Esta entrevista foi feita há alguns meses e por uma falta de combinação de como poderíamos ilustrá-la… Ficou guardada, maturando. Saiu agora com uma atualização e as fotos. Ainda tentei publicar algumas fotos feitas pela entrevistada, que relutou. No final das contas, ficou bem ilustrada… Simonetta Persichetti tem uma longa estrada pela fotografia brasileira e tem gabarito para falar o que bem entende. É jornalista e crítica… Bem crítica. As respostas mostram bem isso. Ela fala um pouco sobre o panorama geral da fotografia e explica sobre a sua relação com a fotografia pernambucana. Sim… As fotos escolhidas por Simonetta não podiam ser melhores.
Foto: Paulo Villar
OLHAVÊ Como começou a sua relação com a fotografia?
SIMONETTA PERSICHETTI De forma absolutamente casual. Me formei em jornalismo em 1979. Sempre quis ser jornalista, desde meus 13 anos. Durante a faculdade cursei fotografia na Escola Imagem Ação do Claudio Feijó. Queria completar meus estudos de jornalismo, pois sempre acreditei que o fotojornalista é, antes de tudo, um jornalista. Mas nunca pensei em fotografar, sempre preferi a escrita. Durante meus cursos na Imagem e Ação conheci o Sérgio Sade, na época, editor de fotografia da revista Veja. Foi ele que me aconselhou a escrever sobre fotografia, fazer crítica, devido a uma carência no Brasil de um profissional que se dedicasse a isso. Confesso que na hora não dei muita bola, meus sonhos eram outros, mas coincidência ou não, meu primeiro emprego como jornalista foi na revista Iris Foto, em 1980. Sabia que não queria escrever sobre técnicas ou câmaras fotográficas. Meu interesse era trabalhar com a linguagem fotográfica, entrevistar os fotógrafos. Procurei então o Sérgio Sade que me falou para desenvolver perfis de fotógrafos. E foi assim que eu comecei. Mas embora tenha escrito para a Irisfoto durante 15 anos (com alguns intervalos), trabalhei em outras redações e editoras e até na televisão. Foi só em 1991, quando voltei para Editora Abril para trabalhar no Dedoc (arquivo fotográfico da Abril) que assumi inteiramente a fotografia. Em 1992 comecei o meu mestrado em Comunicação e Artes. Apresentei minha dissertação em 1995. No ano seguinte ingressei como colaboradora do jornal Estado de S. Paulo onde estou até hoje. Em 1997 comecei meu doutorado em Psicologia Social, para discutir a estética da fotografia latino-americana, e em 1998 comecei na área acadêmica no Senac. E aí… bom todo mundo já sabe!
OLHAVÊ O que lhe chama atenção na fotografia atualmente?
SIMONETTA PERSICHETTI O que me chama a atenção hoje é o que sempre me chamou a atenção. De que forma as pessoas se comunicam com a fotografia. Como é recebida a fotografia pelas pessoas, o fenômeno fotográfico em si. Como jornalista, confesso que o que mais me atrai ainda hoje é o fotojornalismo. Mas como hoje todas as imagens se parecem com um tratamento igual no Photoshop, acho que temos uma “ditadura” visual. Ou como diz a professora de filosofia e estética Magnólia Costa, vivemos a época da estética da tosquice.
OLHAVÊ Você acredita numa chamada “descentralização” ou a fotografia brasileira só “brilha” em São Paulo? Ou, o mais correto seria dizer que em São Paulo estão os “legitimadores” da fotografia?
SIMONETTA PERSICHETTI Infelizmente, os que estão fora de São Paulo têm esta visão, que para mim é completamente equivocada. Durante os bons anos da Funarte, sempre tivemos um panorama mais amplo do que acontecia com a produção brasileira. Os encontros de fotografia faziam este papel. Mas nos últimos 20 anos, creio eu, perdemos este olhar. Não acho de maneira nenhuma que em São Paulo estão os legitimadores da fotografia. Acho que todos os olhos se voltam para São Paulo e muitos fotógrafos de outros estados anseiam por trabalhar em São Paulo. Mas bons fotógrafos estão em todas as partes do Brasil. Desde 2003 com o Thales Trigo coordeno a coleção SENAC de fotografia. Sempre tivemos a certeza de que seria difícil dar conta do recado, de mostrar o Brasil todo, mas de certa forma tentamos abrir, sempre dentro do possível para outros estados. Sempre acreditei que se cada estado fizesse sua própria coleção, em breve teríamos este mapeamento da produção. Agora [2009] que em três meses entrevistei 40 fotógrafos que expuseram nestes primeiros dez anos da Fnac no Brasil, também tive a oportunidade de reconfirmar que existem pólos muito fortes de fotografia no Brasil todo. Infelizmente estes pólos conversam pouco e as imagens não circulam, ou então, pior, circulam sempre as mesmas por todos os festivais de fotografia o que, no meu entender, cria uma linha única de visualidade.
OLHAVÊ Nos conte um pouco sobre a sua participação no projeto Encontros com a Fotografia Fnac, um projeto gigantesco e pioneiro aqui no Brasil. Para você, qual foi o resultado e experiência em ter tido contato tão próximo com uma diversidade tão grande de fotógrafos?
SIMONETTA PERSICHETTI Como digo no DVD, para mim foi muito importante no prazo de três meses ter conversas com visões tão diferentes e ao mesmo tempo tão semelhantes em relação à fotografia brasileira. A novidade não foi o contato próximo, visto que já conhecia quase todos eles pessoalmente, pois já os havia entrevistado, mas a diferença foi estar no lugar no qual eles costumam trabalhar. Um discurso, por parte dos fotógrafos, não tão intelectualizado ou pensado, como acontece nas entrevistas normalmente, mas um vivenciar experiências. Não posso falar pelos fotógrafos – é claro – mas posso falar por mim. O que ficou, foi algo que eu já sentia, mas que se confirmou: falem o que quiserem, mas a fotografia brasileira existe sim, e tem uma forte tendência ao documental.
OLHAVÊ Como você avalia o fotojornalismo que é produzido nos jornais atualmente?
SIMONETTA PERSICHETTI Ruim, muito ruim. Claro que o jornalismo está mudando e, portanto também a fotografia, mas na ânsia de mudar alguma coisa, esquece-se o principal do jornalismo que é informação. O que vemos atualmente é o que o Hélio Campos Mello tão bem definiu como o “óbvio eficiente” ou então imagens “criativas” de mais que nada significam e acabam funcionando mais como ilustração do que como informação. Neste momento estamos voltando aos primórdios do fotojornalismo: imagens posadas, muito retrato, poucos acontecimentos e imagens que não conversam com os textos e não acrescentam nada. Vemos também muitas brincadeiras tecnológicas, mas que na verdade não trazem nada de novo em termos de linguagem, de transformação ou questionamento à mesmice. Ou seja, se descobre uma brincadeira tecnológica e se repete o tempo todo, não incorporando a linguagem, mas como uma estética vazia. Hoje só vejo manchas.
OLHAVÊ Qual a importância de uma publicação como a revista Irisfoto e como anda as publicações do segmento hoje em dia nesse mundo de internet e blog?
SIMONETTA PERSICHETTI A Irisfoto marcou época por dois motivos: o primeiro que ela foi uma das revistas de vida mais longa e ininterrupta no Brasil: 50 anos. Depois por muito tempo foi a única até termos a genial revista da Fotoptica. As duas revistas foram fundamentais na época (em especial anos 70/80) para divulgar quem estava começando. Basta pegar as edições desta época e você poderá ver que grande parte dos fotógrafos que estão hoje em evidência foram de alguma forma “apresentados” por estas duas revistas. Em relação a Iris, a partir do começo dos anos 90 – por questões que nem vale a pena comentar – entrou em decadência. Foi uma pena. Tenho um enorme carinho por ela, pois afinal foi lá que comecei em 1980. Minha primeira matéria saiu em janeiro de 1980. Estou para completar 30 anos de pesquisa e estudo da fotografia. Em relação aos blogs, é muito diferente. A comunicação mudou a importância das coisas também se alterou. Acho os blogs uma forma boa e rápida de apresentar trabalhos e também discutir fotografia. Inclusive minha última ação no Senac, foi promover um debate sobre os blogs com as turmas de pós-graduação. A maioria dos coordenadores torceu o nariz (coisa de acadêmicos cheios de mofo, ainda bem que nem todos são assim). Mesmo assim o seminário aconteceu: “Blog linguagem”, em 2005. Há quase cinco anos, portanto, eu já chamava a atenção para a importância desta nova ferramenta como uma nova forma estética e de linguagem.
Mas acho que não podemos confundir blogs com sites: o blog, em minha opinião, nunca pode ser comercial para manter de forma integral sua independência. O blog não é um site de notícias e muito menos uma revista. É um lugar para pensatas, recados, coisas importantes e muitas sem importância, um bloco de anotações. Já um site deve ser muito bem pago.
Quanto às publicações confesso que não gosto de nenhuma. São todas muito fracas e com um visual muito aquém da produção fotográfica e mesmo do visual dos sites e blogs. São revistas que cometem sempre o mesmo equivoco: não sabem se são para amadores, profissionais ou comerciais. Falam um pouco de tudo e, portanto, não falam de nada. As entrevistas fracas e óbvias. Gostava mais da revista Paparazzi, do Carlo Cirenza. Quanto ao resto confesso que as que foram não deixaram saudades e as que existem não me dão muita vontade de ler.
Andrè Kertezs (1894-1985)
Eugene Atget (1856-1927)
OLHAVÊ Atualmente, o papel da crítica fotográfica faz parte de uma cadeia produtiva do mercado de arte ou você acha que também é possível trazer a reflexão para estes momentos de debate (seja no caso de textos críticos/analíticos sobre livros e exposições)?
SIMONETTA PERSICHETTI Não sei se entendi bem tua pergunta. Mas pelo que tenho visto muito mais que a crítica são os curadores que fazem parte de uma cadeia (in) produtiva do mercado de arte e divulgação da imagem. Existe sempre uma ação entre amigos. Sãos sempre os mesmos que aparecem e querem pontificar, soltando frases de efeito e sem muita, ou melhor, sem nenhuma substância ou referencial teórico. A impressão que eu tenho é que a maioria lê orelha de livro e sai falando como se conhecesse a obra toda. Acho isso muito ruim. Mas não é privilégio da fotografia. Afinal, vivemos na sociedade do espetáculo e criar fogos de artifícios faz parte, mas quando eles se apagam você vê que não sobra muita coisa. Tem muito curador (assim como muitos fotógrafos) que nunca leu história da fotografia, que quer falar de fotografia a partir de uma linha única que é história da arte. Não é bem assim, acho isso um equívoco. Acho que este é o momento certo para trazer reflexões sérias sobre o papel da imagem e não falar de coisas já superadas no século XIX. Como diz o Luiz Carlos Felizardo: fala-se muito sobre fotografia e muito mal. Concordo plenamente com ele.
OLHAVÊ Você tem um extenso e respeitável trabalho no âmbito da crítica fotográfica. Como você observa o momento atual da expressão crítica na Fotografia Brasileira?
SIMONETTA PERSICHETTI Acho que já respondi na questão acima. Repito, só vejo um passando a mão na cabeça do outro e aceitando o que o a mídia decide. Aplaudem e repetem máximas. Se alguém critica já é mal-visto. O que me desgasta é que pessoas vindas das artes plásticas falem sobre fotografia sem o menor conhecimento de sua história. Rosalind Krauss em seu livro “O Fotográfico”, explica isso muito bem.
OLHAVÊ Você sempre comenta sobre a estética publicitária na produção da fotografia contemporânea. Nos explique um pouco mais sobre esta sua percepção.
SIMONETTA PERSICHETTI Há anos venho falando da estética publicitária na produção contemporânea. E isso não é uma crítica à fotografia publicitária, mas sim uma definição de conceitos. A publicidade existe para aparecer, causar e sumir. O que vejo hoje na fotografia é o mesmo. Mas vejo isso mais no jornalismo. Que quero dizer. Para mim existe linguagem: você usa determinada câmara, lente, corte porque você quer dizer alguma coisa. Quando você faz toda e qualquer imagem usando a mesma lente, o mesmo ângulo, o mesmo tratamento de imagem, você está pensando na estética publicitária: aparece, emociona e desaparece para logo ser substituída. Os publicitários (no melhor dos mundos) fazer isso com grande sabedoria. O resto faz modismo. O excesso de photoshop e “efeitos especiais” nas fotografias de hoje não são linguagem, são meramente futilidades.
OLHAVÊ A fotografia digital impõe uma nova conduta e dedicação ao fazer fotográfico. Em tese, tudo é mais fácil, desde a aquisição do equipamento como ao clicar e ter o “produto” final. A consciência sobre a riqueza dos códigos que a linguagem fotográfica promove parece ser dominada pelo automatismo e pelo “olhar” simplista. Isso pode ser uma armadilha para os novos fotógrafos?
SIMONETTA PERSICHETTI Não concordo. A fotografia digital não impõe nada. São as pessoas que impõem alguma coisa. Não a tecnologia. Em tese, sempre tudo foi mais fácil desde a invenção da fotografia. Ela nasce para possibilitar a um maior número de pessoas de se expressar. Ela não nasce atrelada a arte, pelo contrário, a estética da fotografia só se define a partir das primeiras décadas do século XX. Desde sempre todos puderam fotografar. Se você pensar na Kodak de 1880 que lança uma câmara com o slogan: “você aperta o botão e nós fazemos o resto”, você já tem a resposta. Esta “primeira” câmara vinha com filmes com 100 chapas. Quase uma digital para a época. O olhar simplista nasce quando não se considera que existe um olhar pensante atrás de uma câmara. Fico muito irritada com estas colocações. Para mim isso soa da seguinte maneira: “hoje todos estão alfabetizados, podem ler e escrever, então não vou produzir mais”. Antes de qualquer coisa, a fotografia é da área da escrita, da comunicação (leiam Rosalind Krauss), então, que bom que todos estão alfabetizados imageticamente. Isso significa que quanto mais as pessoas fotografarem, mais se educa o olho e não o contrário.
OLHAVÊ Como você avalia a proliferação de cursos universitários de fotografia?
SIMONETTA PERSICHETTI Acho muito bom. Claro que ninguém sai fotógrafo porque fez uma escola, mas pelo menos se estuda história da fotografia, os pensadores da fotografia, estética fotográfica. A faculdade nos ajuda a entender, superar e nos dá a possibilidade de errar. Espero que cada vez mais se crie uma consciência crítica e não se falem tantas bobagens. Conheço inúmeros fotógrafos reconhecidos que desconhecem história da fotografia. É preciso entender e contextualizar textos. Se você fala de um critico que segue a semiótica, por exemplo, você tem que saber o que é isso. Assim se você cita a Susan Sontag tem que saber que ela fala e muitas vezes cita o Walter Benjamin. Mas isso é teórico. Então ao citar autores e teoria, não basta copiar, mas contextualizar. Isso só uma formação acadêmica pode te dar.
OLHAVÊ Inserir cada vez mais a fotografia no mercado de artes é uma saída financeira interessante? A dita fotografia artística contemporânea há muito circula nas galerias de arte. Esse espaço está crescendo e se consolidando para a fotografia “feita” por fotógrafos?
SIMONETTA PERSICHETTI A fotografia entra no mercado das artes no final do século XIX com o pictorialismo e só para citar um exemplo, a Julia Margaret Cameron que já vende suas imagens (e por preços elevados) nos salões de arte. Alfred Stieglitz ao abrir sua galeria 291 em Nova York em 1905 já coloca a fotografia no mercado. O que acontece é que se você pesquisar, infelizmente, o mercado da fotografia mundial ainda é muito incipiente. Se você falar de Nova York, ok, mas na Europa ele é ainda inexistente… Claro que a fotografia é feita por fotógrafos. Agora, existem alguns artistas plásticos que partem da fotografia para fazer ou criar sua obra. Tudo bem. Isso não invalida, mas param mim, eles não podem se autodenominar fotógrafos. Só isso. Saída financeira? Acho engraçado, pois os que mais criticam autoria falam de um mercado capitalista, mas são os primeiros a cair nas armadilhas deste mesmo mercado e se oferecerem de forma despudorada para o que o mercado requer. Ninguém cria, todos operam para o mercado! Só isso.
OLHAVÊ Como começou sua relação atual com a Fotografia Pernambucana?
SIMONETTA PERSICHETTI Já conhecia alguma coisa da fotografia pernambucana por fazer parte de júri dos concursos de fotografia, como o Ayrton Senna, por exemplo, e por passear nos blogs e por ter trabalhado dez anos no arquivo fotográfico da Editora Abril. Essa relação se intensificou após convite da Teresa Maia para ministrar dois cursos aí em Recife: “A importância da fotografia na mídia contemporânea” e em seguida, “Os pensadores da fotografia”. Os dois cursos, iniciativa da própria Teresa, foram dados no auditório do Diário [jornal Diário de Pernambuco] e muitos fotógrafos compareceram e pudemos então conversar e tive a oportunidade de ver os trabalhos. Foi nestes cursos que eu conheci o Fernando Neves da Arte Plural, com o qual iniciei uma colaboração em 2009.
OLHAVÊ Explique do que se trata o projeto “Pernambuco Convida” que a Arte Plural Galeria irá desenvolver este ano e quais são os seus planos para o ano de 2010.
SIMONETTA PERSICHETTI O projeto Pernambuco Convida nasceu de uma vontade do Fernando Neves da Arte Plural Galeria. Conversamos muito sobre este projeto que de alguma maneira procura retomar ou revisitar as extintas semanas de fotografia da Funarte. A idéia é convidar a cada ano um estado montando um diálogo imagético entre os fotógrafos. Queremos conversar, convergir para, de alguma forma tentar remontar um panorama da fotografia brasileira. O que estamos produzindo – cada um em seu estado – é muito diferente? É semelhante? Isso importa? Perguntas que surgem e que não necessariamente precisam de uma resposta. Mas a vontade é juntar as mais diferenciadas vozes da fotografia brasileira. Ser um pólo aglutinador de tendências, experiências e do pensar fotográfico. Esta é a nossa intenção.
Meus planos para 2010 são muitos. Não poderia ser diferente… Mas são planos… Se acontecerem, todos saberão! Não estou escondendo o jogo, mas talvez seja superstição… Não falar antes da confirmação.
Hugo Pellis (1882-1943)
Manoel Álvares Bravo (1902-2002)
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