Na segunda-feira passada, a Folha de S. Paulo publicou, na sua capa (acima), uma foto de Caio Guatelli onde ele usa o efeito Tilt-shift. Tenho acompanhado e não é a primeira vez que a FSP publica essas fotos de Caio.
Ponto para o jornal e para a Editoria de Fotografia que investem em novas “linguagens”. Quem ganha é a Fotografia e o leitor.
Fiz uma pequena entrevista com Caio. Ele não só respondeu… Deu uma aula! Bom para todos nós. Abaixo a entrevista e algumas fotos de Caio Guatelli.
São Paulo
Kyoto, Japão
Osaka, Japão
César Cielo
Você usa lente tilt-shift em câmera 35mm ou é grande formato?
35mm digital, é uma Canon EOS 1DS mark III. [Caio usa duas lentes: Canon TS-24mm e TS-90mm]
Como surgiu a ideia de experimentar esse efeito?
Fui contaminado pela febre da tilt and shift que já é epidemia na Europa e Estados Unidos, fui infectado nas Olimpíadas de Pequim enquanto conversava com fotógrafos de todo o mundo, alguns portadores dessa febre.
Existe alguma análise prévia de qual pauta irá render melhor?
Para começar a responder essa pergunta tenho antes que esclarecer o que são os movimentos de giro e báscula, termos em português para tilt and shift.
Giro e báscula são deslocamentos provocados na composição óptica das objetivas que resultam em alteração do plano de foco e do plano de campo sem mudar a distância focal.
As objetivas que oferecem tais mecanismos foram projetadas para corrigir efeitos indesejáveis recorrentes do paralelismo entre plano óptico e plano fotossensível e do plano fotossensível e o plano horizontal.
A construção óptica tradicional alinha o plano das lentes em paralelo ao plano do filme ou do CCD, CMOS. O resultado disso é a concentração do foco em planos paralelos ao filme, CCD ou CMOS e o desfoque tradicional causado antes e depois da linha focada. Nota-se que o desfoque no sistema tradicional segue sempre na direção apontada pela câmera e nos dois sentidos, para frente ou para trás.
A invenção do movimento de giro foi criada para mudar a direção seguida pelo plano de foco. Depois de criado o giro podemos controlar analiticamente a direção em que segue o foco e assim focar em um só instantâneo pontos que estão em diferentes distâncias da câmera sem a necessidade de fechar o diafragma para obter o resultado de extensão da profundidade de campo.
Já o movimento de báscula foi criado para ampliar o campo de visão de uma objetiva em determinada direção. Essa ferramenta é muito usada na arquitetura, onde o paralelismo da câmera com o horizonte e com os planos concretos é indispensável para a reprodução fidedigna das linhas projetadas pelo arquiteto. Exemplo: Quando fotografamos com uma objetiva tradicional um prédio cuja altura nos obriga a inclinar a câmera para o alto, teremos um resultado onde as linhas retas da construção convergem para um ponto comum no alto da fotografia. Isso é uma deformação da concepção arquitetônica, apesar de trazer o mesmo efeito visto pelo olho humano daquele mesmo ponto. Com o movimento de báscula o fotógrafo mantém a câmera paralela ao horizonte e desloca a objetiva para cima, aumentando o campo de visão do que está no alto e cortando o “excesso” de chão que antes aparecia no fotograma.
Os efeitos que hoje fazem sucesso são os usos inversos para os quais foram projetados os mecanismos de giro e báscula. Muda-se o plano das objetivas empiricamente para ângulos que não trazem planos de foco óbvios causando uma confusão ao nosso cérebro, que não está acostumado com foco em direções tão diferentes do que ele normalmente recebe pelo olho.
Portanto eu acredito que a única regra que devemos seguir para utilizar tais efeitos é a de analisar o público para qual aquela fotografia será exibida e saber para quem mostrar e para quem ocultar os efeitos. O problema é que a fotografia vive passando de mão em mão, e o efeito que desagrada a um grupo agrada a outro.
Imagine um astronauta fotografando a Terra com uma lente equipada com movimento de giro (tilt), se ele usar esse efeito estará alterando as características de foco comuns ao olho humano e prejudicando o estudo científico daquela imagem, mas ao mesmo tempo terá em mãos uma novidade daquele angulo de visão. Até hoje nunca vimos essa foto, deve ficar uma coisa linda, pura arte. Se um dia a fotografia me levar além da estratosfera com certeza levarei comigo algumas objetivas com giro e báscula, o resultado fará sucesso.
Existe uma aura surreal que vai contra o “realismo” do fotojornalismo, não é? Emplacar as fotos no jornal foi fácil?
O realismo da fotografia morreu faz tempo, qualquer imagem captada por mecanismos diferentes do olho humano é um particular olhar da realidade. O que os fotojornalistas devem se preocupar é em apontar a câmera para a verdade, sem interferir nos fatos e sem remontá-los em qualquer tipo de pós produção.
Emplacar as fotografias com os “novos” efeitos de giro e báscula tem sido fácil, o resultado tem agradado aos editores com os quais trabalho. Sinal de que eles tem a mente aberta, que acreditam que a fotografia tem limites mais extensos do que podemos imaginar.
Algum fotógrafo (trabalho) lhe inspirou?
O trabalho que o Claudio Edinger fez há dois anos me chamou bastante atenção. Também fui influenciado por Vincent Laforet e dezenas de outros colegas.
Qual a dica para obter o melhor resultado com Tilt-shift?
1- Estudar um pouco sobre óptica da fotografia para saber a teoria antes de quebrar a cabeça se aventurando na prática.
2- Usar um bom tripé com nível de bolha.
3- Treinar. Fazer muitas experiências com todos os deslocamentos ópticos possíveis. Sem uma boa prática não há como dominar essas técnicas.
Pingback: Olha, vê | Alexandre Belém » Ronaldo é preto e branco