O fotógrafo Toni Pires está em Madri (Espanha) para acompanhar o PhotoEspaña e, com exclusividade, estará enviando material para o Olha, vê.
O PhotoEspaña é um dos mais conceituados e badalados festivais de fotografia do mundo.
Ugo Mulas, Lucio Fontana, 1964
Ugo Mulas, Milão, 1953-54
Toni Pires – Madri
Nem chegou o verão e Madri já está pegando fogo, sim o calor bate recordes, e a cidade recebe ao mesmo tempo uma grande Feira de Livros e a XII edição do PhotoEspaña.
O evento vai até o dia 26 de julho. São 72 exposições, com obras de 248 artistas de 40 nacionalidades. 31 das exposições fazem parte do circuito oficial, no entanto, a cidade baila ao ritmo do “cotidiano”, tema do festival de fotografia deste ano. Que pelo segundo ano consecutivo é coordenado por Sérgio Mah. A realidade como tema central, nada melhor do que poder mostrar o dia-a-dia, nossos pequenos personagens, nossas pequenas histórias e por que não nossas grandes causas. Que o mundo é um cenário e somos todos atores já dizia Schkespeare.
O PhotoEspaña deste ano tem a ousadia de criar o seu “Theatrum mundi” onde converte a fotografia em uma metáfora social.
A visão de mundo como um cenário teatral implica em duas vertentes. A primeira, a exigência de um olhar adestrado, de especial sensibilidade, capaz de destacar o extraordinário em um cotidiano normalmente plano. A segunda é uma introdução de uma ordem, visual, social, de significados, no caos do mundo. Para escrever neste teatro da vida de humildes e poderosos, primeiro ha que se saber contemplar ao redor de um mesmo. Mas também há que saber dotá-lo de uma certa ordem, cênica, visual e moral.
Não parece difícil transportar esta ideia de mundo como um grande cenário teatral para o campo da imagem. A fotografia do cotidiano surge de um paradoxo, o primeiro é pretender construir-se em um reflexo quando o que faz é reproduzir uma ordem social pré-estabelecida, o cenário agora é o meio da rua e o “meio” é a câmera fotográfica. A segunda é apresentar um discurso visual sobre o que se vê, o que ocorre, quando, na realidade é o que não ocorre, ou ocorre poucas vezes. A função do fotografo não é captar imagens do ordinário, do trivial, e sim ser capaz de captar o extraordinário neste contínuo banal, e capturar o instante ou a situação capaz de dar sentido a uma cena.
A tentativa de compreender o mundo como um grande teatro nos abre espaço no intento de buscar e compreender novas formas de ver.
E foi com este intuito de ver o mundo de formas tão diferentes que ontem, dia 03 de junho, com a presença da presidenta de Madri, os Príncipes de Astúrias, ministros e diversos fotógrafos que oficialmente foi aberto o PHE no Jardim Botânico, em Madri.
Alguns dos destaques da mostra oficial e da paralela são:
Ugo Mulas (1928- 1973) – Na sala de exposições de AZCA do BBVA, mais de 100 imagens do artista autodidata que investigou, levado pela curiosidade, as possibilidades criativas das fotografias. Passei pela sala hoje pela manhã e a montagem estava um primor, belíssimas ampliações. Durante mais de 20 anos de carreira, Ugo passou pela reportagem, pelos retratos de famosos e pessoas comuns, imprimiu um toque singular na publicidade fugindo da objetividade e orquestrando o conceitual, como na série Verifiche (1968-1972) em que trabalhou em seus últimos anos de vida.
Sua passagem por Nova York, em uma época de explosão artística, lhe renderam fama de extraordinário retratista e critico de arte que afronta a natureza da obra artística com todas suas implicações, sem limitar-se a função documental do disparo.
Dorothea Lange (1895-1965) – Uma das mais esperadas no festival, teve uma curadoria exemplar feita por Olivia Maria Rubio, que conseguiu trazer as principais obras da fotografa, mas “temperou” a exposição com imagens pouco conhecidas de requinte visual que nos faz, como dizem os Madrileños: “flipar”, ficamos boquiabertos.
Passei a tarde no “Museu de Coleções ICO” e pude perceber o grande capricho e cuidado técnico ao afinarem as luzes para a abertura da exposição que conta com 138 imagens que passam pelo clássico trabalho realizado nos anos 30-40 como o retrato da “mãe imigrante” que deu a volta ao mundo, fotografia tão atual em tempos de crise e globalização.
E amanhã abre a mostra “Dias de Glória” de Sergey Bratkov, na sala Canal Isabel II, no espaço Comunidade de Madri.
Também passei pelas salas de exposição e para meu espanto, tudo, literalmente tudo estava pronto para a abertura que só ocorre amanhã. O trabalho de Sergey está influenciado e marcado por um realismo referente a obra do artista Ucraniano Boris Mikhailov. A miséria em sua cidade, Charkov, aparece refletida em um trabalho de realismo radical. Com a ironia que lhe é pertinente. A exposição inclui 140 fotografias e vídeos que mostram o trabalho do fotógrafo desde 1990. A curadoria de Thomas Seelig foi muito bem feita, mas sem ousadia, encontramos na exposição os clássicos das séries Kids, Soldiers, Secretaries, entre outras. As série de panorâmicas de My Moscow é um agradável tempero nesta curadoria.
Dorothea Lange, Migrant Mother Recolectores de guisantes en la indigencia, Nipomo, California, 1936
Dorothea Lange, Delta del Yazoo, Mississippi, 1938
Sergey Bratkov, da série Minha Moscou, 2003
Sergey Bratkov, Landing Party, 2003
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