Uma das coisas que mais nos alegra, aqui no Olhavê, é acompanhar alguns fotógrafos. A coisa acontece naturalmente, sem programação ou intenção. São autores que gostamos e sempre figuram por aqui. O mais legal é ver, depois de um tempo, a pessoa e o trabalho tomarem outros rumos.
Nos orgulhamos de já termos vários casos bem sucedidos.
Numa troca de e-mails entre Georgia e Talita, durante a elaboração do Perspectiva, surgiu um papo interessante que publicamos agora na seção Processo de criação.
Talita acabou de entrar lá no Perspectiva.
Foto: Talita Virgínia
GEORGIA QUINTAS – Escolher a si própria (sua família) lhe fez sofrer em algum instante por estar expondo-a?
TALITA VIRGÍNIA – A minha maior dificuldade nesse trabalho foi lidar com meus conflitos familiares… O trabalho me aproximou do meu pai (eu não falava com ele direito porque desde pequena a figura do policial em casa me dava medo), mas também trouxe à tona questões não muito confortáveis, como as brigas que eu presenciava todo dia e a falta de calor humano no ambiente familiar…. Isso fez com que o trabalho durasse mais tempo do que eu previa, e também me fez bodiar dele de vez em quando e tentar me concentrar em outra coisa. Mas eu não conseguia levar nenhum outro trabalho adiante enquanto não me resolvesse com esse, eu queria logo dar um ponto final. Mas ele nunca acabava, toda vez que eu acho que eu estou chegando no final, abrem-se novas direções pra ele tomar e eu mergulho de novo nele, e mergulho de novo nos meus conflitos…
Depois de tudo isso, eu nunca mais quero fotografar minha família… Prefiro fotografar pessoas com as quais eu tenha intimidade mas que não sejam tão próximas. É muito tenso lidar com isso, não é que nem fotografar um lugar ou um grupo de pessoas alheios à você. Tinha dias que eu me obrigava a fotografá-los apenas por saber que eu tinha que terminar esse trabalho, mas eu ia me arrastando, por que aquilo tudo me afetava muito. Eu não estava só lidando com a minha família, estava lidando comigo mesma, e isso auto retrato nenhum conseguiu fazer.
GEORGIA QUINTAS – Contar sua história lhe trouxe outras formas de compreender seu entorno familiar?
TALITA VIRGÍNIA – Na verdade contar essa história me trouxe outro conflito ainda maior: eu estava fazendo um trabalho sobre minha família. Mas para quem? Para eles? Para mim? Para frequentadores de galerias? Para leitores de revista de fotografia? Fui descobrindo cada vez mais que o público que eu quero atingir nem sequer gasta seu tempo ou dinheiro pensando em arte. Meu público nem sequer é consumidor de arte. As pessoas com as quais eu cresci, que moram hoje onde meus pais moram, e até meus próprios pais, esses fazem parte do meu público. Mas como alcançá-los? Que suporte? Que linguagem? Que mídia? Meu desafio nos próximos trabalhos é descobrir como atingir meu público-alvo (pessoas que não tem o hábito de consumir arte) de maneira inteligente, sem subestimá-lo.
GEORGIA QUINTAS – O que foi mais fácil em fazer neste trabalho e o que foi mais forte?
TALITA VIRGÍNIA – O mais fácil foi conseguir nas imagens a intimidade que eu queria. Ela sempre esteve ali, a câmera não influenciou em nada, ela parecia invisível às vezes. Ela pôde ver tudo o que eu sempre vi, sem pudores.
A coisa mais forte? Ter que me relacionar diretamente com meu pai durante as rondas em que eu ía fotografar. Eu nunca tinha tido uma aproximação como essa, nem dele, nem desse cotidiano violento banal.
GEORGIA QUINTAS – O que a fotografia significa em sua vida?
TALITA VIRGÍNIA – Não vou mentir dizendo que “a fotografia é minha vida”. Não é. Quero fazer muita coisa diferente nessa vida, desde dar aulas de educação artística para adolescentes em escola pública até trabalhar com biologia, bem longe de gente. Vivo praticando o desapego de coisas materias, de hábitos, de vícios. Quero depender cada vez menos de qualquer coisa pra viver. Mesmo porque, eu produzi muito pouco para o tempo que eu fotografo.
Conheço tanta gente por aí com a minha idade e trocentos trabalhos, sempre produzindo algo. Eu não sou assim. Eu não preciso tirar fotos todos os dias pra me sentir bem, ou pra me sentir fotógrafa.
Eu só fotografo quando tenho algo concreto a dizer. É claro que eu fotografo bastante a minha vida e as coisas cotidianas e banais, ninguém consegue viver sem fazer isso no mundo facebookiano de hoje. Mas a fotografia é meu instrumento pra me comunicar, pra dizer quem eu sou e a que eu vim. Eu não fico mais (porque antes eu ficava) discutindo por aí minha visão política, quais artistas eu acho bons ou ruins, o que eu acho certo ou errado. Eu digo tudo isso com as imagens que eu produzo.
Palavras se perdem ao vento. O tipo de arte que você produz te diz quem você é. Só ponho minha energia em trabalhos nos quais eu sei o que quero dizer e pra quem eu quero dizer. Por isso que demorei tantos anos pra ter um primeiro trabalho. E com certeza vou demorar pra terminar o segundo. Faço tudo no meu tempo, não vivo da minha fotografia documental então posso me dar ao luxo de demorar o quanto for necessário. Só sei fazer assim.
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