Fotografia: teatralização do olhar

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Fotos: Christina Rufatto/Itaú Cultural

Mesa com François Soulages, Jean-Luc Monterosso (mediador) e Rubens Fernandes Junior

Fotografia: teatralização do olhar

por Georgia Quintas, São Paulo

Em que pese a representatividade dos palestrantes François Soulages e Rubens Fernandes Júnior no campo teórico, do ensino e do pensamento crítico sobre a linguagem fotográfica, o penúltimo dia do Seminário Internacional de Fotografia tornou-se história. A importância da literatura e construção de conhecimento que Soulages e Fernandes Júnior produz são referências teóricas fundamentais para o entendimento da historiografia e filosofia fotográficas.

O encontro teve a mediação precisa de Jean-Luc Monterosso, diretor de La Maison Européenne de La Photographie de Paris. Monterosso também é co-curador, ao lado de Eder Chiodetto, da exposição “A Invenção de um mundo” (Itaú Cultural).

Dois mestres, duas perspectivas hermenêuticas reveladas com a clareza dos grandes professores. Nesses três dias, o argumento proposto de descortinar os fenômenos que involucram a criação, a imagem, a recepção, o imaginário e o arcabouço perceptivo fotográficos foram minuciosamente discutidos. A magnitude de eventos como esse reside exatamente na rica contribuição reflexiva de aglutinar várias linhas teóricas.

“O artista não está aqui para dar respostas”. “Na fotografia não reproduzimos, mas sim produzimos”. “O homem é aquele que inventa um mundo”. Esses foram alguns dos axiomas desconcertantes que o professor Soulages, filósofo da Universidade de Paris 8, nos brindou em sua fala. Explico melhor o desconcertante: François Soulages é uma dos maiores intelectuais vivos da França. E, portanto, sua abordagem antropológica congrega vários conceitos imprescindíveis para a compreensão da produção de significado e a rede simbólica que se estabelece entre a fotografia, o mundo, a cultura e as pessoas.

Seu discurso, magistralmente construído, deu ênfase ao fenômeno da interpretação, pois o olhar antropológico atesta a necessidade de inventarmos o mundo. Afinal, segundo Soulages, precisamos de mundos inventados e não dados. A ficção, desse modo, trata-se de uma ferramenta, um meio para viver melhor nessa realidade. Dentre as ideias do realismo na fotografia, Soulages é categórico: o que supomos ser real é uma situação “mal esquentada”, um clichê. Ainda nos faz pensar, quando diz que acreditar na reprodução do real é uma ilusão que a fotografia realística aporta.

Difícil seria recapitular os pontos principais. Pelo menos para mim, foi uma fala – do começo ao fim – avassaladora. Transcorreu sobre fatores de alteridade, dos elos que compõem a tomada da fotografia, de sua prática produtiva e da sua recepção da produção. “A fotografia é da ordem não do mesmo, mas do outro”. Através da fotografia inventa-se mundos novos, do nosso imaginário, por extensão de uma crença, de desejos… A verdade, o realismo, Soulages bem nos lembrou que são necessidades de acreditar. E isso, em essência, faz parte da condição humana.

Por último, Rubens Fernandes Júnior. Depois de quase uma hora de apresentação de François Soulages, que como o próprio Fernandes disse uma “fala magnífica”, tínhamos diante de nós um palestrante e um desafio. O que mais falar depois de quatro excelentes discursos feitos desde o início do Seminário? Como fechar esse ciclo sendo pertinente, aportando mais uma perspectiva inédita?

O professor Rubens conseguiu. Teve a sensibilidade de conduzir para o eixo dos signos, sobre lê-los e vê-los. Vale ressaltar: foi preciosa sua abordagem histórica sobre a fotografia brasileira, bem como as relações interpretativas entre a obra de fotógrafos brasileiros e as imagens expostas na exposição “A invenção de um mundo”. Contextualizou sobre técnica, linguagem, expressão e subjetividade. Além de sublinhar que a crença na realidade está relacionada à sacralização da técnica, o movimento contrário – o da profanação – é que nos leva para caminhos metafóricos, subjetivos e interpretativos. Será o observador que decodificará os infinitos mundos ontologicamente estabelecidos na imagem: a ficcionalização, produção de outras visualidades.

Para Fernades Júnior, “a fotografia é uma espécie de depósito de saberes”. Com habilidade cirúrgica, alinhavou sua linha de raciocínio com imagens antológicas da historiografia, alguns deles: Victor Frond, Carneiro e Gaspar, Joaquim Pacheco, Marc Ferrez, Valério Vieira, entre outros. Trouxe curiosidades com fotografia de anônimos e seus teatros de representação. Com Boris Kossoy, finalizou. Duas imagens do ensaio “Viagem pelo fantástico”. Rubens Fernandes provou que fotografia é “força criativa autônoma, é memória, resistência e desejo”. Foi uma fala também magnífica. Desvelou, com propriedade, que a fotografia é uma aproximação poética, o teatro de um só instante. Perfeito assim.

François Soulages, Jean-Luc Monterosso (curador-mediador) e Rubens Fernandes Junior

Rubens Fernandes Junior

François Soulages

Comentários 5

  1. Georgia, obrigada por ‘organizar’ todo este material do seminário e compartilhar. Vimos e ouvimos muitas coisas, agora é hora de elaborar algumas delas, e seu texto será fundamental para isso. Abs!

  2. Pegando um gancho no comentário do Clicio, sinto que a fotografia brasileira consolida cada vez mais sua posição na fotografia internacional, sem o foco em um ou dois fotógrafos, mas como um todo.

  3. Georgia,

    Parabéns, mais uma vez, por sua brilhante análise.
    A fotografia brasileira está vivendo um momento iluminado, não?

    Obrigado por compartilhar!

    Abraço,
    Clicio

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