Foto: Nico Esteves
Por Ricardo Chaves, o Kadão.
Quando eu vi, pela primeira vez, meu pai chorando, eu entendi. Mas aí, era tarde demais.
Foi no enterro de Lupicínio Rodrigues, o grande compositor gaúcho e o maior do Brasil no gênero chamado “dor de cotovelo”. Lupicínio conviveu com meu velho a vida inteira. Essa amizade começou muito cedo, quando ambos eram jovens, Hamilton um pouco mais garoto que Lupi. Parceiros na boemia das noites portoalegrenses, e injuriado com o desatino, o mais velho resolveu, na festa de noivado do mais novo, dar um conselho em forma de letra e música, Cantou, em primeira audição, “Esses Moços, Pobres Moços…” Meu pai, teimoso, não deu ouvido e casou com minha mãe. Por isso cá estou eu. Lupi nunca teve um trânsito muito fácil lá em casa. Não só pelo “conselho” inconveniente, no julgamento de minha mãe, mas também porque, de alguma forma, para ela, o sujeito era a típica má companhia. Mulheres, bebidas…não bastava meu pai ser um abstêmio convicto e adepto do guaraná. Na minha juventude, Lupi, que tinha sido sucesso nacional décadas antes, gozava um resignado anonimato na província. Não era incomum encontra-lo, nos bares da cidade, quando eu saía para beber um chope. Até mesmo na casa dele estive, algumas vezes, com meu pai. Quando a sua magnífica obra, então ignorada por mim, começava a ser resgatada por cantores modernos, como Caetano Veloso, morreu.
Como único fotógrafo da sucursal de Veja, enfrentei o constrangimento de ter de fotografar o seu velório. Fotografar cerimônias fúnebres é sempre desagradável, porém inevitável, a quem é fotojornalista. Pior ainda sendo amigo da família enlutada. Lá estava eu, com a câmera pendurada ao pescoço, quando uma jovem mulher entrou na sala e dirigiu-se ao caixão onde jazia o morto. Ela chorava, segurando as mãos do defunto, quando a viúva levantou da cadeira, e veio em sua direção. Ao contrário do conforto, que eu erradamente supunha, aplicou-lhe um sonoro tapa, no rosto. Como testemunha a foto, de Nico Esteves, na qual apareço em pé na extrema direita, não fiz a foto. Essa é uma foto que eu deveria ter feito. Mas, não é essa que eu lamento. O que não me perdôo, e levarei pesada culpa até o último dos meus dias, são todas as outras que poderia ter feito de Lupi vivo. Eu seria o cara certo, e vou ficar devendo, eternamente, um ensaio fotográfico sobre o poeta. Nunca fiz uma foto de Lupicínio Rodrigues. Nem mesmo uma só: ele ao lado do meu pai. Imperdoável.
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