QUEM | Eder Chiodetto.
ONDE | São Paulo.
PORQUE | Lembro de Eder como editor adjunto da Folha de S. Paulo, se não estou enganado, lá pelos anos de 1996 e 1997. Depois, ele virou editor. Agora, crítico de fotografia e curador, Eder fez de 2009 um ano maravilhoso para quem gosta de fotografia. A exposição “Olhar e Fingir – Fotografias da Coleção Auer”, “Henri Cartier-Bresson, Fotógrafo” e “A Invenção de um Mundo – Acervo da Maison Europeénne de la Photographie” é algo para aplaudir e torcer para que ele continue neste ritmo. Por sinal, Eder nos mostra em primeira mão uma parte do texto de apresentação da exposição de HCB que abre agora em setembro e fotos exclusivas das duas exposições.
Foto: Alcir Silva
Currículo fornecido pelo fotógrafo:
Eder Chiodetto, é mestre em Comunicação e Artes pela Universidade de São Paulo, jornalista, fotógrafo, curador independente e crítico de fotografia do jornal Folha de S.Paulo, veículo no qual atuou como repórter fotográfico (1991 a 1995) e como editor de fotografia (1995 e 2004).
É autor do livro O Lugar do Escritor (Cosac Naify), um dos vencedores do Prêmio Jabuti 2004. Coordenador editorial da coleção de livros de fotografia brasileira FotoPortátil na editora Cosac Naify. Ministra aulas nas cadeiras de Fotojornalismo e Fotografia Documental no Bacharelado de Fotografia do SENAC-SP.
Responde atualmente pela curadoria do Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP. Nos últimos anos realizou diversas curadorias de fotografia e vídeo para instituições como MAM-SP, Itaú Cultural, Caixa Cultural, Museu da Casa Brasileira e SESC, entre outros.
Em 2009 está à frente de três curadorias realizadas em parceria com instituições francesas para o Ano da França no Brasil: Olhar e Fingir – Fotografias da Coleção Auer (MAM-SP); Henri Cartier-Bresson, Fotógrafo (Sesc Pinheiros) e A Invenção de um Mundo – Acervo da Maison Europeénne de la Photographie (Itaú Cultural).
Foto: Bernard Fauco | Maison Européenne de la Photographie
Foto: Jan Saudek | Maison Européenne de la Photographie
OLHA, VÊ Como você começou na fotografia?
EDER CHIODETTO Foi com um pé-na-bunda!!! Estava apaixonado. A primeira grande paixão da vida. Aquela do tipo bem doente, que a gente acha que vai ser definitiva, que ocupa todos os espaços. E de repente, tchau, sai daqui, xô, não te quero mais… Fui trocado por outro. Doeu muito. Pensei em suicídio. Chorava ouvindo Caetano, Bob Dylan e até Roberto, veja só… Me imaginava atropelando os dois apaixonados numa esquina qualquer. Muitos planos de vingança.
Tava nessa lama quando vi no jornal que haveria uma exposição de fotografia. Araquém Alcântara e alunos que ele estava formando. Precisava preencher a cabeça com alguma coisa. Fui lá. E nunca mais voltei.
Perceber a possibilidade de ver o mundo daquele jeito foi uma descoberta que me descarrilhou pra sempre.
Daí fiz o curso do Araquém, virei assistente dele. Comecei a realizar ensaios pessoais, entrei na faculdade de jornalismo. Daí para a Folha como repórter-fotográfico free lancer, contratado e editor. E quando tudo começou a ficar meio repetitivo, comecei a escrever as críticas na Ilustrada. Treze anos de Folha. Em 2004 saí, fui fazer meu mestrado com o prof. Boris Kossoy na ECA/USP.
OLHA, VÊ Durante anos você editou a fotografia da Folha de S. Paulo. Essa experiência foi importante para a sua função atual de curador?
EDER CHIODETTO Dia desses comentei que vejo a função de curador diretamente ligada a de editor. Seria, talvez, uma sofisticação do papel de editor. Mas o treino do olho ágil de edição, a percepção em juntar conteúdos simbólicos, reunir imagens, descartar a gordura, chegar na síntese, construir “frases” com imagens, tudo isso o universo da editoria de fotografia da Folha me deu a régua e o compasso, sem dúvida nenhuma. Quando vou ler portfólio às vezes fico constrangido em perceber muito rápido o que o fotógrafo intenciona, o que ele consegue e onde ele está fragilizado. Isso tudo me vem numa velocidade espantosa para mim mesmo. Gosto muito de editar, de experimentar formatações, de construir um universo paralelo com o conteúdo cifrado das imagens. Daí vem o prazer da escrita também, mas sempre nesta levada mais sensorial.
OLHA, VÊ Qual a maior dificuldade: editar centenas de fotos no jornal ou selecionar um material para uma mostra?
EDER CHIODETTO Os caminhos possíveis são sempre muitos. É como me disse a Susan Meiselas uma vez no Equador, “a edição é como a busca de caminhos no mar, não há caminhos certos, mas é preciso navegar sempre!”
No jornal os critérios são mais claros e objetivos, o que facilita o processo. Você precisa ser bem informado para saber cruzar o poder informativo das imagens com a estética mais adequada e impactante. O problema é que com o advento das digitais, internet, etc, o volume de imagens possíveis para se editar um jornal diário hoje em dia tende ao infinito. Quando você acha que fechou o jornal de forma espetacular qualquer motorista de táxi pode aparecer com uma foto melhor do que a que você colocou na primeira página…
Numa curadoria você trabalha ancorado em alguma perspectiva histórica, mas com um grande aporte de subjetividade que lhe permite uma margem de manobra poética grande. Mas como sou muito ligado ao verbo também, para mim uma curadoria só funciona se eu conseguir resolvê-la no texto também. O texto é como uma checagem da ordem poética das coisas. Já tirei muita foto boa de exposição porque percebia que elas escapavam a uma certa harmonia dentro do grupo. E isso muitas vezes é o texto que me faz entender. Enfim, aqui quem comanda são estruturas além do racional. E esse navegar incerto traz insegurança, é certo, mas é o único lugar onde, de fato, encontro prazer estético.
OLHA, VÊ Em um texto de 2007, você criticou o fotojornalismo feito nos últimos anos. Qual a sua atual opinião?
EDER CHIODETTO Até hoje recebo emails comentando esse texto. Até pessoas que na época reclamaram e depois concordaram. Eu estava no meio do meu mestrado, revendo meus anos no fotojornalismo, com o discurso afiado. Minha opinião atual não mudou nada. O que mudou, como eu havia previsto foi a função do repórter-fotográfico nas redações. Cada vez mais burocrática, mais sem espaço para publicar reportagens fotográficas, menos viagens, mais retratos de celebridades e menos fotografia que revela os bastidores do país, mais fotos de assessorias, cada vez menos jornal e mais publicidade. Tem alguém aí para negar tudo isso?
E eu sou bicho fotógrafo. Adoro reportagem, adoro jornal. E por gostar é que sou obrigado a ver como as coisas estão se encaminhando e criticar. Mas também acho que toda crise é positiva. Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Esse velho modelo morreu. Os espaços são outros, os fotógrafos serão outros. Há vida inteligente nos blogs cada vez mais e nas redações cada vez menos. Vai sobreviver o fotógrafo que tiver autonomia cultural, idéias, histórias para contar. Até porque as fotos de grande impacto, dos acidentes, das enchentes, das catástrofes e de tudo que acontece sem estar agendado, é privilégio do taxista, do motoboy, da dona de casa, do açougueiro, de quem estiver com o celular mais perto da cena. Fotógrafo de jornal só faz agenda, pauta fria.
Que sentido tem então ficar dentro de uma redação esperando alguém para dizer qual é a história que você tem que fotografar? Enfim, só vai sobreviver neste mercado quem conseguir se diferenciar da massa. E fotógrafos profissionais não devem mais pensar como fotojornalistas, mas sim como fotodocumentaristas. Reflexão, profundidade, conhecimento, please!!!!!! Foto bonita, foto espetacular, foto de furo no dia a dia, creiam, todos os amadores estão fazendo o tempo todo. Essa nova leva de fotógrafos mais bem formados que começa a cavar novos espaços com determinação e talento, logo constituirão grupos, coletivos, serão patrocinados e será através deles que a fotografia vai voltar a ser, na mídia, a linguagem que dá as cartas, que pauta, que emociona, informa, humaniza. Não tenho dúvida.
Foto: Joel Peter Witkin| Maison Européenne de la Photographie
Foto: Paolo Ventura| Maison Européenne de la Photographie
Foto: Pierre Molinier| Maison Européenne de la Photographie
OLHA, VÊ Quando e como foi que ocorreu a transição do fotógrafo/editor virar crítico/curador?
EDER CHIODETTO Sempre fui muito questionador, curioso. Acho que tá nisso a semente dessas metamorfoses. Um dia, em 1996, fui ver a exposição da Roberta Dabdab na galeria Fotóptica, em Pinheiros. Achei linda, mexeu comigo. Falei para o editor da Ilustrada e ele sugeriu que eu escrevesse. Levei um susto. Escrevi. Gostaram e continuo a fazer isso há 13 anos… Mas na verdade não vejo as atividades que exerço separadas uma das outras. Ao contrário, o fotógrafo estimula o escritor, que excita o crítico, que dá idéias ao curador que logo pensa em ver tudo numa edição em formato de livro, áudio-visual, enfim… é um ciclo que não se fecha. Não penso em nada separadamente.
OLHA, VÊ Qual a sua opinião sobre a crítica fotográfica feita no Brasil?
EDER CHIODETTO Ela existe? Me apresenta? Não conheço.
OLHA, VÊ Aqui no blog, sempre falo que ver foto é uma das coisas mais importantes da formação de um fotógrafo. Seja em revista, internet ou exposição. Qual a função e o papel de uma boa exposição de fotografia na cadeia (produtiva, acadêmica, profissional, etc) da Fotografia Brasileira?
EDER CHIODETTO A exposição, assim como um livro, é o momento máximo de realização de um trabalho. É, muitas vezes, o fechamento de um ciclo, de um pensamento. É quando o artista (ou o curador, ou ambos) tentam encontrar a fórmula, o acabamento fino para tantas questões que tangenciam a criação artística e intelectual. Uma boa exposição ou um bom livro são como santuários que podem nos levar a estados de contemplação do qual nunca retornamos iguais. Mas claro, para isso funcionar, é preciso afinar todos os instrumentos. É um trabalho insano. E quando dá certo, não há nada mais prazeroso.
OLHA, VÊ Exposições do MAM (“Olhar e Fingir”), Henri Cartier-Bresson e Itaú Cultural com grandes nomes. Como foi trazer tanta coisa importante para o público brasileiro?
EDER CHIODETTO De fato está sendo um ano incrível e de muito, muito trabalho e novos aprendizados. Mas o ritmo nem chega a ser tão estressante quanto o do trabalho em uma redação e é imensamente mais prazeroso. Todas essas três grandes mostras aconteceram em virtude do Ano da França no Brasil. As três instituições que receberam as mostras – MAM-SP, SESC São Paulo e Itaú Cultural – me chamaram para essas curadorias, para que eu pensasse o projeto todo, fizesse a curadoria e os eventos paralelos. Uma responsabilidade imensa, mas que de alguma forma eu já me sentia preparado para isso, pela trajetória que já havia percorrido até aqui. Foi um processo natural.
E o mais prazeroso foi poder debater com colecionadores, curadores, conservadores de grandes coleções e perceber que nosso discurso e nossa visão sobre a história da fotografia e da forma como a linguagem tem sido trabalhada no mundo contemporâneo se configura para eles de uma forma original e que amplia as possibilidades de abordagem.
Com o casal Auer, com quem fiz a mostra “Olhar e Fingir” no MAM-SP, foi um processo muito rico de diálogo. Eles inicialmente ficaram muito espantados com nossa preposição de abordar a fotografia pela questão do imaginário e da transgressão. Disseram que curadores europeus são muito mais pragmáticos elegem temas dentro da coleção deles como “crianças”, “fotógrafos suíços” etc. Aí de repente cai um brasileiro no meio da história com a proposta de fazer um recorte conceitual. Eles estranharam, ficaram na defensiva no início e depois quando tudo aconteceu se mostraram extremamente felizes e surpreendidos. Disseram que finalmente conseguiram perceber essa tal de liberdade de pensamento que se fala por aí em relação aos latinos. Achei bem curioso.
O mesmo tem acontecido com a mostra “A Invenção de um Mundo”, com as fotos que virão da Maison Européenne de la Photographie, sediada no Marrais, em Paris. Fiz a seleção dos trabalhos com o Jean-Luc Monterosso, que além de diretor da MEP é o cara que idealizou a existência dessa instituição que hoje é talvez a referência máxima em fotografia contemporânea no mundo. O processo de seleção foi muito tranqüilo, o Monterosso tem uma visão do contemporâneo muito libertária. Pensamos bem parecido em diversos pontos. Essa mostra será como um grande segundo capítulo da mostra do MAM. E teremos Joan Fontcuberta dando a palestra inaugural e o Joel-Peter Witkin também falando para o público, além dos workshops que eles darão também.
A mostra do Henri Cartier-Bresson se soma a esse caldo dando uma perspectiva bastante interessante, como se ele de alguma forma fosse o elo perdido entre o documental e o experimental. Isso começa a ficar muito claro para mim. De fato acho que ele coloca a fotografia num debate, já na década de 50, que aos poucos vai ficando cada vez mais oportuno. Mas além das fotos dele e dos fotógrafos brasileiros influenciados por ele que estou fazendo numa sala a parte, o grande lance será os debates no qual será desconstruído o mito do Momento Decisivo. Essa questão, que terá por função desfazer uma certa banalização da forma como a obra de HCB é entendida, será talvez a melhor contribuição do evento.
Enfim, to muito estimulado com tudo isso e espero que as pessoas usufruam.
Foto: Flávio Damm | Bressonianas
Foto: Cristiano Mascaro | Bressonianas
OLHA, VÊ Qual a importância de um clássico como HCB neste cenário cada vez mais de Flickr, auto-retrato, Photoshop, etc?
EDER CHIODETTO Transcrevo aqui, em primeira mão, o último parágrafo de um dos textos de parede que escrevi, para te responder:
“Bresson morreu em 2004, quando a fotografia já havia sido impactada por profundas transformações em virtude das novas tecnologias. Calcada na sensibilidade, na argúcia e no rigor estético, a visão de mundo de Cartier-Bresson e seus pares pode, ao primeiro olhar, parecer desconectada desses novos tempos. Mera ilusão. Ainda que a era da informação e da velocidade se iluda com a crença de que o instante decisivo ocorre o tempo todo, on line, Cartier-Bresson e sua obra permanecem como o fio da meada para o resgate de uma sensibilidade em aparente extinção.”
OLHA, VÊ E os novos projetos? O que em 2010 Eder irá nos trazer?
EDER CHIODETTO O que está certo é que irei retomar o workshop de Ensaio Fotográfico. Darei aulas no MAM-SP e particular também. Gosto muito de trabalhar junto a fotógrafos ajudando-os a desenvolver seus ensaios, provocando-os, procurando caminhos juntos. Com isso devo deixar de dar aula em universidades por enquanto. Sinto falta de um grupo de estudo mais focado.
Darei continuidade nas exposições que tenho realizado na Micasa, em São Paulo,que é um projeto que me estimula bastante, por conseguir fazer a ponte entre novos colecionadores e fotógrafos que possuem uma produção experimental de qualidade sem ter para onde escoar nesse mercado ainda pequeno.
Quanto às grandes curadorias, há uma negociação em curso para levar uma mostra do acervo de fotografias do MAM-SP para Montpellier, na França, além de uma itinerância da mostra paralela do Cartier-Bresson, que dei o título de “Bressonianas” para algumas unidades do SESC no interior de São Paulo.
Foto: Orlando Azevedo | Bressonianas
Foto: Juan Esteves | Bressonianas
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