Os Sentidos da Fotografia

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Foto: Ansel Adams – The Tetons and the Snake River, 1942

A fotografia é um campo profícuo para reflexões e debates. Nesse sentido, para aplacar nossa carência, tivemos uma significativa oportunidade com a 1ª Semana de Fotografia do Recife. Através desta iniciativa foi possível interagir com a produção fotográfica local e comungar algumas inflexões com profissionais atuantes em vertentes distintas da fotografia contemporânea. Foi uma chance de conhecer novos olhares e pensar a respeito do panorama atual da fotografia.

Outro ponto relevante a ser considerado diz respeito à formação de profissionais nesta área com a criação do curso de graduação em fotografia da Faculdade Barros Melo (Aeso). A imagem fotográfica como área de conhecimento (aqui ampliamos a percepção para além do fazer fotográfico) proporciona um vasto campo de investigações. Seja como documento social ou expressão artística, o registro fotográfico propõe, remete e indica caminhos e alteridades que merecem ser objeto de estudo, pesquisa, leituras e análises. A formação com base humanista não só acrescenta consciência quanto ao ato fotográfico como amplia perspectivas mais reflexivas — em contraponto à cansativa banalização do registro fotográfico.

Há muito, a fotografia contemporânea transcendeu alguns dos seus pressupostos epistemológicos que lhe postulavam, enquanto suporte, a veracidade do registro e sua importância como estatuto de captura dos códigos do real. Ao longo da historiografia da imagem fotográfica, se observa que tais barreiras foram suplantadas – o que permitiu que novas perspectivas pudessem formular leituras e olhares subjugando o signo aparente. As coisas subverteram-se e o objeto a ser fotografado já não estava a serviço do simples reflexo da realidade, de uma leitura puramente pela identidade ou por seu reconhecimento. Com efeito, é na diversidade de abordagens, na expansão das possibilidades da técnica como elemento agregador de conceitos, idéias, sensibilidades e subjetivismo que reside o infindável encanto pela dualidade, que a fotografia detém, de mistério e encantamento.

Muitos ainda podem partilhar do depoimento que o fotógrafo Ansel Adams discorreu sobre a beleza na fotografia como sendo uma “expressão plena daquilo que sentimos com relação ao que estejamos fotografando no seu sentido mais profundo e é, em conseqüência, a expressão verdadeira do que sentimos com respeito à vida como um todo”.

Na realidade, a facilidade que os tempos e suas tecnologias trouxeram ao “fazer fotográfico” em muito banalizou o suporte. De modo que as narrativas visuais se tornaram, em certos casos, superficiais, infantis, rasas, sem estofo (vale mencionar que um exemplo oposto a esta tendência é a arrebatadora produção do artista Rodrigo Braga). A criação fotográfica plasmada no cenário contemporâneo nos faz refletir que os três elementos substanciais da semiótica (ou seja, o ícone, o índice e o símbolo), cada vez mais, “dialogam” com a noção de que a fotografia vai além de seu status de explicação. A fotografia possui uma poética visual que não sentencia e tampouco delimita suas margens. Como bem resumiu Susan Sontag, a fotografia nada mais é que um convite inexaurível à dedução, à especulação e à fantasia.

Nesse sentido, a imagem fotográfica se estabelece no âmbito das artes plásticas como ferramenta de poéticas e proposições conceituais. A imagem passou a conjugar vários sentidos e sensações. Entretanto, a perspectiva fotográfica enquanto conhecimento é muito mais complexa e requer reflexão sobre o seu passado e suas origens. Decifrar imagens envolve interpretar representações e, sobretudo, recompor seus significados, seu contexto cultural, a mentalidade de uma época, a vivência criativa do fotógrafo, entre outros aspectos. Qualquer oportunidade que se tenha, para apreender a fotografia como imagem construída, será essencial. Mais precisamente, será o começo de uma desconstrução formal que nos envolverá em muitos sentidos e experiências estéticas. Seria como apagássemos os clichês de nossa memória e encontrássemos novos mundos em outros olhares.

*Publicado no Jornal do Commercio em 22 de setembro de 2007.

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