Eduardo Brandão

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Ana Maria Tavares | Guarda corpo, 1996

Eduardo Brandão: um discurso amoroso sobre colecionismo

por Georgia Quintas

Há discursos, falas que presenciamos – seja onde for – que se tornam experiências documentais em nossa memória. São momentos inspirados de pessoas que a partir de uma temática colocam questões, problematizam situações, vislumbram hipóteses e análises fundantes para o nosso saber. Assim foi a palestra com Eduardo Brandão e Miguel Chaia, linda, profunda e emblemática. O tema proposto pelo SPA das Artes (evento promovido pela Prefeitura do Recife, na semana passada), sobre Mercado e Colecionismo foi o mote para o encontro entre dois amigos que falavam em sintonia.

Miguel Chaia, grandes considerações em eloqüência primorosa. Sua fala, uma clássica aula dada por um generoso professor. Sua visão sociológica a respeito dos processos que abarcam o mercado contemporâneo do colecionismo me valeriam um outro texto. A realidade mercadológica esmiuçada através de reflexões epistêmicas relevantes, com grande habilidade em nortear a teoria com exemplos do nosso entorno, poderia não ter fim.

Não menos antológica, se fez a apresentação de Eduardo Brandão, fotógrafo e sócio de uma das galerias brasileiras mais expressivas, a Vermelho (SP). Já havia assistido Brandão em duas ocasiões, aqui mesmo no Recife, e, por isso, pensava (assim como ele) que iria falar de fotografia e da galeria. Desta vez, seria diferente, conheceríamos Eduardo Brandão, o colecionador.

Pela primeira vez, Brandão falou sobre sua coleção. Nos confidenciou uma perspectiva bastante intimista e passional. De forma sublime, o discurso de Brandão revelou que vida, arte e amizade são fatores inexoráveis ao seu ato de colecionar.

Ao dizer certas coisas, o mercado do colecionismo se fez representar pelo que há de ontológico em sua raiz: a paixão, o gostar, o cuidar, o contemplar… “O gesto de colecionar é tentativa de entender o outro”. Afinal, para ele, a arte é entendimento da vida.

Nos anos 80, se inicia a coleção de Eduardo Brandão. Envolvido com a cena artística daquela época, com amigos como Leonilson, Leda Catunda e Daniel Senise, surge a “guarda” afetiva que pontua as fases de sua vida. Numa espécie de defesa, justifica que fala na primeira pessoa de “sua” coleção, a despeito da força autoral do artista, porque se começa a viver e a se alimentar através das obras de sua coleção. “Minha coleção no fundo é um documento da minha vida”, discorre.

Brandão desmistifica a hegemonia do dinheiro ao considerar que pesquisa, envolvimento e dedicação (além da moeda) constróem uma coleção em sua magnitude. Um dos aspectos marcantes em seu ato de colecionar é o campo de reflexão estabelecido pelo envolvimento com os artistas e amigos.

Em seu relato emotivo, ante ao valor patrimonial em possuir uma coleção, Brandão expõe: “Pode ser investimento pela importância da convivência que meus filhos e amigos deles tem em ver arte”.

Há três anos, sua coleção de cerca de 370 obras (entre pinturas, desenhos, fotografias e objetos) está em regime de comodato no Museu de Arte Moderna (MAM), de São Paulo. Apesar do que suas obras possam significar em termos de cotação, fica claro o valor sentimental para a continuidade de sua vida.

O relato de uma possível posição ambígua de um colecionador-galerista não se faz presente. O que fica é um discurso, do começo ao fim, visceral sobre a esfera subjetiva e simbólica ao colecionar. Não poderia ser diferente vindo de uma pessoa que diz que sua coleção faz parte do seu corpo, igual ao calcanhar.

Eduardo Brandão cuida bem do que coleciona. Pode chamá-las de “suas”, sim!

Marcius Galan | Sino, 1998

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