Um rosto para Fernando Pessoa

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Fernando Pessoa por Almada Negreiros

Para o dia 12 de junho de 2011 (Dia dos Namorados), o fotógrafo Kazuo Okubo fez um projeto de fotografar casais de namorados no seu estúdio e me pediu para fazer a curadoria de uma mostra, na qual outros casais anônimos pudessem ser fotografados depois da visitação.

Pensei logo num poema de “O pastor Amoroso” de Fernando Pessoa/Alberto Caieiro, na qual o poeta menciona o despertar dos sentidos:

Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.

Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,

Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,

Por tu me escolheres para te ter e te amar,

Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente

Sobre todas as cousas.”

Pensando melhor, usei na apresentação ao patrocinador do projeto uma poesia mais brasileira e clássica do Vinicius de Moraes:

“Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja infinito enquanto dure”.

Me lembrei que em 13 de junho de 1988, comemorava-se o centenário de nascimento de Fernando Pessoa (1888-1935). Uma exposição lindíssima do Cento de Arte Moderna da Fundação Calouste Goulbekian, em Lisboa, chegou como proposta para comemorar o centenário do nascimento de Pessoa, no Centro Cultural do Citibank (São Paulo) que eu coordenava nessa época. Inaugurado em 1986, o novo edifício do Citibank foi um marco na Avenida Paulista e se transformaria no símbolo da cidade de São Paulo.

Um grupo de colegas arquitetos era responsável pelo espaço e me chamaram para criar uma estrutura de exposição e uma programação cultural. Foi uma experiência muito interessante. Eu acabava de sair da Galeria Fotoptica e experimentava uma ampliação de horizontes na área das artes. Sai da Fotoptica pensando em fazer uma carreira solo, iniciando o mestrado em museologia e elaborando projetos e exposições de artes em geral. Achava que a fotografia estava no momento de dialogar com as outras artes.

Em 1985, o governo federal criara o Ministério da Cultura (MinC). No ano seguinte, surgiu a primeira lei de incentivo fiscal à cultura (Lei 7.505/86, conhecida como Lei Sarney). Criou-se o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas de Natureza Cultural (CNPC), prevendo-se as modalidades de usufruto de incentivos fiscais: investimento, patrocínio e doação.

Começavam a se realizar os projetos culturais mais organizados, com planejamento conceitual e financeiro, orçamento para todos os ítens, profissionais especializados envolvidos numa realização maior.

A proposta da exposição “Um rosto para Fernando Pessoa” seria complementada por um simpósio na Universidade de São Paulo e obras originais, de vários pintores portugueses, foram selecionadas pelos curadores Jorge Molder e José Sommer Ribeiro, do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Goulbekian.

Na época, contávamos com o fax como ferramenta de comunicação e envio de documentos, o que era uma grande facilidade quando se tratava de relações exteriores.

A mostra teve suas dificuldades, pois o espaço foi projetado e estruturado museograficamente, mas conceitualmente , foi criado para ser uma galeria de circulação de grande público, que une a Avenida Paulista à Alameda Santos.

O retrato do escritor (feito a partir do mural original) por Almada Negreiros à convite da própria Fundação foi a grande atração e capa do catálogo. A divulgação foi intensa. Um jornalista de um dos maiores jornais diários da cidade marcou entrevista com o comissário português responsável pelo acervo. Estávamos conversando na sala de reuniões num dos andares quando o interfone chamou: o fotógrafo esperava no térreo, onde fica a Galeria do Citibank, para fotografar o “Sr. Fernando”, e no caso, em pessoa.

Confusa, desci discretamente para falar com a criatura e mostrei a impossibilidade da tarefa, diante do release que deveria ter sido lido como pauta (!).

Como diz sempre o meu professor de fotojornalismo na ENFOCO e grande fotógrafo Cristiano Mascaro, ler Machado de Assis é obrigatório. E a pauta… no mínimo, deve ser lida pelo menos duas vezes.

Por Rosely Nakagawa.

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