Sofá

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Foto: Cia de Foto

“Por favor, pode entrar… Sente-se!”, disse-me uma voz.

Não importa de quem tenha sido esta voz… Só sei que entrei, mas não sentei. Preferi olhar, sentir o espaço, me acomodar de outra maneira.

Havia um simples sofá… Vazio. Sem códigos prosaicos que insinuasse sua utilidade. Apenas um lugar para sentar-se ou colocar-se em estado de letargia. Lugar de espera (delimitado num cômodo doméstico) de que coisas aconteçam, da iminência cúmplice de ser objeto inanimado que presencia a história de certa vida familiar. Repousam apenas: um brinquedo, almofadas ao léu, um saco plástico esquecidos…

Mas aquele sofá me causava certa afinidade. Seria uma espécie de “sofá-símbolo”, imagem inconteste da memória. Do sentar-se para partilhar a vida, ou mesmo para descansar dela.

E fora dos seus contextos domésticos habituais, o que pensar de seu deslocamento espacial? Total sentimento de hiato quando um sofá é visto abandonado na rua e nós, transeuntes, ao olhá-lo perdemos o chão. Surge um incômodo. Torna-se assim, lembrança afetiva de algo que nos representa um significado íntimo, da sua vida, do seu imaginário familiar.

A luz esmaecida que provém daquele sofá “abraça” o olhar, transporta o espírito. A imagem que faço dele é bastante sensorial. Pois, o vazio é apenas paradoxo. O volume de um possível corpo infantil tensiona a composição centralizada (quase claustrofóbica) e a estabilidade matérica do móvel. E não interessa saber quem se esconde. Me inflexiona o volume e suas adjacências – a cena cotidiana de uma família e seus tempos. Não somente o instante que meu olho fixa a imagem. Mas o que se aprisionou nela e a apropriação de quem se relaciona com a cena. Enfim, dos sentidos sublimados pelo sofá e do volume nonsense de um corpo de criança velado por ele.

Não significa muito se entrei naquela suposta sala, se meu corpo vivenciou. O valor, como diria o fotógrafo Brassaï, está na autenticidade do instante. A fotografia impregnada do outro passa a ser minha e de meus sentidos. Imagem é alteridade e só será percebida por quem queira vê-la. O fator essencial para tudo isso é sentir, não só pela visão. Mas, sobretudo, de ir mais além. Como no meu caso, de ouvir a voz do meu arcabouço simbólico e entrar silenciosamente (respeitando o tempo do meu olhar) pela atmosfera rarefeita de um singelo sofá.

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