Véus de Walter Firmo

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Legal ver um material novo de um fotógrafo célebre. Além de mostrar outras linhas do autor, temos o prazer e a honra de contemplar a linguagem através de outros tempos. Imaginem tudo isso saindo da gaveta e a importância dessa linha histórica para os nossos filhos e netos?

A exposição Véus, de Walter Firmo, é um pouco disso tudo. A mostra traz fotografias pouco conhecidas e algumas inéditas. Este ano, Firmo completa 74 anos e 54 de carreira. O cara é um dos mestres do fotojornalismo brasileiro e sempre trouxe nas suas fotos um ar próprio. Show!

A exposição será no Ateliê da Imagem, no Rio de Janeiro e tem curadoria de Patricia Gouvêa e Claudia Buzzetti. A abertura será no dia 29 de abril.

Abaixo, um texto de Firmo para a exposição que é publicado com exclusividade aqui no Olhavê. Agradeço Patricia Gouvêa pela consideração.

Foto: Walter Firmo

Véus

Uma pequena historinha para que possamos entender os caminhos aos umbrais da arte. Estava eu bebericando uns drinques na praia do Atalaia, em Aracajú (SE), convidado por uma faculdade de lá que se ocupava em organizar uma semana fotográfica. Havia conceituados fotógrafos brasileiros e alunos de todas as partes do rincão nacional, atentos a workshops, palestras, leituras de portfólio, exposições, mesas-redondas etc.

A minha participação começaria no dia seguinte e eu ali, sozinho, curtindo a praia, espairando as ideias, vi, incrédulo, uma jovem figura feminina portando uma máquina fotográfica, caminhando a esmo, cujo corpo oscilava e o rosto ostentava um lenço branco sobre os olhos, amarrado à nuca.

Desacreditado daquela utopia, tentei ajeitar-me sobre a cadeira em que estava sentado, achando que alguém poderia ter colocado um “boa tarde cinderela” na minha bebida caso eu tivesse ido ao banheiro, porque o que via era uma verdadeira “viagem”. Bebendo mais um gole da batidinha “maneira”, acho que era de tangerina, apareceu mais um jovem ostentando outra câmera, também com os olhos vendados. Três, quatro, cinco, seis, sete – moças e rapazes – oito, nove, dez, todos da mesma maneira, dispersos, olhos vendados, agarrados a máquinas fotográficas. Pirei de vez.

Levantando-me, caminhei até o meio da praia e quem eu vi? Miguel Chikaoka com mais alunos, todos vendados, inclusive ele. Tratava-se de uma saída fotográfica cuja retórica é justamente trabalhar o quase impossível: olhar sensorialmente. Tocar as coisas, sentir o vento, ansiar um desejo, pisar sobre o imponderável, caminhando nas trevas. Porque o ato da criação nada mais é do que transpor o desconhecido, descobrindo-se, revelando a virgindade das ideias.

Esta exposição Véus faz parte da itinerância criativa aliada a todo artista insatisfeito, aquele que se masturba buscando outros prazeres, mesmo que para isso tenha de estar no breu com a cabeça enfronhada num latão de piche. Enclausurado e prisioneiro das trevas, como se estivesse de cabeça raspada num cativeiro, trancado para se transformar num santo. É abdicar do conhecimento geral consagrando o inverossímil, destampando o vaso do banheiro, lixando-se para os outros e fazendo para si mesmo. Em suma, é vestir-se naquilo que cobre ou esconde alguma coisa.

Quando Patricia Gouvêa e Claudia Buzzetti me convidaram para mostrar-me de outra forma, fui logo avisando que gostaria de revelar um certo outro lado, a terceira margem perversa longe do arco-íris, aquele distanciamento oculto embrenhado nas solidões onde o ego tem seu espelho partido.

O cinza é o aniquilamento de tudo, e o espaço sideral que transforma o mundo em preto e branco é perturbador. Poucos sabem que quando iniciei essa ascensão profissional aos dezesseis anos, eu mergulhava a imaginação nos reveladores do laboratório improvisado no banheirinho de empregada da casa dos meus pais. Madrugada adentro, sob o verde farol que me luzia na escuridão (luz de segurança acesa ao processar um filme pancromático). Quadrada, a imagem nascia sob o prisma da fascinação parida na Rolleiflex, minha primeira caixinha mágica onde aprendi, atento e em silêncio, as sinalizações de José Medeiros junto aos franceses Jean Manzon, Marcel Gautherot e Pierre Verger, soberanos do médio formato.

Véus é a linguagem de um redescobrimento que intuía e procurava. Sombrio patamar onde me debruço, recolhendo meus pedaços na beira de tantas estradas estreitas, bifurcadas, sem acostamento, quase sempre empoeiradas e cheias de buracos. Estranhamentos, repousos, resquícios de um “ano passado em Marienbad”, ou de uma “Passárgada”, onde sou filho do rei, mesmo que ele seja feio e desdentado, totalmente descolorido.

Walter Firmo, 29 de março de 2011

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