Foto: Henri Cartier-Bresson – Santa Clara, México, 1934
Por Pedro Karp Vasquez.
Como sempre encarei a prática fotográfica como um meio de autoconhecimento na verdade eu nunca tive vontade de ter feito uma foto alheia, muito embora admire o trabalho de numerosos fotógrafos das mais diversas tendências e estilos. Contudo, “Santa Clara, México, 1934” foi a primeira foto que realmente desejei comprar desde que a descobri na vitrine da Photogalerie, em Paris, em 1976 – o que, de certa forma, deve equivaler a querer fazer.
Essa galeria, de propriedade de George Bardawil, era integrada também por uma livraria e um café, sendo frequentada por todos os fotógrafos da Magnum, pois ficava no térreo do prédio da agência, no antigo endereço da rua Christine. Foi ali que certa noite, no vernissage de Manuel Álvares Bravo, Bernard Plossu comentou: “no final das contas nós fazemos exposições apenas para nós mesmos”. Hoje, tudo mudou, e muito! Álvares Bravo é um dos mitos maiores da história da fotografia e até mesmo o discreto e sutil Plossu goza de incontestável prestígio e boa cotação no mercado internacional.
Mas naquele momento, essa foto custava apenas 600 francos, o equivalente a cento e cinquenta dólares. O problema é que isso correspondia a 60 horas de ménage, visto que eu ganhava dez francos por hora para fazer limpeza como diarista. Aparentemente não seria impossível juntar 600 francos para comprar essa foto que me parecia única na produção de HCB, como o pessoal da fotografia costumava então chamar Cartier-Bresson. O problema é que eu não tinha bolsa de estudos nem dinheiro de família, era duríssimo, e as únicas extravagâncias que podia fazer eram: ir ao cinema todos os dias, frequentar museus todos os fins de semana e comprar livros de arte em promoção ou em sebos. Assim, só pude apreciar “Santa Clara, México, 1934” ali na vitrine e, anos mais tarde, em livros.
Bom, tudo isso oferece o contexto, mas não explica nada, poderiam dizer os mais apressados ou objetivos e eles estariam certos. Assim, mesmo deplorando a pressa e fugindo da objetividade [pelo menos no que diz respeito à arte], tentarei explicar as razões que me levaram a ficar fascinado com essa fotografia. O que mais me impressionou em primeiro lugar foi seu caráter surrealista, sublinhado pela composição [dividida ao meio, contrariando as regras dos manuais], pelo posicionamento das mãos, do zíper aberto [uma espécie de São Sebastião não flechado que certamente agradaria a Mishima] e o coração formado pelos escarpins brancos à direita da imagem. Isto porque Cartier-Bresson foi muito influenciado pelo surrealismo e, de certa forma, foi um dos mais perfeitos surrealistas da história no que diz respeito ao “automatismo da escrita”, que ele obtinha com a intermediação da fotografia de maneira muito superior às demais técnicas empregadas pelos surrealistas ortodoxos, como o sistema de escrita denominado cadavre exquis, por exemplo.
O que mais me fascinava era o caráter explicita e inequivocamente sensual desta fotografia, na produção de um autor considerado um “frio geômetra” por muitos. E eu sonhava então [como continuo sonhando até hoje] compor um livro tendo como título “Cartier-Bresson, érotique et sensuel”, capaz de valorizar o intenso sensualismo subjacente ou evidente em diversas imagens do grande mestre francês, tão célebre quanto mal-interpretado. Agradava-me também o fato desta foto não se parecer nem um pouco com uma foto de Cartier-Bresson, muito embora dificilmente exista outra mais bressoniana que ela.
**
Mais da seção A foto que eu queria ter feito.
Comentário 1