças na gente, e eis que o mesmo Sarney retorna, usa e abusa das benesses, again, e mais uma vez, again, está em vias de ser expelido! Não mais com esse sorriso na foto, como a pensar: Não sejam otários, eu voltarei! Mas como um tumor em estado terminal que deve ser extirpado.
A diferença daqueles tempos para hoje é que um certo candidato derrotado, naqueles dias, teria pensado da mesma maneira que eu. No entanto, cumprindo seu segundo mandato, usando e abusando das benesses, again and again, sempre usando das benesses, sai em defesa do que hoje, esse já doente senador, como os encarquilhados de Roma, representa: a podridão institucional brasileira. Contudo, Oxalá! Como diria Verger, este adeus, registrado há quase 20 anos se repita! Oxalá, que seja em breve!