Bom Retiro e Luz: Um Roteiro, 1976 – 2011

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Foto: Cristiano Mascaro

No próximo dia 5 de julho, no Centro da Cultura Judaica em São Paulo, será aberta a exposição Bom Retiro e Luz: Um Roteiro, 1976 – 2011. São fotos de Cristiano Mascaro, Marlene Bergamo, Cia de Foto e Bob Wolfenson.

Mais do que um grupo de feras, a exposição conta com a maestria de Diógenes Moura, curador da exposição. É uma mostra que quero muito ver montada ao vivo. Pelos autores e pela competência de Diógenes (a cereja neste bolo). Sem exageros!

Sobre a exposição? Nada melhor do que o próprio Diógenes para nos explicar. Abaixo, o texto da exposição. Agradeço Diógenes pela consideração.

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Eu, Quem?

Um retrato interior

Especialmente pensada para o Centro da Cultura Judaica, a exposição Bom Retiro e Luz: Um Roteiro, 1976 – 2011 tem como ponto de partida a série homônima feita pelo fotógrafo Cristiano Mascaro para a Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1976, a pedido da então diretora Aracy Amaral. Naquele momento, a idéia seria aproximar e trazer para as dependências do museu os moradores da região. Foram as primeiras fotografias que entraram para o acervo do museu. Mascaro incorporou-se à vida cotidiana do bairro judeu (como assim é conhecido) e suas adjacências e produziu imagens representativas não apenas de uma época, mas também marcadas pelos altos-contrastes entre luz e sombra, ao lado do suporte dramático que tão bem caracteriza a obra do artista.

Para criar um vínculo imagético, histórico e, sobretudo relacionado às questões da memória urbana do bairro, e para “falar” sobre o fluxo de identidades dos habitantes e transeuntes que vivem nas ruas dos bairros, convidamos o coletivo Cia de Foto e os fotógrafos Bob Wolfenson e Marlene Bergamo. A partir desses olhares e de experiências tão particulares, temos a aproximação fotográfica entre 1976 e 2011. O Bom Retiro e a Luz possuem, em sua história, uma tradição de agrupamentos, de nacionalidades, de usos e costumes, de religiões, de permanências, de chegadas, de partidas. Trata-se de um bairro onde um “estrangeiro” se irmana com outro, em suas convivências de tradições. Mas de que forma poderá a fotografia “pertencer” a todo esse processo?

O trabalho da Cia de Foto parte de uma interferência (ou apropriação) sobre imagens dos arquivos pessoais doados por famílias judias ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro. São cenas da vida privada ou retratos de álbuns de família trabalhados em recortes, muitos deles intimistas, como pequenas aparições que sugerem ao olhar do espectador a busca pela descoberta da cena em sua totalidade. Assim, e aos poucos, vamos descobrindo personagens que se integram a essa memória que apenas a fotografia é capaz de perpetuar – e que poderá ir do ontem ao muito além. Seguindo esse mesmo ponto de vista e completando o projeto da Cia de Foto, o filme Marcha funciona como um mirante e capta a volta para casa dos trabalhadores no final do dia em direção aos trens da Estação da Luz.

Bob Wolfenson nasceu e viveu no Bom Retiro até os 22 anos. Da sacada do apartamento onde morava fez suas primeiras imagens, no início da década de 1970. São referências das suas emoções iniciais como fotógrafo, numa época onde ainda não tinha certeza qual seria a sua profissão. Mas ali já existia a curiosidade do olhar, nas imagens feitas do alto, com o movimento das ruas sendo observado em silêncio, a conversa que não seria ouvida metros acima da cabeça de cada um daqueles transeuntes. Conhecedor profundo dos dias e das noites do bairro, na série produzida em 2011 Wolfenson produziu imagens silenciosas, interiorizadas, retratos onde a própria fotografia “estanca” diante do tempo. Trouxe o seu passado para os dias atuais, para rever o seu tempo de ontem, o seu povo e a si mesmo.

Como num único fotograma, Marlene Bergamo fotografou apenas a noite, em alguns momentos quando o bairro e a cidade se tornam mais enigmáticos e as baixas luzes nos fazem perceber instantes profundos de solidão e em outros, as pegadas dos passantes diante da sombra dos seus destinos. A série de Bergamo é um ponto de ligação entre identidades, nos sinaliza os dois lados da vida real. Desnuda o bairro com suas travessas e esquinas vazias, nenhum trânsito, poucas vozes. Mas também escuta o som das religiões. Com sua velocidade documental, ultrapassa o limite entre realidades ao assumir o estado cinematográfico das “coisas”.

Bom Retiro e Luz: Um Roteiro, 1976 – 2011 é uma exposição sobre pátrias. Sobre as mais distintas nacionalidades que temos em nossa história, nesse Brasil onde todos fazemos parte de um outro mesmo eu.

Diógenes Moura

Curador

Foto: Marlene Bergamo

Foto: Bob Wolfenson

Foto: Cia de Foto

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