O que podemos pensar de um projeto fotográfico que se chama Labirinto de Olhares? Milhares de caminhos e somente uma saída? Uma saída difícil de encontrar? O Olhavê começa a temporada 2010 da seção Entrevistando com o curador espanhol Claudi Carreras. Claudi é o criador do Laberinto de Miradas. Projeto que começou em 2007 e tem mapeado a produção fotográfica documental da Ibero-américa. O projeto é grandioso no sentido de ser vasto. Financiado pela AECID (Agencia Española de Cooperación Internacional y Desarrollo) e Casa Amèrica Catalunya, Laberinto… é composto de exposições, bate-papos, workshops, etc. Roda toda a América Latina mostrando trabalhos, muitas vezes desconhecidos, e criando uma rede de autores. Bem, não vou responder as perguntas feitas acima. Como diz Claudi na entrevista: “minha intenção no Laberinto nunca foi responder perguntas, senão gerá-las”.
Para conhecer mais o projeto, sugiro uma visita ao site Laberinto de Miradas. Será um belo passeio. Do projeto, surgiu o Encontro de Coletivos Fotográficos Ibero-americanos, ocorrido em São Paulo em 2008.
Também coloco um pequeno vídeo, feito exclusivamente para o Olhavê pela Cia de Foto na Guatemala, onde Claudi explica um pouco mais sobre o projeto.
PDF para la entrevista en español: claudi carreras
*Colaboração de Georgia Quintas.
Foto: Ernesto Peñaloza
claudi carreras : laberinto de miradas from ciadefoto on Vimeo.
OLHAVÊ – O que propõe Laberinto de Miradas é por si só agregador de múltiplos desdobramentos sobre as as perspectivas fotográficas. Nestes dois anos, quais são os principais pontos que podes destacar sobre este projeto?
CLAUDI CARRERAS – O principal objetivo do Laberinto de Miradas tem sido desde o início incidir na criação e apoiar a consolidação de uma rede de criadores de âmbito fotográfico na Ibero-américa. Quando comecei, como fotógrafo, a trabalhar na região, me dei conta do grande desconhecimento sobre o que estava acontecendo nos países próximos. Muitas vezes, estamos mais informados do que acontece nos Estados Unidos ou França do que se passa com nossos vizinhos. Também me preocupava fazer com que se conhecesse a riqueza e a variedade da fotografia que se produz em nossos países além de nossas fronteiras internas.
Desde que Laberinto começou em julho de 2007, já se realizou mais de 50 workshops com mais de mil participantes, mesas redondas, bate papos, exposições e muitas atividades relacionadas com o projeto que, sem dúvida, ajudaram a gerar elos entre os profissionais do meio.
Por sorte, hoje, a situação já é muito diferente graças às atividades como o Fórum Latinoamericano de São Paulo, a publicação digital Nuestra Mirada. A revista El sueño de la razón e a Rede de Festivais Iberoamericanos de Fotografia, cada vez nos conhecemos mais e melhor. Espero que Laberinto também tenha colocado o seu grão de areia nesta melhora. Por outro lado, em uns dias, sairá o livro que aglutina todo o projeto. Com uma edição de oito mil exemplares, publicado em inglês e espanhol e distribuído pela Editorial RM para todo o mundo. Espero que ajude a conhecer e aprofundar na criação documental contemporânea na região.
OLHAVÊ – Laberinto… Parece ter em sua essência sobretudo a investigação e busca pelo que se faz na contemporaneidade. Conte-nos se há tendências ou movimentos nestes contatos y encontros pela Ibero-américa.
CLAUDI CARRERAS – Como você bem disse, a investigação foi fundamental para colocar um projeto como Laberinto. Estive durante mais de dois anos percorrendo todos os países do continente contactando com fotógrafos documentais. Mais de vinte países e reuniões com uns quinhentos autores. Seria impossível definir tendências e movimentos de forma sistemática. Realmente há de tudo e muita gente utiliza diferentes recursos para propor seus projetos.
De todas as formas, sem dúvida, o mercado fotográfico também depende das modas e tendências que ditam os mercados internacionais. Tanto o circuito artístico como o dos meios de comunicação e difusão. Estaria mentindo se te dissesse que não fiquei chateado várias vezes vendo cópias de estereótipos e clichês que triunfaram nos centros de consagração contemporâneos. Quando uma estética triunfa, são muitos os autores que a utilizam depois e, muitas vezes, sem muita justificativa conceitual.
Quer dizer, o realismo cinza por um lado e as imagens com uma grande angular exagerada e cores espetaculares de agência publicitárias por outro lado, tem muito peso no que se produz hoje em dia. Também vejo uma crescente determinação em explicar tudo com retratos, que nem sempre é a melhor opção.
OLHAVÊ – De fato, é um trabalho amplo de conhecer e recolher uma gama expressiva de trabalhos documentais fotográficos. Como você obtém esta rede de autores? Como é este processo?
CLAUDI CARRERAS –Em cada país tem sido muito diferente. No México, por exemplo, faz muitos anos que tem um Sistema Nacional de Criadores, um Centro da Imagem e uma Rede Nacional de Fototecas. Enfim, muitas instituições que apóiam a fotografia e ajudam os investigadores a entrar em contato com os autores.
Há outros países que não tem quase instituições e me coube contactar com editores da imprensa, diretores de museus, professores e fotógrafos profissionais. Tive sorte de poder viajar por cada país, e de uma forma ou de outra, pouco a pouco, fui encontrando a forma de conhecer os autores.
Um dos países mais difíceis e que ainda sinto que tenho que trabalhar muito mais é o Brasil. Sou muito consciente da quantidade de gente trabalhando e da grande descentralização do país. Esta situação, que é uma vantagem, porque há muitos pólos de criação e muita variedade, complica muito a tarefa de investigação, pois sempre há portas para abrir e regiões por conhecer. Terei que vir muitas vezes mais e viajar pelo interior do país para sentir que a pesquisa é mais profunda.
Fotos: Claudi Carreras
Córdoba (Argentina)
Antigua (Guatemala)
Santiago (Chile)
OLHAVÊ – Após conhecer e ter acesso a uma produção considerável do fotojornalismo, o que lhe surpreendeu a partir dos conteúdos sociais como característica de comunicação em Ibero-américa?
CLAUDI CARRERAS – Muitas coisas me surpreenderam. Em primeiro lugar, por exemplo, o desconhecimento de muitas coisas ao nosso redor. Os meios de comunicação polarizam cada vez mais a informação desde seus centros de interesses e parece que não se repercute economicamente, não existe. Há uma crescente desinformação no mundo todo e uma manipulação exagerada da informação que recebemos. Graças ao contato com fotógrafos de todos os países, pude conhecer situações que nem imaginava. Há muita gente trabalhando para mostrar realidades que nos rodeia, o que não há é interesse por fazê-las públicas.
Por outro lado, também notei que ainda pesa muito os estereótipos entre o que fotografam os autores. Vi muitos trabalhos que denunciam pobreza e miséria na América Latina. Porém, poucos trabalhos que refletem sobre as causas e origens da situação. Te coloco um exemplo claro. Imagens da produção da folha de coca na Bolívia, Peru e Colômbia. O consumo dos derivados, pasta base, crack e o restante, entre pessoas humildes, há milhares. Não verá quase nada sobre o consumo de cocaína entre as classes mais ricas e, finalmente, estas são o sustento e origem de toda a problemática.
Como este exemplo, há muitos. Segue-se fotografando demais o que estamos acostumados a ver. Clichês fotográficos como prisões, prostíbulos, grupos de transexuais, hospitais psiquiátricos, pobres, favelas… Pessoalmente, gostaria de poder ver mais coisas através da mirada de nossos fotógrafos.
OLHAVÊ – Com a fotografia digital, a operacionalidade e a certeza da captura da imagem oferecem em troca um olhar mais consciente e que ativa tremendamente as ideias. Consegues perceber marcas desta realidade?
CLAUDI CARRERAS – Efetivamente, a utilização da fotografia digital tem suposto uma ampliação enorme das ferramentas a serviço dos fotógrafos e agora podem trabalhar e editar muito melhor seus projetos. Incluindo vídeo, áudio, novas formas de apresentação…
Já faz muitos anos que a suposta vinculação entre a fotografia e a realidade é questionável. Com a fotografia digital estes questionamentos foram exagerados e sem dúvida as pessoas seguem buscando a forma de ver através do olhar dos fotógrafos. Creio que temos que educar a leitura das imagens e estudar melhor os recursos que ativam as imagens digitais no espectador. Sem dúvida, temos o objetivo de recolocar nossa produção em uma época de grande saturação e imediatismo.
OLHAVÊ – Poderíamos dizer que a carga visual dos temas sociais está despedaçada? Nos parece que os conceitos transpassam a ideia da foto única que se fecha em si mesma. Como os temas sociais se estabelecem nas imagens fotográficas?
CLAUDI CARRERAS – É muito interessante o que consideras nesta pergunta. Quando comecei a preparar Laberinto, me dei conta da grande variedade dos modos de representação que se está utilizando. Decidi coordenar uma reunião com especialistas da América e Espanha para analisar entre todos os conceitos e os modos de representação para apresentar. Vieram sete curadores de diferentes países. O eixo fundamental da reunião foi precisamente este, ver como queríamos abordar a produção documental dos últimos anos.
As discussões foram enormes e não houve acordo. Uma parte do comitê assessor optou por valorizar as propostas mais simbólicas, menos evidentes e que apresentavam uma proposta mais metafórica e conceitual. Entretanto, a outra seção continuava valorizando mais a fotografia mais direta e a imagem ao mais puro estilo documental. Veras que em Laberinto se apresentam simultaneamente diversos estilos e diversas formas de aproximação ao documental. Minha intenção principal tem sido apresentar todas as opções e deixar que o espectador reflita sobre a convivência ou não dos modos de representações possíveis.
Pessoalmente, creio que a foto única não se entende bem, se não é no contexto de um projeto mais amplo, bem documentado e bem produzido. Em Laberinto não há imagens de fotojornalismo mais tradicional. A imagem única não me interessou, optei por incluir investigações pessoais e formas de aproximação particulares sobre as temáticas trabalhadas. Isso sim, valorizando todas as possibilidades e tratando de não ter prejuízos demais sobre os modos de representação utilizados.
OLHAVÊ – O termo labirinto propõe um caminho de incertezas; porém, existe sempre uma saída. Ao final, o projeto tem esse mesmo objetivo? O encantamento está em perder-se pelos cantos dos olhares de Ibero-américa, para assim chegarmos à compreensão da fotografia como expressão autêntica e de agente social?
CLAUDI CARRERAS – Assim é. Lhe direi como surgiu o título. Quando estava tentando colocar ordem nos materiais recopilados nos anos de investigação, não encontrava nenhuma possibilidade. Me vi imerso num labirinto e daí ficou o nome do projeto. Há passado mais de três anos desse momento e pessoalmente não encontrei a saída. Sigo cada vez mais perdido por suas rotas. Mas não é uma sensação desagradável, nem muito menos. Estar perdido me ajuda a me surpreender cada dia mais e encontrar caminhos que antes não conhecia. Espero que os espectadores da exposição e os que conheçam o projeto sintam o mesmo que eu e se perdam no labirinto de imagens e projetos.
Minha intenção no Laberinto nunca foi responder perguntas, senão gerá-las. Tratar de que entre todos possamos investigar e aprofundar nas coisas que nos acontecem utilizando a fotografia com uma ferramenta mais de compreensão.
OLHAVÊ – Como é sua rotina desde se envolveu em todo este grande projeto (com as coordenações das exposições e workshops?
CLAUDI CARRERAS – Pois minha vida se transformou na antítese da rotina. Faz mais de dois anos que não fico mais de quinze dias num mesmo lugar. Não tenho residência fixa e muitas coisas mudaram na minha forma de entender o mundo.
Estou muito contente com os desafios que supõe montar uma exposição em cidades diferentes, com costumes e formas de trabalho diferentes. Cada vernissage é uma nova conquista e cada sala de exposição “respira” diferente.
Além do que, estou aprendendo cada dia coisas novas e conhecendo pessoas muito interessante. Em resumo, uma situação muito instável, porém muito apaixonante. Se não fossem os aviões, os aeroportos, os hotéis, as mudanças de horários, de comida e a falta de tempo para tudo, seria genial.
Caracas (Venezuela)
Montevidéo (Uruguai)
Quito (Equador)
Comentários 2