Marizilda Cruppe novamente no WPP

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Foto: David Burnett – Marizilda durante a escolha da Foto do Ano

Esta é a segunda entrevista com a fotógrafa Marizilda Cruppe aqui no Olhavê. O motivo é o fato dela ter sido, pelo segundo ano consecutivo, membro do júri do World Press Photo.

A conversa de 2010 pode ser lida aqui.

Hoje, no Rio de Janeiro, será aberta a exposição do WPP na Caixa Cultura. Detalhes, aqui.

OLHAVÊ – Você foi jurada de uma etapa diferente este ano. Nos conte como foi esta experiência.

MARIZILDA CRUPPE – Ter participado por dois anos consecutivos do júri e nas duas etapas de julgamento foi um grande privilégio.  Sou  grata ao WPPh por ter me convidado a representar o Brasil num grupo seleto e  ter me proporcionado vivenciar uma experiência tão rica.

Em 2010, participei do júri especializado de Notícias e Documentários no primeiro round e nesta etapa basta um voto, de um dos cinco jurados, para que a história continue na disputa. É um processo interessante porque vemos todas as fotos das seis categorias deste grupo, ou seja, a maior parte do total de fotos inscritas no concurso. São milhares de fotos que contam a história do ano anterior, segundo o entendimento que os fotógrafos tiveram dos acontecimentos. Há muitas fotos que não preenchem os requisitos de qualidade para permanecer no concurso, mas mesmo assim são interessantes de ver.

No segundo round, por ser  decisivo,  temos o privilégio de ter tempo para discussões. O júri é composto de uma forma em que  diferentes visões de mundo e de cultura possam agregar valor ao resultado. Havia jurados de continentes diferentes e essa mistura possibilitou discussões profundas. No segundo round há etapas diferentes e com contagens de votos diferentes para cada uma delas.

Os votos são sempre secretos e computados eletronicamente. O processo é conduzido com o máximo de sigilo e respeito pelo trabalho dos fotógrafos e todos os inscritos tem rigorosamente as mesmas condições de exibição dos seus trabalhos para os jurados.

Começar a semana com milhares de fotos e, no fim da semana, depois de dias longos e debates profundos, chegar aos vencedores é emocionante e gratificante.

OLHAVÊ – Comparando com a edição passada, qual a sua opinião sobre os trabalhos?

MARIZILDA CRUPPE – O prêmio existe desde 1955 e esta é a 54ª edição. Foram 5.691 fotógrafos participantes de 124 países, uma riqueza em termos de variedade de imagens. Como li e ouvi, posso entender os comentários de que este ano as fotos premiadas foram mais tradicionais.

O resultado é um panorama do que foi produzido no mundo e inscrito no concurso pelos fotógrafos, a maneira como eles viram as grandes tragédias naturais, conflitos, histórias cotidianas e por aí vai. Sobre as fotos do ano, a de 2010, de Pietro Masturzo tinha uma certa aura de metáfora, não era tão explícita e despertava o interesse do leitor de ver mais fotos para conhecer melhor a história. A foto deste ano, de Jodi Bieber, é mais icônica, daquelas que vão ser lembradas como imagem única, mais confrontativa e clássica no estilo e que, igualmente à foto de Masturzo, desperta o interesse do leitor de conhecer mais profundamente a história daquela mulher. Apesar de completamente diferentes na narrativa e no estilo, gosto das duas fotos e considero as duas representações da realidade igualmente importantes.

Fotos: Michael Kooren/Hollandse Hoogte

OLHAVÊ – Qual o peso e influência do chefe dos jurados nos restante do júri e no resultado? (Este ano o chefe do júri foi o fotógrafo David Burnett).

MARIZILDA CRUPPE – Cada edição do WPPh é diferente da outra. Este ano foram 6.000 fotógrafos participantes. É inevitável que cada jurado use os próprios parâmetros para fazer suas escolhas. E é por isso que o WPPh tem o cuidado de compor o júri com profissionais que representem o mundo global, tanto cultural quanto geograficamente.

Os parâmetros individuais, quando confrontados com os outros membros do júri compõem um quadro variado de geografias, identidades e opiniões. Alguns dos critérios podem ser ajustados ou influenciados por um indivíduo apenas? Não na minha experiência. Com um júri composto por 19 pessoas é necessário que haja um presidente que acompanhe todo o processo de julgamento, que seja o porta-voz do corpo de jurados e que seja a voz a garantir que todos possam dar sua opinião.

O presidente do júri é o maestro que conduz e faz a mediação das discussões.  Também tem o papel de ajudar a manter as energias do time elevadas, pois os dias são longos e a rotina puxada. O presidente do júri, como qualquer outro jurado, não tem influência no resultado enquanto indivíduo, pois o que vale é a escolha da maioria. Cada um de nós teve oportunidade de expressar suas opiniões e até de fazer defesas apaixonadas, mas no final, o que valeu foi o resultado escolhido pela maioria.

Falando por mim e imaginando que o mesmo tenha acontecido com os outros colegas de júri, acho que todos lamentamos que um ou outro trabalho tenha ficado de fora da premiação. Contudo, temos a tranquilidade de saber que os premiados foram merecedores, pois foram escolhidos pela maioria.

OLHAVÊ – Houve alguma nova orientação ou recomendação após o caso de 2010 com o ensaio desclassificado do fotógrafo Stepan Rudik?

MARIZILDA CRUPPE – Foi bom você ter lembrado desse episódio porque é um ponto importante e que não deve ser esquecido ou negligenciado pelos fotógrafos. Não houve nenhuma orientação, mas o caso da manipulação do ano passado repercutiu e levantou discussões que todos acompanhamos, jurados ou não.

O tema foi debatido entre fotógrafos e editores em blogs e sites. É o lado positivo de um acontecimento desses,  o debate que acaba tendo um caráter pedagógico. Contudo, os jurados sempre ficam atentos a algum tipo de manipulação que possa ser identificada.

OLHAVÊ – A menção honrosa para o fotógrafo alemão Michael Wolf que fotografou telas do Google Street View causaram rebuliço. Para você a série é fotojornalismo? Isto foi apenas um sinal do WPP para a abertura que podemos ver nos próximos anos?

MARIZILDA CRUPPE – Você tocou num ponto interessante tanto para os leitores quanto para a comunidade fotográfica. A Menção Honrosa não é um prêmio, mas um reconhecimento do júri de que o trabalho tem qualidades que merecem ser compartilhadas com o público, tanto nos catálogos quanto nas exposições do WPPh.

Este ano houve duas menções honrosas, em categorias diferentes, uma delas para o nosso colega carioca Alexandre Vieira, que fotografou dois homens se matando no meio da rua. Não é um absurdo as pessoas portarem armas e as sacarem no meio da rua, à luz do dia e se matarem? Essa discussão nem chegou a ser levantada, mundo afora ao contrário da polêmica que envolveu a Menção Honrosa ao Michael Wolf pelas fotos do Google Street View.

A menção trouxe uma visibilidade para o trabalho do Wolf que facilitou o debate, muito positivo, eu acho. Vivemos um tempo de mudanças tecnológicas que estão influenciando o comportamento das pessoas e a maneira de nos comunicarmos. Precisamos estar abertos para o que pode ser positivo nessas mudanças. Não vejo a menção, porém, como uma mensagem particular do WPPh porque a Fundação não tem influência no resultado do concurso.

A menção honrosa foi o consenso deste grupo de jurados que reconheceu um valor na ideia/execução da coleção de fotos e concedeu a menção honrosa na categoria “Assuntos Contemporâneos”. A entrevista de Michael Wolf durante a entrega dos prêmios, agora em maio, vale ser vista.

Há uma outra Menção, denominada Especial, que reflete um comportamento recente adquirido graças às novas tecnologias e que não foi ignorado pelo WPPh. É a menção para não profissionais, ou o “citizen journalism”. Em 2010, a menção foi concedida para um frame de video gravado com celular que correu o mundo, com a imagem da estudante iraniana morta durante uma manifestação em Teerã. Os telefones celulares tem se mostrado um instrumento importante de registro em situações onde não há fotógrafos profissionais ou onde os profissionais não tem acesso. Considerando todos os aparelhos capazes de filmar e/ou fotografar são 2 bilhões de câmeras, uma para cada três habitantes do planeta. O que não quer dizer, obviamente, que cada cidadão que possa tirar uma fotografia se transforme em um fotojornalista.

Este ano a menção coube a uma série de fotos  dos mineiros chilenos, ainda presos a 700m de profundidade, feitas por eles mesmos, com uma câmera amadora que receberam depois que passaram a ter contato com a superfície. Foi um drama acompanhado mundialmente, por 69 dias.

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