[ QUEM ] Ricardo Corrêa.
[ ONDE ] São Paulo.
[ PORQUE ] Tem uma história que só quem ler crédito é fotógrafo. Bem, nos últimos 15 anos, quem acompanha a fotografia feita em revistas pelo Brasil, deve conhecer Ricardo Corrêa. Começou na Editora Abril e foi na revista Placar que mais consolidou seu nome. Já cobriu três Copas do Mundo e quatro Olimpíadas. Provavelmente, no Brasil, é a pessoa que mais entende o funcionamento editorial de uma revista. No dia 28 próximo, ele segue para a sua quinta Olimpíada. Experiência incontestável!
Ricardo Corrêa, 41 anos, fotógrafo há 24. Formado em jornalismo pela Fiam (Faculdades Integradas Alcântara Machado), também tem formação em artes gráficas. Trabalhou como fotógrafo, editor e diretor de fotografia da Editora Abril por mais de 20 anos, fotografando para as principais revistas. Pela Abril fez as coberturas das Copas do Mundo de 1998, 2002 e 2006 e as Olimpíadas de 1992, 1996, 2000 e 2004.
Desde 2005 tem uma carreira independente, trabalhando para publicações do Brasil e do exterior, atuando em seu estúdio em São Paulo. Também, desenvolve trabalhos institucionais, especialmente os voltados para a comunicação para sustentabilidade, em parceria com a Report Comunicação, em São Paulo. É consultor da Editora Globo e trabalhou nas reformulações fotográficas das revistas Época, Quem e Auto Esporte. Também trabalhou no desenvolvimento do projeto Época São Paulo, mais recente lançamento da Editora Globo. Sua próxima grande cobertura serão os jogos Olímpicos de Pequim, pela Revista Época.
* Desde a entrevista anterior, algumas perguntas serão repetidas para diferentes entrevistados. Com isso, poderemos ter várias opiniões e traçar um panorama partindo de vários olhares.
Ricardo comentou as imagens que enviou, enriquecendo as informações. Depois, a entrevista:
Ronaldo: foto das eliminatórias da Copa 2002, Maracanã. “Ronaldo, apesar de todas as conquista e sucesso, é um cara mais marcado pela dor, especialmente agora, com os últimos problemas de contusão e na vida pessoal”.
Ginasta chinesa (Olimpíadas de Atenas 2004). “Foto sem corte, enquadramento no limite, com tele 400mm. Em revista, vamos para o risco e não choramos uma lágrima pela foto perdida, pois os acertos são mais compensadores. A foto do jornal, a revista compra por 100 reais”.
Phelps, Atenas 2004: o Nadador ganhador de 4 medalhas de ouro em Atenas. “Gosto desta foto pelo movimento força e porque decidi me posicionar no mesmo lugar do fotógrafo Mike Powell, da Sport Ilustrated (revista de esportes americana, com circulação de 5 milhões semanais). Fiquei ao lado dele, pois ele é referência para mim. Bingo! Fizemos e publicamos fotos bem parecidas. A foto não tem corte, está 100% do quadro”.
Vôlei masculino, Brasil x Rússia (Olimpíadas de Atenas 2004). “Não basta o ângulo, tem que usá-lo a favor. Eu já tinha visto esta cena e queria fazê-la de um jeito especial. Percebi que o ginásio, de tão alto, com uma tele 400mm, me proporcionaria uma imagem diferenciada, gráfica, estética e importante para uma seleção que era reverenciada pelos adversários. Era fim de jogo, você tem que apostar na imagem. Um fotógrafo de jornal e agência não pode fazer este tipo de investimento. Tem que apostar no factual. Fotos para revistas devem durar mais por estes valores presentes nas fotos”.
Você foi formado na Editora Abril e sempre trabalhou em revistas. Hoje em dia, observando os expedientes, nota-se que as redações não têm a figura do editor e da equipe de fotógrafos (salvo algumas exceções). Qual o cenário (do mercado editorial) para os fotógrafos atualmente?
Me formei em um outro tempo, com redações mais estruturadas, pesadas. Havia oportunidades de formação, especialmente de auto-formação. As empresas precisam investir na mão de obra especializada. Mas isto já faz mais de 20 anos. Hoje as redações trabalham com muito menos jornalistas e eu acho isto relativamente normal. O próprio processo de fazer revista exige menos mãos, mas mais conteúdo. Em relação aos editores de fotografia, sempre acreditei que mesmo no período em que eles existiam nos expedientes, poucos eram de fato. Daí a fragilidade e a extinção da função. Copiamos um modelo americano de forma torta no início dos anos 90. Demitimos os fotógrafos, acabamos com as equipes (o que eu acho correto), mas não estruturamos as editorias da forma que são as revistas internacionais. Aqui, quando muito há um fotógrafo de editor. O Maior erro que se pode cometer é colocar um bom fotógrafo de editor. Um bom editor de fotografia deve ter uma formação ampla. Tem que entender de texto, fotografia e design.
O que mais odeio é quando algum editor, destes sobreviventes, chama a fotografia de departamento. Quando cai nesta nomenclatura é porque acabou mesmo.
Tenho trabalhado em revistas como fotógrafo e consultor. Muitos projetos têm surgido com o pensamento na fotografia, mas sem a figura do editor fixo. Na verdade não há editores disponíveis, não no nível que se exige.
Recentemente fiz uma aposta no André Sarmento, ex Folha de São Paulo, para ser editor da Revista Época, onde eu era consultor (refizemos todo o projeto fotográfico e gráfico, uma revista de primeira, atualmente). André foi uma grata surpresa e tem se saído muito bem. Trabalhamos na formação dele e ele vai avançar para ser um grande editor, pois tem o tripé jornalismo-fotografia-design bem fundamentado na cabeça.
A Revista Placar tinha edições regionais como Pernambuco, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul. Você conhece como ninguém os profissionais de outras praças que não seja só Rio-São Paulo. Analisando quem “faz/movimenta” a fotografia nestes dois grandes centros (veículos, galerias, publicações e editoras), você acredita numa chamada “descentralização”? Ou a fotografia brasileira só brilha em São Paulo?
Editorialmente nem o Rio de Janeiro chega perto de São Paulo. As editoras olham para São Paulo, como não olham para o resto do país. Um pouco mais para o Rio de Janeiro, mas nos demais estados não há uma presença das revistas. Para mim, as publicações têm quase um olhar estrangeiro sobre o nordeste e os demais estados a partir de Minas Gerais. Cabe o movimento ao contrário. A fotografia dos demais estados, fora do eixo Rio-São Paulo, se posiciona e eu vejo muita coisa acontecendo. Só para citar, o Foto em Pauta, de Eugênio Sávio de Belo Horizonte, é um bom exemplo. Eugênio tem levado profissionais de peso pelo país para falar de fotografia, estendendo as discussões e espalhando conhecimento.
O curador e proprietário da Galeria Vermelho (SP), Eduardo Brandão, recentemente falou em uma palestra no Recife que a fotografia digital mudou tudo. A fotografia analógica era uma “coisa física” e o digital “é conceito”. A coisa é simples assim?
Pode ser simples assim, mas de tão simplista esta afirmação ela pode ocorrer num engano. Ou não havia conceito na fotografia analógica? Ou ainda, não se pode materializar a fotografia digital? Para mim os melhores fotógrafos continuam fazendo as melhores fotos, seja lá em que plataforma for. Ter uma câmera digital não torna ninguém fotógrafo. Este engano, o mercado editorial, do qual eu vivo, já cometeu e o tiro saiu pela culatra.
Você acredita que o advento da digital tende a nivelar por baixo os fotógrafos? É a hora dos “bons” se destacarem?
Não acredito em nivelamento por baixo em função da tecnologia. O nivelamento baixo se dá pela baixa remuneração, que afugenta os bons profissionais, pela falta de profissionalismo nas relações e pela falta de espaço. Estamos falando de mercado editorial. Quem publica grandes fotos? Quando isto acontece, como numa mágica, a coisa acontece. Convido os leitores a observarem as revistas Época Negócio e a semanal Época. Ali está acontecendo fotografia. Foto boa chama bons fotógrafos. A revista Época São Paulo, um projeto que nasceu fotográfico, embora tenha ótimo design e muito texto para quem aprecia a leitura. Aos leitores de São Paulo, é ainda mais uma novidade.
Coberturas como uma Copa do Mundo e Olimpíada é só ralação ou dá pra curtir o momento?
Fiz a cobertura das últimas quatro olimpíadas, vou para Pequim, o que imagino ser minha última. Quem disser que só rala é porque errou no foco. Eu curti muito, mas não como um turista, mas como profissional. Muito do que aprendi veio do intercâmbio possível nestes eventos. São momentos históricos, as tecnologias digitais avançaram muito nestes eventos. Todo este show é um enorme aprendizado e eu busco viver estas coberturas de forma intensa. Cobri também as três últimas Copas do Mundo e pela característica do evento, creio que o fotógrafo, especialmente o de revista, pode ter uma visão muito melhor, curtir o país e colocar na sua cobertura um pouco das influências. Afinal, é um privilégio sem tamanho, estar a poucos metros, no gramado, onde metade da população mundial gostaria de estar. Ter esta certeza e consciência pode trazer enormes avanços na fotografia de cada um. A gente sai ralado, mas sai feliz.
Aquela velha curiosidade de fotógrafo… Equipamento. Recentemente, li uma matéria sobre a Nikon F3 que me lembrou o meu começo no Jornal do Commercio em 1993. Sem colocar na balança questões como digital vs. analógica ou a tecnologia inerente nos equipamentos mais novos. Qual câmara e lente você escolheria para levar para uma Copa do Mundo? Ou seja: a combinação perfeita.
Eu uso Nikon, sempre usei e odeio obsessões tecnológicas. Não estamos em guerra, não ganha quem disparar mais. Para revistas as fotos boas são aquelas que geram lindas páginas. Não se faz isto sem enquadrar melhor. Estética no fotojornalismo. Hoje vejo os fotógrafos de agências e jornais trabalhando mais abertos, com lentes mais curtas. O enquadramento está se dando na edição. O “crop” do Photoshop tem sido o olho do fotógrafo. Pude constatar isto em Atenas. Enquanto me equilibrava num 500mm, fotógrafo de agências vão no máximo com uma 300mm.
Vejam que a fotografia virou um enorme negócio e as agências não se podem dar ao luxo de perder um momento importante. Um fato, uma fratura, um tombo, uma bola que não entrou, um detalhe registrado, mesmo sem beleza, significa milhares de fotos vendidas. Eis o negócio se sobrepondo sobre a qualidade. Mas quero deixar claro que não sou contra isto. Faz parte do jogo e eu creio que podemos conviver. Aliás, vejo como uma oportunidade, especialmente trabalhando para revistas. Posso fazer um trabalho mais instigante, provocativo, embutido de linguagem e se faltar alguma coisa, a revista compra por R$ 150,00 e fica tudo lindo.
Na última Copa na Alemanha, usei duas Nikon D2X (tinha uma D200 de standby). Usei uma lente 400mm 2.8., na outra, geralmente uma 80-200mm 2.8 Uma grande angular 18-35 na D200. Tudo à mão, mas sem neura, ou pirotecnia. Com isto, ou algo similar da Canon, acredito na felicidade. Menos é falta de compromisso.
Uma das imagens marcantes da Copa da França foi aquele choque entre Ronaldo e o goleiro francês Barthes. Numa cobertura de futebol, qual a imagem que você considera importante para o leitor no dia seguinte? O inusitado e o momento que o leitor não viu (estando no estádio ou vendo na TV)?
Mostrar ou levar ao leitor, onde ele não pode ir é sempre mais forte. Momentos como aquele do Ronaldo são eternos, especialmente porque ele ganhou uma importância maior depois da revelação do problema de saúde que enfrentou antes da partida. Na TV as imagens são efêmeras, nos grandes momentos ainda valem as grandes fotos aquela que você pode se prender a ver por quantos minutos quiser.
Atualmente, o que lhe chama atenção na fotografia? Quais fotógrafos você destacaria?
Editorialmente poucas coisas me chamam atenção. Já citei as revistas da Editora Globo, que estão fazendo um grande trabalho. Se eu puder indicar revista para se ver fotografia, eu indicaria a TIME, a W, a Wired, a Vogue Itália, a Número (francesa), a ESPN Magazine americana. Eu tenho muitos amigos na fotografia, muitos geniais, não vou citar nomes, se não dá ciumeira.