Sempre me interessei pela obra do fotógrafo Hans Gunter Flieg. Infelizmente, sabemos tão pouco dos nossos fotógrafos. Hoje, parece que o mais importante é o “feito” de ontem pra cá e quanto mais dentro de casa melhor. Por isso, com muita satisfação, o Olhavê tem publicado estes perfis escritos pelo jornalista e crítico de fotografia Moracy Oliveira.
São posts para ler. Nada de hard news. É slow news, soft news, sei lá o quê…
Os nossos outros perfis: Carlos Moreira, Penna Prearo e Luis Humberto.
Tem mais fotos de Flieg num post que fiz no Sobre Imagens há alguns anos. Confira aqui. Também tem uma página dele no site do IMS. Agradeço Marília Scalzo e equipe do IMS pela atenção de sempre, pelas fotos e contato de Flieg.
Alexandre Belém.
Foto: Moracy Oliveira – Hans Gunter Flieg em sua casa, 2013
Por Moracy Oliveira.
Da janela do seu estúdio, um improvisado espaço no dormitório sem uso do andar superior de um prédio da Rua Maria Antonia, em São Paulo, o fotógrafo Hans Gunter Flieg viu aquele que seria o seu retratado se aproximando pela calçada da frente. Meio desleixado, vestia terno e gravata pretos, camisa branca, sapatos também pretos, um traje característico de um funcionário público da época. Horas antes Flieg havia sido perguntado pelo vereador José Nicolini, seu conhecido, se queria fotografar o futuro prefeito de São Paulo. Era um trabalho. Aceitou. Agora, frente a frente com seu modelo, viu que nesse dia seria impossível o retrato. Pediu que voltasse no dia seguinte com outro terno, e não amarrotado, outra gravata, e com nó bem ajustado ao colarinho e principalmente – faz um gesto com as duas mãos espalmadas para baixo se movimentando sobre os ombros – sem as caspas que ele, naquele momento, via aos montes. Ele cumpria ali o ritual que o acompanhou durante toda sua carreira: exigir a melhor embalagem para o conteúdo que fotografava. O retratado voltou no dia seguinte com os pedidos atendidos, perguntou se podia fumar, podia, sentou-se a frente do fotógrafo e foi se descontraindo à medida que a sessão de fotos e a conversa avançava. No trigésimo quinto ou trigésimo sexto clique da sua Leica, Flieg sentiu que o retrato enfim estava feito. Jânio Quadros, então deputado estadual, saiu com a foto embaixo do braço, imprimiu um Vote Nele como legenda e a usou em toda a sua campanha para se tornar o prefeito de São Paulo em 1953.
(Algum tempo depois, Jânio trocaria essa imagem séria, compenetrada, feita por Flieg, pela imagem estudadamente desajeitada, populista, gravata frouxa, colarinhos sujos, com a qual, numa triste sina brasileira, seria eleito governador e depois presidente da República).
Flieg, homem educado, profissional meticuloso, que sempre olhou para os motivos de suas fotos como se fosse o cliente, tem hoje 90 anos e não fotografa mais desde 1988, quando se aposentou. Diante do aumento da concorrência e diminuição dos cachês pagos, da menor agilidade para subir em guindastes e pontes, “do crescimento da barriga”, resolveu parar. A voz é um pouco mais baixa, o português é sempre correto e o sotaque ainda é forte. O andar agora necessita do auxilio de uma bengala. O cavalheirismo, no entanto, continua igual. Cavalheirismo que levou o fotógrafo Eduardo Castanho a comentar, anos antes, que Flieg era tão cavalheiro que, mesmo sem ser fumante, carregava cigarros e isqueiros para oferecer aos amigos. Agora ele não quer mais dar entrevistas, no máximo uma rápida conversa por telefone, dizia o recado do Instituto Moreira Sales, que detém a posse de seu arquivo fotográfico.
Liguei para ele. Conheço o Flieg desde os anos 70 quando fomos apresentados por Boris Kossoy. Não o via e nem falava com ele há muito tempo. Antes mesmo que eu me identificasse ouvi meu nome do outro lado da linha. Nome logo acompanhado de um “você se lembra de quando fomos……”. Não, eu não me lembrava e ele então descreveu o episódio com uma riqueza de detalhes impressionante. Marcamos uma conversa.
Ele me recebeu à porta e logo indicou a cadeira onde eu deveria sentar, junto à mesa. Sobre ela, um prato com guloseimas, uma garrafa de água mineral, copos e um telefone, que usaria para uma rápida conversa em alemão com a escritora Martina Merklinger. Num dos cantos, dois livros com sinais de leitura recente e marcadores: Um Olhar Sobre o Brasil – A Fotografia na Construção da Imagem da Nação – 1833-2003, de Boris Kossoy e Lilia Moritz Schwarcz e Pensamento Crítico em Fotografia – Antologia Brasil, 1890-1930, de Ricardo Mendes. “Você já leu o Ricardo? É um livro importante”.
Flieg é dono de uma memória privilegiada, capaz de contar ainda hoje a história de praticamente cada uma de suas fotos, dos envolvidos, da sua confecção. Por isso mesmo mantém uma preocupação persistente com a história que viveu e presenciou e que hoje o faz lamentar que seu arquivo esteja guardado no Rio de Janeiro e não em São Paulo, perto de onde mora, onde poderia enriquecê-lo com suas descrições detalhadas da produção, ambientes, equipamentos usados e vistos em suas fotos, o que facilitaria a vida de futuros pesquisadores.
A história e trajetória de Flieg é conhecida. É objeto de teses universitárias, de menções em estudos sobre publicidade e propaganda e biografia e análises em sites pela internet. Isso, segundo o pesquisador Ricardo Mendes, que conhece bem a obra do fotógrafo, já fez trabalhos em seu arquivo, é resultado de um feliz encontro entre Flieg e Boris Kossoy nos anos 70 e que resultou na expressiva exposição de 1981, no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo. Exposição a partir da qual o fotógrafo passou a ser referência não apenas no circuito da publicidade mas também da fotografia. Mendes desconfia que não fosse esse encontro e Flieg poderia ter permanecido desconhecido fora de sua área de atuação profissional por muito tempo.
Atualmente além de não permanecer no anonimato, ele registra no currículo uma série de exposições em museus, galerias e eventos de fotografia. As duas últimas incluem uma de 120 imagens em sua cidade natal, Chemnitz, na Alemanha, em 2008, quando aproveitou para retornar pela primeira vez a cidade onde nasceu, e outra, mais recente, no final de 2013, junto com Thomaz Farkas, Marcel Gautherot e José Medeiros, no Museum für Fotografie de Berlim.
Flieg sabe que, hoje, é sempre uma das referências quando se fala da fotografia entre os períodos de 1940-1980. Sabe que sempre estará na pauta quando esse for o assunto. Ele agradece mas não demonstra entusiasmo maior do que aquela recebida por uma homenagem. Prefere falar da história que viveu, da memória que pode se perder e simplesmente sumir junto com ele. O seu arquivo estar sob guarda do IMS é um atenuante de sua aflição, mas não completamente, porque tem a certeza de que as imagens que fez guardam muito mais do que elas simplesmente mostram. E ele tem razão, já que sua produção se concentra num período de fortes mudanças na paisagem urbana, na ocupação das cidades, na industrialização, na publicidade e no consumo. São Paulo, no começo de sua carreira tinha 1.326.261 habitantes e pouco depois do final dela, em 1990, um total de 9.532.859 habitantes.
O país agrário se tornou um país urbano enquanto ele fotografava.
Nesse período todo ele foi essencialmente um fotógrafo profissional, trabalhando para viver. “Nunca me dei ao luxo de fotografar para mim”, argumenta a quem o queira tratar como um Autor, desses com a maiúsculo e que tanto encantam aos curadores. Isso não é inteiramente verdade tanto no caso da autoria como no das fotos pessoais, pois também registrou o lazer e eventos familiares, retratos dos pais, imagens e montagens divertidas para a revista Bom Humor, congados mineiros e, num raro, e talvez único, momento flaneur, a Avenida Paulista, o Trianon, a Avenida nove de Julho, estes últimos, na verdade, com o objetivo de apresentar ao estúdio onde havia pedido emprego e que havia se recusado a avaliar sua competência através de umas poucas fotos feitas ainda na Alemanha. Fez essas suas primeiras imagens brasileiras em 1940, poucos meses depois de desembarcar no país, mas não conseguiu o emprego.
Esse começo leva a ilações de que Flieg chegou ao Brasil já fotógrafo. Na verdade ele procurava emprego, qualquer um que lhe desse sustento. A família, proprietária de uma indústria de meias na Alemanha, havia preparado a emigração com antecedência diante do crescimento do nazismo, do ideal de pureza da raça, e enviado para a Holanda alguns equipamentos e mobiliários que lhe permitiria iniciar vida nova em pais estranho, mas todo esse material acabou confiscado pelos nazistas. Ao Brasil, depois de ter o navio em que viajava capturado por um destroier francês, enfrentado agentes fiscais alemães em Marselha, em busca de passageiros sem passaporte, a família chegou com seus pertences pessoais e uma máquina de bordado, o que deu origem, aqui, a Flieg Bordados, uma micro empresa que até poucos anos atrás funcionou na Rua da Consolação, próxima ao local onde se constrói a estação metrô Mackenzie-Higienópolis. Durante muito tempo foi a sustentação da família.
A emigração, diz o fotógrafo, fez com que a família “descesse a escada e eu me encontrei num nível em que era preciso ganhar dinheiro de qualquer forma”.
Ele tinha apenas 16 anos quando desembarcou no Brasil em oito de dezembro de 1939. Na mala trazia uma Leica 3c, 10 livros, um deles, Fausto, de Goethe, em papel bíblia, o preferido de seu avô, e por ele todo anotado e comentado, livro que guarda ainda hoje entre centenas de outros que ocupam sua sala e a transformam mais em um depósito do que numa biblioteca. “Sou de câncer, guardo tudo”, justifica.
Fotos: Hans Gunter Flieg/Acervo Instituto Moreira Salles – Construção do edifício-sede da Pirelli, na Alameda Barão de Piracicaba, São Paulo – 1959.
Cobertura do ginásio do Ibirapuera, São Paulo – 1956.
Instalação da usina de Ponte Pequena para tratamento e incineração de lixo, São Paulo – 1960.
Na sua precoce experiência, havia a vivência doméstica num ambiente de mobiliário de linhas retas, limpas, encomendado pelo pai, gravuras nas paredes – o pai pertencia a um clube e recebia mensalmente uma gravura nova – uma escolaridade equivalente ao nosso antigo ginásio, interrompida pela extinção das 12 vagas reservadas aos judeus na escola de Chemnitz, onde nasceu em três de julho de 1923. Havia, ainda, mais dois anos em Berlim, em uma escola judaica de preparação para Cambridge, também fechada pelo nazismo.
Tentar ser fotógrafo nesse início brasileiro fazia sentido já que, após o fechamento da escola em Berlim, e já se preparando para a emigração, além de aprender datilografia, havia feito um curso rápido, principalmente laboratório, de cerca de dois meses e meio, com a fotógrafa Grete Karpus, uma ex-professora do Museu Judaico da cidade. O que ele consegue inicialmente, no entanto, é trabalhar na área gráfica durante os quatro anos seguintes, onde aprende técnicas de impressão, análise e separação de cor, acompanha a introdução do fotolito na área, e se torna extremamente exigente em relação a qualidade de imagens. Aos sábados, em uma dessas gráficas, a Nicolini, aproveita o período de inatividade industrial e usa os laboratórios para praticar e desenvolver sua fotografia.
Em 1945, mesclando o que sabia de fotografia e de gráfica, e com alguns contatos na área publicitária, decorrente de seu trabalho nas gráficas, se tornou fotógrafo. E sua atuação, desde o princípio é marcada pelo rigor técnico, composições precisas e pela limpeza das imagens, uma de suas obsessões, a ponto de, em tom de brincadeira, se denominar um “catador de pulgas” pelo hábito de eliminar de negativos as micrométricas manchas comuns em filmes revelados.
No ambiente de intensa concorrência entre “alemães”, expressão que incluía emigrantes europeus de várias origens e língua estranha, inclusive alemães, Flieg logo encontrou seu lugar, seja pela qualidade técnica, pela neutralidade formal, seja pela responsabilidade com que encarava seu trabalho. “Quem sabia alguma coisa conseguia se estabelecer”, relembra. E seu sucesso, ou o que ele entende como o seu “ganha pão” se estendeu graças a um “boca-a-boca” que ia espalhando seu nome, sua seriedade e sua competência.
“Nunca precisei andar com um porta-fólio embaixo do braço para mostrar à clientes”, repete ainda hoje, com orgulho e certeza de ter sido um “bom profissional”.
Sua forma de trabalhar sempre incluiu muitos detalhes e cuidados, alguns que hoje podem parecer curiosos mas que funcionavam. Os retratos lhe renderam os primeiros trocados. Para fazê-los, em seu estúdio, havia apenas uma cadeira para o retratado, uma ou duas fontes de luz, uma pequena mesa com cigarros, fósforos, cinzeiro, e um copo de cinzano, “caso fosse preciso relaxar o modelo”. Com sua Leica, um filme de 36 “poses” e muita conversa ia colocando o fotografado a vontade. Educado, gentil e dono de um humor “germânico”, mistura de ingenuidade e ironia, falava e fotografava calmamente e, confessa, o retrato só saia nas últimas poses. Foi assim, num final de filme que a jovem, loura, bonita e falante Hebe Camargo, avisou: “é, agora você me pegou”, confessando que naquele último clique havia baixado a guarda e era ela mesma quem ficava registrada.
Nos trabalhos comerciais e industriais sua primeira preocupação era conhecer antes aquilo que seria fotografado, fosse um produto ou um processo industrial. Ou ambas as coisas. Isso implicava em visitar a fábrica, conversar com engenheiros, projetistas, olhar a produção, o ambiente e só depois voltar para fotografar.
E então, quando chegava às empresas em seu velho Austin A70, “conforto inglês, resistência alemã, aguentou inúmeras trombadas sem me matar até fundir o motor”, provocava verdadeiras urticárias nos encarregados de produção. “Xiii, lá vem o Flieg, vamos ter que parar tudo outra vez”, foi frase que ouviu inúmeras vezes na carreira.
Naquele tempo, para conseguir a imagem de uma empresa ativa e com um mínimo de estrutura, ele chegava a paralisar a produção por um dia se fosse necessário, mandava varrer todo o galpão industrial, limpar as máquinas, polir as peças, além de exigir uniformes limpos e operários barbeados e compenetrados nas poses, e tudo sob uma iluminação que misturava harmoniosamente a luz natural que vazava pelas amplas janelas desses locais, e as luzes artificiais de uns poucos refletores estrategicamente colocados para não tirar a naturalidade da cena.
“E se eu visse uma bituca de cigarro, um papel amassado, uma sujeira qualquer no chão, parava de fotografar e ia lá limpar”.
E tudo em busca de uma “narrativa” ajustada a uma “modernidade” que se começava a viver, e de uma, palavra cara ao meio hoje, “representação” de um fordismo incipiente na indústria paulista. Representação que, na sua essência, no controle total de seus componentes e composição, escondia que esse fordismo era de prática ainda cabocla, cheia de jeitinhos e gambiarras.
Em depoimento ao MIS – São Paulo, em 1981, o publicitário Paulo Nascimento, futuro dono da conta da Willys Overland do Brasil, que teve os primeiros jipes fotografados por Flieg, contou que a empresa, resultante de uma associação entre duas famílias tradicionais de São Paulo e Rio de Janeiro, licenciados pela matriz americana, embora tivesse 14 empregados e a pretensão de montar 40 unidades por mês, só montava 4. Flieg, no entanto, conseguiu fazer 80 fotos totalmente diferentes desse quadro precário, o que deu a impressão aos americanos de que havia ali uma grande empresa e garantiu a conta ao publicitário e sua agência.
Na série de fotos para a Willys, há, curiosamente, uma fora do roteiro habitual do fotógrafo mas que ele não deixou de registrar como uma anedota visual, a margem do trabalho encomendado. Ingênua e irônica, é aquela que mostra um jipe atolado em meio a uma imensa barreira e puxado por uma dupla de bois, situação no caso vexatória ao veículo, anunciado como para qualquer terreno. Essa foto fazia parte das 80? “Não lembro”. Provavelmente não já que ele tinha como principio preservar seus clientes e sempre procurou pensar como eles, se colocar no lugar deles, em arquitetar qual seria a melhor imagem para eles e seus negócios. E embora esses trabalhos fossem chamados na época de “reportagens”, ele nunca foi um repórter ou fez reportagens no sentido jornalístico do termo.
Por se considerar “apenas um profissional”, Flieg não se entusiasma em falar em influências e fotógrafos. Já lhe creditaram parentesco com a Nova Objetividade e com a Bauhaus alemãs, do que não discorda nem concorda, só não se alonga no assunto. Prefere ressaltar os 16 anos vividos sob a cultura alemã e todos os seus incentivos ao humanismo, à literatura, o ambiente familiar sempre interessado em artes, o gosto pelo desenho, o contato com profissionais estrangeiros de várias áreas, já no Brasil, e a assinatura de revistas como a Life, para justificar seu estilo de trabalho que se aproveita de formas puras, contrastes e objetividade no resultado. O que ele não nega é a importância de Paul Wolff e seu livro My Experiences with the Leica na sua carreira. Ele que já possuía uma câmera da marca, a Leica 3c, presente do pai ainda na Alemanha, ao ler o livro tornou-se um usuário definitivo. Tanto é que o maior volume de seu trabalho foi feito no formato 35 mm, coisa incomum para o mercado especialmente o publicitário.
Jogo de ferramentas “Heinz”, fotografia para propaganda, São Paulo – 1965.
Rotativa de O Estado de S. Paulo nas novas instalações da rua Major Quedinho, São Paulo – 1953.
Fábrica da Pirelli, Santo André/SP – 1954.
Companhia Brasileira de Alumínio, Alumínio/SP – 1955.
Flieg fotografou muito durante os seus 43 anos de carreira, cerca de 60 mil imagens. Nelas estão registradas o início e a expansão industrial paulista, o boom imobiliário e a transformação urbana da cidade, a nova arquitetura e os arquitetos, produtos industriais e voltados ao consumo, reproduções de obras de arte, retratos, calendários, usinas eletro e termoelétricas e tudo o mais que fosse solicitado pelos clientes e lhe desse renda. A lista deles é enorme e inclui nomes como Mercedes, Pirelli, Brown Boveri e pode ser vista pela internet em sites com sua biografia. Mesmo sendo capaz de lembrar da maioria dos trabalhos feitos para eles, revela orgulho especial por alguns que descreve com paixão contida e brilho nos olhos, sob grossas lentes de óculos, como aqueles feitos para Cristais Prado, para a Primeira Bienal Internacional de São Paulo, e para o livro Passeio a Ouro Preto, de Lúcia Machado de Almeida.
Realizar as fotos dos cristais foi um de seus grandes desafios (outro foi fotografar uma termoelétrica que gerava uma poeira de carvão que tomava todo o ambiente). Em 1947, ele foi chamado pelo publicitário Fred Jordan para tentar fazer as imagens dos cristais que seriam lançados pela Cristais Prado. O cliente havia providenciado alguns catálogos tchecos e queria fotos semelhantes aquelas ali impressas. Gregori Warchavchik já havia tentado, sem sucesso. Flieg, que tinha uma queda por cristais, havia convivido com eles na Alemanha, aceitou o desafio, estudou as possibilidades, a luz, o ângulo de tomada, o fundo e transformou as peças em verdadeiros desenhos de formas gráficas luminosas, e se tornou um especialista requisitado nesse tipo de fotografia.
Die Biennael São Paulo é um livro que acabou de sair da gráfica e já repousa, devidamente protegido por uma embalagem de plástico, na mesa de Flieg. Escrito e publicado na Alemanha pela pesquisadora Martina Merklinger, foi baseado em grande parte nas reproduções feitas por ele das obras expostas na Primeira Bienal Internacional de São Paulo, em 1951. Convidado pela direção do evento passou dias e noites no Museu de Arte Moderna, fotografando e ampliando imagens que mostravam esculturas, pinturas, as obras então expostas. Essas imagens eram enviadas a jornais e revistas estrangeiras, aos autores das obras, a museus e instituições e lhe valeu o contato com Pietro e Lina Bo Bardi e, durante anos, o mesmo trabalho junto ao MASP. Permitiu e ampliou sua convivência com artistas da época como Tarsila do Amaral, Brecheret, que também requisitavam as suas reproduções.
No inicio dos anos 70, Flieg foi mais uma vez chamado para fotografar o que seria o calendário anual da Brown Boveri, o que fazia desde 1964. O último realizado tinha a cidade de Paraty como tema e havia sido um sucesso. O fotógrafo, lembrando-se de uma frase ouvida – que quem ia a Minas Gerais voltava mais brasileiro – sugeriu, e foi aceito, fotografar a cidade mineira de Sabará, onde era possível encontrar inúmeros exemplos do barroco religioso brasileiro. A convidada para escrever o texto foi Lúcia Machado de Almeida, irmã do poeta modernista Guilherme de Almeida. Ao se conhecerem, ela já tinha pronto para impressão o seu livro Passeio a Ouro Preto, ilustrado por uma série de fotografias. Flieg, que na época estava fazendo experiências com ampliações em alto-contraste, mostrou a ela os resultados em algumas imagens também feitas em Ouro Preto, o que a fez mudar de ideia em relação às ilustrações que havia escolhido antes. Após negociações com o editor, as fotos foram trocadas pelas de Flieg.
“Foi nesse trabalho que eu comecei de fato a conhecer a história do Brasil”, relembra. O livro é mais que o registro, é a memória do momento em que a cidadania adquirida em 1965 se concretizou.
Primeira concessionária Volkswagen, Santo Amaro, 1960.
Estande da Mercedes-Benz do Brasil na Exposição Internacional de Indústria e Comércio, projeto arquitetônico de Henri Maluf, Pavilhão de São Cristóvão, Rio de Janeiro – 1960.
Teatro, Museu de Arte de São Paulo, obra da arquiteta Lina Lo Bardi, São Paulo – 1969.
Móveis “Z” na residência do arquiteto Clovis Felipe Olga, São Paulo – 1950.
Móveis “Z” na residência do arquiteto Clovis Felipe Olga, São Paulo – 1950.
Fantástica obra desde germano-brasileiro. Obrigado pela sua aula de profissionalismo, benevolência, sabedoria e cavalheirismo.