Discórdia

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Imagem do livro 1978, de Gabriela Oliveira

Discórdia

O que um arquivo de fotografia guarda não é obra unicamente – e por princípio – da memória.

Os “cantos” do arquivo são ainda obra do espírito da discórdia. Da relutância em desfazer-se do passado. É da natureza do arquivo ser mar. Propor certo horizonte um tanto desconfortavelmente torto, improvável, pouco assertivo. Ponderamos formas, por metodologias de análise, para apreendermos as imagens por meio hermenêutico, mas é na discórdia inerente ao arquivo que o atravessamos.

O arquivo discorda de sua própria hegemonia de ser inconteste, de ser o espaço de um tempo remoto. A discórdia é uma particularidade desmistificadora do estado de existência. A primazia da discórdia, nesse caso, faz-se por inconfidência e insurgência ao criar movimentos de articulação em si num tempo novo, num lugar de destreza com fronteiras porosas.

Narrar é isso. É desterritorializar uma zona de conforto, cujo tempo e espaço se agarram organicamente. Entendo que narrar, conduzir imagens por páginas, seja como o silêncio do mar, um paradoxo. O encanto em estar afortunadamente ampliando os símbolos que perscrutamos diante de um arquivo.

Como diria Valter Hugo Mãe, os livros “diziam-me coisas bonitas e eu sentia que a beleza passava a ser um direito”. Penso também que as imagens de um arquivo possa ser uma maneira bela de dizer no presente o que importa, o direito em discursar por um mar bravio de narrações, pelo qual as imagens passam a ser um estado de emancipação de metáforas.

Um direito de ser a prosa poética que quiser, que tanto cabe no silêncio como na algazarra da percepção.

Georgia Quintas, 28 de julho de 2016.

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