Rodrigo Braga – Parte 2

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Na segunda parte da seção Processo de Criação com o artista Rodrigo Braga, poderemos ver uma pequena mostra do seu novo ensaio “Desejo Eremita”. Rodrigo enviou para o Olhavê, em primeira mão, a entrevista feita por Bitu Cassundé (curador e diretor do Museu Murillo La Greca, Recife) que será publicada no catálogo da exposição “Rosa dos Ventos”. A exposição acontece em Brasília e vai até o dia 30 de janeiro de 2010.

Para acompanhar toda a série Processo de Criação, aqui. Para ler a primeira parte com Rodrigo Braga, aqui.

Foto: Rodrigo Braga | Desejo Eremita, 2009

BITU CASSUNDÉ – Que lugar é esse chamado ‘’Solidão’’? Em que tempo e espaço ele se localiza?

RODRIGO BRAGA – Solidão é um local físico de nome poético. Uma pequena cidade de cinco mil habitantes situada no Sertão do Pajeú pernambucano, no fim da pista, já na divisa com o estado da Paraíba. Junto com Tabira – um município vizinho um pouco maior – são sinônimos do isolamento que interessava à minha vivência imersiva de criação.

BITU CASSUNDÉ – A semântica da palavra ‘’Eremita’’ situa-se num campo referente a isolamento, restrição ou viver no ermo com intuitos contemplativos; no tarot é o nono arcano maior, o “Eremita’’ isola-se para descobrir o conhecimento que o rodeia, na natureza, e também para se autoconhecer; refere-se também a um cortar de laços com a sociedade e a vida estabelecida em um determinado lugar. Gostaria que você refletisse sobre essa “ação/residência” a partir do título ‘’Desejo eremita’’ e localizasse o ‘’desejo’’ dentro do processo e como esse desejo dialoga no território do “Eremita’’.

RODRIGO BRAGA -Tal desejo foi para mim uma necessidade latente de constituição de um espaço e tempo diferente daquele rotineiro que me via submetido na metrópole. Nesse tempo dilatado, imaginava que vivenciar um novo ambiente – ligado aos aspectos mais crus e ritualísticos da natureza – pudesse me levar a um estado criativo mais perto dos sentidos e dos sentimentos. Como você bem notou, certamente pode-se dizer também de um reconhecimento interior, de uma intuição particular; porém, induzida por fatores externos. Contudo, para além daquela percepção idílica e contemplativa dos ciclos da natureza, me levando a campos mais desconhecidos, onde se situa a disputa, o risco, o medo. Estar de corpo inteiro no espaço natural é também se reconhecer nele, numa outra interpretação de nossa própria origem e fim.

BITU CASSUNDÉ – O seu projeto propunha desbravar um novo território, um espaço desconhecido por você no alto sertão pernambucano. Em se tratando de paisagem como se deu esse embate entre a realidade encontrada versus a realidade imaginada? E como essas paisagens confluíram nas questões estéticas?

RODRIGO BRAGA -Durante o ano de 2009 fui ao sertão em dois períodos. No primeiro momento residi sozinho, por dois meses e meio, numa casa de sítio há três quilômetros da cidade. Partindo desse ponto me ramifiquei em andanças pela região. Cheguei no período chuvoso e convivi com uma paisagem incomum de se ver do sertão nordestino: o do verde e da abundância. No final do ano fui novamente, dessa vez para conviver com o contraste da adversidade da seca. Nos dois casos me deparei com ambientes extremamente ricos em aspectos simbólicos para meus trabalhos. Isso me deu mais elementos do que eu imaginava para a produção das imagens; esperava uma paisagem mais desértica e monótona, mas acabei me deparando com inúmeras possibilidades. Enfim, juntei um pouco de mim e outro tanto de tudo o que me rodeava e devolvi a série de fotografias Desejo eremita, que, certamente, é desdobramento de trabalhos anteriores, tanto pelas investigações estéticas quanto pelas preocupações discursivas.

BITU CASSUNDÉ – Um dado significativo nessa sua pesquisa é a ruptura de cotidiano, o deslocamento da metrópole para uma cidade interiorana e desconhecida. Como o ‘’cotidiano’’ e o ‘’entorno’’ desse novo lugar foram absorvidos e refletidos na série fotográfica?

RODRIGO BRAGA – Além dos aspectos geográficos e ambientais daqueles lugares, outro viés não previsto inicialmente acabou por adentrar no processo: o cultural. Contudo, não aquele cultural pitoresco ou folclórico, mas, sim, o específico. Ao chegar num território totalmente desconhecido por mim e ir desenvolvendo relações de conhecimento, fui estabelecendo confiança mútua com algumas pessoas, notadamente a família Almeida, proprietária da pousada caseira que me hospedei pela primeira vez em Tabira. Assim tive a oportunidade de adentrar na intimidade de uma rotina até então desconhecida por mim. Dos sítios e fazendas da região à dinâmica da feira de animais ou da feira livre, fui tecendo relações que, de alguma maneira, também permeiam as fotografias, sobretudo as histórias de brutal violência humana e também animal que colhi no período. Revendo as imagens percebo que certo teor rude não é casual, e sim reflexo de uma realidade muito peculiar e por isso mesmo instigante.

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