Belas Artes e Memória

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Foto: Alexandre Belém – Ariano Suassuna na produção de um dos seus reomances (2005)

Nunca é tarde para se lembrar. A memória, muitas vezes adormecida, perdida num limbo qualquer, nos esconde raros e valiosos acontecimentos. Trazer à tona a memória artística de Pernambuco é um ato não apenas de resgate, mas de reconstrução da formação artística de décadas passadas. Nesse sentido, artistas antológicos desvelam-se ainda enquanto jovens professores e alunos. E os grandes mestres legitimam sua marca na trajetória da história da arte pernambucana. Descortinar autores que também participaram deste processo artístico, com suas reflexões e teorizações na busca pela compreensão das vertentes artísticas e seu entrelaçamento com o contexto cultural, constitui-se como elemento fundante para esta perspectiva.

Registros das comemorações do 25º aniversário da Escola de Belas Artes de Pernambuco (Universidade de Pernambuco), em 1957, pontuam dados relevantes sobre a produção teórica do campo artístico e da formação de pintores, arquitetos, atores, escultores, etc. Listemos alguns ilustres professores para apreendermos a excelência daquela instituição: Evaldo Coutinho, Vicente Murillo La Greca, Luiz Cardoso Ayres, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Vicente do Rêgo Monteiro, José de Albuquerque Melo, Acácio Gil Borsoi, José Carlos Cavalcanti Borges, entre outros importantes artistas-professores.

Em Arte, Expressão e Cultura, um belo e inspirado texto do Prof. Luiz Delgado, na ocasião do aniversário da Escola de Belas Artes, relemos: “Fenômeno de expressão pessoal, a arte desdobra-se, como tudo que entre os homens ocorre, num fenômeno de comunicação e insere-se, desse modo, nas largas correntes da cultura”. Ainda em seu eloquente discurso, Delgado considera que os artistas dos séculos XIV e XV projetavam suas obras para espaços públicos, da comunidade, como praças e igrejas. “Hoje (1957) a consagração estará em figurar num museu, num lugar onde apenas se examina e se estuda. A arte deixou de misturar-se com a vida, para se misturar com a reflexão”.

Já o sociólogo Gilberto Freyre, dentro das comemorações da Escola, realizou um curso de Sociologia da Arte. Durante conferência, avaliou as relações entre arte, ciência social e sociedade, na qual salientou questões a respeito do regionalismo e o fazer artístico (especialmente no tocante à criatividade). O vigor de seu pensamento é percebido quando considera que não se compreende que um arquiteto, urbanista, pintor ou (até mesmo, segundo Freyre) decorador não tenham iniciação sociológica com suas respectivas singularidades artísticas. “Do que o artista precisa de se inteirar é do que há de social nas condições de criação de sua arte; nas condições de desenvolvimento e de expressão dessa arte; na sua adaptação a situações de convivência humana que variam com o tempo e com os climas sociais como variam com o tempo e com o clima físicos”.

Por tudo isso, sempre vale lembrar. Pois, na elaboração do percurso da arte pernambucana, a memória reverbera a auto-referência e o autoconhecimento. Somente assim, portanto, ao incorporar o passado no nosso olhar contemporâneo e crítico, conseguiremos entender e reorganizar o percurso histórico da arte, assim como a riqueza subjacente de seus símbolos. Afinal, o senso de continuidade tem um papel fundamental na preservação da memória da arte pernambucana, apenas é preciso rever registros e nunca deixá-los adormecidos numa estante.

* Publicado no Jornal do Commercio em 11 de outubro de 2002.

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